Opinião: O Dólar e a Reforma Trabalhista

Por: 02/06/2007 08:06:39 - Revista Fator Brasil

O articulista tem que estar em sintonia com os fatos. Neste mês, nosso artigo enfocará dois assuntos de extrema atualidade, quais sejam, a queda do dólar abaixo do psicológico patamar de R$ 2,00 e a reforma trabalhista implantada na Europa e esquecida no Brasil.


A conjuntura internacional está bastante favorável, com imprevisibilidade de crises fortes no médio prazo, o que tem oportunizado ao capital financeiro navegar tranqüilo pelos mercados emergentes, na busca de melhor remuneração. A rentabilidade dos títulos americanos está na volta de 5%, com a consolidação do crescimento/PIB em 3%, sem influência inflacionária. O percentual real dos juros está em torno de 2,5% e esta taxa serve como parâmetro mundial.


Sem medo de variações bruscas, os grandes bancos de investimentos procuram mercados institucionalmente sólidos que oferecem taxas maiores. E neste campo, o Brasil é líder mundial em taxa real, oferecendo, hoje, oito por cento (8%), já descontada a inflação oficial de 4%. A segunda remuneradora é a Turquia, com 4,0% reais.


Três fatores têm impulsionado o ingresso de divisas, que interferem na cotação interna. Sendo bom pagador – a gestão econômica de Lula da Silva tem mais crédito no exterior que a de FHC – o risco-país desmoronou abaixo dos 200 pontos, quando o Ministério da Fazenda resolveu antecipar os pagamentos ao FMI, no ano passado, quitando seu passivo.


Em segundo plano, mas também importante, as exportações têm se mantido em bom patamar, graças à elevação das commodities e da maior participação de produtos manufaturados na pauta exportadora. Os superávits comerciais vêm resultando no ingresso de dólares. A descoberta de novas praças e novos produtos podem consolidar o perfil exportador brasileiro. Pena, só, que não tenhamos dado importância para o desenvolvimento de softwares e de equipamentos de informática de última geração, em escala semelhante à da Índia e da Coréia do Sul. Também a China já mudou, em quinze anos, seu perfil industrial, vendendo para exterior, hoje, mais produtos com tecnologia embarcada do que tralhas e bugigangas mal copiadas do Ocidente.


O relativo baixo preço dos ativos nacionais. Tanto nas bolsas de valores, quanto nas fusões e incorporações, há um grande interesse do capital mundial em ancorar no Brasil. Apenas um quesito tem impedido um volume ainda maior de ingresso: a baixa capacidade financeira do brasileiro. Espera-se, com a calmaria mundial, que novos investimentos de porte, especialmente em telefonia, energia e ecologia, se aportem em nosso território até 2010.


Só para analisar, rapidamente, o mercado interno, segundo o IBGE a renda média per capita cresceu só 2,36% em 2006, gerando um importante limitador na expansão dos negócios internos. Alguns setores -eletroeletrônicos e automóveis-, consumidos com maior vigor pelas classes média e alta, têm obtido percentuais mais elevados que a variação do PIB. Na outra ponta, a venda de material para construção ou reforma de pequenas habitações nas periferias das grandes cidades se expande no sonho de melhoria do sofrido povo brasileiro.


Voltando ao dólar, verificamos que a conjugação desses três fatores, todos na direção positiva, interferiram no razoável equilíbrio no mercado de câmbio. Os grandes bancos têm divulgado um dólar igual a R$ 2,05 para dezembro/2007. Este articulista também aponta este referencial entre R$ 2,03 a 2,07.


Qualquer valor abaixo desse patamar deve ser considerado como uma paridade artificial, que não se coaduna com as realidades das economias, mesmo que a devastadora administração George Bush tenha levado os USA a um estratosférico déficit fiscal, além do paquidérmico déficit comercial.


A inércia do Banco Central e Ministério da Fazenda, na propositura de medidas compensatórias à queda do dólar, à exceção de intervenções de compra, insuficiente para “enxugar o gelo” ou excesso de divisas, se contrasta, por exemplo, com a medida adotada pelo Chile, ao flexibilizar de 30% para 45% o limite de investimentos no exterior pelos fundos de pensão, com patrimônio de US$ 95 bilhões. Enviando recursos no sentido inverso dos ingressos, há tendência de simultaneamente melhorar a paridade cambial e internacionalizar a rentabilidade desses fundos.


Essa medida, em nosso país, é de mais difícil execução, visto que os maiores fundos são vinculados às estatais e com administrações pífias, fruto de nomeações apadrinhadas pelos partidos alinhados ao governo. Como as administrações das estatais são tecnicamente deficientes e com pesadas denúncias de desvios, de todas as ordens, fica difícil adotar essa medida chilena.


Um outro ponto recém adotado pelo governo chileno foi reduzir o superávit primário de 1% para 0,5%, visando injetar US$ 5 bilhões em educação e serviços sociais co-participativos. Não é à toa que os estudantes chilenos estão entre os melhores alunos no concurso latino-americano e caribenho de matemática, enquanto que os brasileiros são os últimos [Vide nosso último artigo neste site].


Ao sabor do mercado, a paridade cambial pode oscilar ladeira abaixo, embora, em nosso entender, mesmo no curto prazo, o fundo do poço deva ser R$ 1,93/US$, com gradual recuperação rumo ao equilíbrio, exceto se acontecer algum fato extraordinário, em escala mundial, não visível no mar calmo de hoje.


Outro tema de atualidade indiscutível é a reforma trabalhista. Em excelente artigo no Jornal “Valor Econômico” [24/05/2007, pág. A2], o economista Cláudio L.S. Haddad nos dá notícia de um livro da autoria de Alberto Alesina e Francesco Giavazzi que examina, em profundidade, a reforma trabalhista implantada em alguns países europeus e com excelente sucesso.


O título já é explicito: The Future of Europe: Reform or Decline [MIT Prezzes, 2006], abordando o mercado de trabalho nos quinze países que originariamente formaram a União Européia. O titubear de alguns governos tem feito com que alguns países enfrentem uma inacreditável taxa de desemprego da população economicamente ativa [PEA] e com um baixo ingresso de jovens nesse mercado, ambos, impensáveis para um padrão europeu.


Taxa de Desemprego e Parcela da População Empregada | Ano: 2004


País | % Taxa Desemprego | % PEA empregada | Reforma Trabalhista?


Espanha | 10,9 | 58,2 | Não


França | 9,6 | 62,3 | Não


Itália | 9,5 | | ≠ 62,0 | Não


Alemanha | 9,5 | | ≠ 62,0 | Não


Inglaterra | 4,7 | 72,5 | Sim


Japão | 4,7 | 75,8 | Sim * Obs.: A Dinamarca e a Suécia também realizaram reformas, mas não temos os dados.


A primeira explicação que os autores dão para esta disparidade de dados, envolvendo países tradicionalmente de economia forte, está na implantação de uma reforma trabalhista facilitadora das relações de trabalho, onde a flexibilização das rotinas e normas teve duas conseqüências relevantes:


a) repaginou as próprias relações patrão/empregado, com o funcionário se dedicando mais no aprimoramento técnico e na produção. Agora, o que lhe mantém em exercício é a sua capacidade de ser contributivo para a empresa.


b) está acontecendo uma progressiva elevação nas contratações, como apontam os dados da tabela acima. Num mundo globalizado, portanto, competitivo, não são mais aconselháveis as travas e práticas protecionistas da primeira revolução industrial.


Havendo maior liberdade na contratação e na dispensa, os dois exemplos positivos mostram uma reação proativa empresarial, aumentando o percentual da PEA em atividade.


Nos quatro primeiros países, o peso dos Sindicatos, mais as normas restritivas, têm impulsionado os investimentos rumo ao exterior, em países com melhor demarcação regulatória, enfraquecendo a demanda por mão-de-obra interna. Além disto, nas negociações coletivas, há uma série de benefícios assegurados no caso de desemprego, onerando a folha, sem uma contrapartida de que o beneficiário tenha que procurar novo emprego.


Na Dinamarca e na Suécia, que também implantaram reformas, permitindo mais fácil a demissão e com menores custos para a empresa. Por outro lado, enquanto na inatividade, o dinamarquês ou sueco contam com um excelente seguro-desemprego, que vise a manter, quase intacto, seu padrão de vida. Mas tudo que é bom tem contrapartida: eles são obrigados a aceitar a primeira oferta de emprego que lhe for feita, senão perdem os benefícios. Essa gestão diferenciada – obrigatoriedade de busca incessante de novo posto- impede que se gere uma casta de descomprometidos pelo trabalho, continuando a receber a proteção estatal.


Um parêntese no Brasil: notícias advindas da região norte do Espírito Santo dão conta de que o trabalhador em período de seguro desemprego não aceita proposta para trabalhar na lavoura do café ou na fruticultura capixabas.


A este respeito, este colunista tem se deslocado à periferia de Vitória, para acompanhar a reforma de uma residência a ser doada em junho/2007. Impressiona o número de jovens batendo papo na frente de botequins e mercearias em pleno dia de semana, a qualquer hora do dia. A imprensa vem informando da ampliação do “moleque Macunaíma” nessas áreas, vis a vis à desqualificação profissional.


Na Suécia ou Dinamarca, a obrigatoriedade, com o conseqüente monitoramento do desempregado, permitiu que mesmo com a legislação menos restritiva, o quantum dos empregados aumentasse. É bom lembrar que nesses dois países, a carga tributária, próxima de 40%, serve para cobrir despesas com saúde, educação e habitação de seus habitantes.


Temos um exemplo a seguir. A nação que se rendeu ao poderio econômico dos fortes sindicatos está amargando resultados deploráveis. A tradicional França está envolta em rebeliões de jovens e estrangeiros, que não conseguem emprego fruto do pequeno crescimento do PIB. Este fato interferiu na última eleição francesa, recém realizada.


A cada adiamento das reformas mais em consonância com os tempos modernos se perde um tempo precioso para a retomada do emprego, conforme ensinam os autores do citado livro, na excelente resenha de Cláudio Haddad.


No Brasil, a rígida e cara relação trabalhista desaguou no “jeitinho brasileiro”. Todo mundo sabe que 61% dos trabalhos são realizados informalmente, sem registro. O governo não toma providência e o Ministério do Trabalho não trabalha, gerando o pior dos mundos para os “empregados de segunda linha”: falta de assistência patronal e normativa.


Para os que conseguem a assinatura na carteira do trabalho (39%) todas as pretensas garantias e travas normativas. Como reflexo, o salário médio não atinge três vezes o salário mínimo e os encargos trabalhistas são pré-históricos.


Em 1970, numa publicação do IPEA, o economista Edmar Bacha demonstrou que uma menor incidência de encargos sobre a folha salarial aumentaria, em muito, o emprego formal no Brasil.


Trinta e sete anos se passaram e as normas se tornaram mais restritivas. O resultado foi além do esperado. Hoje apenas quatro em cada 10 trabalhadores contribuem para a previdência pública. O “rombo” era inevitável.


Fica a pergunta final: o Brasil quer se aproximar da Inglaterra ou amargar as crises francesas? Esta resposta é muito importante para o nosso PIB deslanchar.


“Espetáculo do crescimento”, como se viu, foi mais uma promessa vã de campanha. A realidade -oh!, dura realidade- mostrou que sem reformas não se avança. Não avançamos mais nem como as tartarugas, que embora lentas são progressivamente persistentes, pois a sua jornada dura quase trezentos anos, se não atacada pelo bicho-homem.


Nosso PIB está aos solavancos tem mais de 25 anos. Se nada for feito, continuará desgraçadamente com esse comportamento.


. Por: César Augusto Gomes é Conselheiro do Corecon/ES, auditor-fiscal da Receita Federal aposentado, mestre em economia pelo PIMES/UFPE, consultor financeiro e tributário e diretor de Metha Consultoria e Planejamento Tributário (Vitória/ES)./Cofocen 
 

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