Não tirem o café ao alfacinha

Se há coisa que o lisboeta não dispense é o café. Café logo pela manhã, café a seguir ao almoço, café ao jantar. As pessoas juntam-se para tomar café. E como sabem bem aqueles dois dedos de café a entreter uma conversa ou a leitura do jornal.

31 de outubro de 2005 | Sem comentários Cafeteria Consumo
Por: por Maria joão Rolo duarte jornalista / jORNAL DE NOTICIAS DE PORTUGAL










arquivo jn
Hoje poucos restam desses cafés onde os clientes se sentavam à vontade, saboreando a bebida


Se há coisa que o lisboeta não dispense é o café. Café logo pela manhã, café a seguir ao almoço, café ao jantar. As pessoas juntam-se para tomar café. E como sabem bem aqueles dois dedos de café a entreter uma conversa ou a leitura do jornal.

Já lá vai o tempo dos grandes cafés, das tertúlias, dos encontros de amigos certos, quase sempre na mesma mesa, café e copo de água, açúcar dentro do açucareiro, espaço para estender o jornal da manhã, enorme, com os comentários da praxe e os sussurros cautelosos não fosse o diabo tecê-las…

Era assim lá para a Baixa onde pontificavam, entre outros, o «Gelo», o «Chave de Ouro» e o «Palladium» e no Chiado, a «Garrett» (cantada pelo Vitorino) e o «Chiado» mais acima, antes de chegarmos à «Brasileira» que essa, não se sabe bem como, ainda sobrevive.

Na Lisboa nova, que quase vim estrear, a Avenida da Igreja, a Alvalade, tinha vários cafés, mas o maior e o mais castiço era o «Astória». Hoje a cidade é um deserto desses cafés onde os fregueses se sentavam à vontade e onde podiam saborear a bebida com os vagares do bom apreciador. Porque ao alfacinha, já houve quem escrevesse, podem tirar-lhe tudo menos a revista. Eu acrescento e o café.

E socorro-me de uma crónica do meu amigo António Mega Ferreira para repetir com ele «O café, bebida do demónio, faz ‘pendant’ com o vinho, bebida dos deuses, na lista de preferências dos portugueses. Deve beber-se negro como Belzebu, a ferver como o Inferno, doce como o Amor e puro como os Anjos, segundo receita acertadíssima de Talleyrand, que não descurava nada do que era verdadeiramente bom».

Negro como Belzebu, claro. E nada de leite. Foi o que aprendi com o cineasta Manoel de Oliveira, quando conversei com ele durante as filmagens de um dos seus melhores filmes, «Francisca». Café com leite é um veneno, disse-me o realizador e eu nunca mais me esqueci do aviso. Café só «negro como Belzebu».

E é assim que o bebo, logo pela manhã, num pequeno boteco perto de minha casa, onde ainda posso estender os jornais do dia em cima da mesa sem que ninguém me apresse para deixar o lugar vago.

Quem em Bruxelas penou para encontrar café e só encontrou uma zurrapa escura ao preço do ouro, dá graças por poder beber uma bica bem tirada por uns módicos cinquenta cêntimos .

Digo isto baixinho porque em alguns cafés da moda, daqueles que metem decorador e têm nomes como «Il Café di Roma», ou outros mais sofisticados, os preços subiram de acordo com o «design» e com as revistas e jornais que põem à disposição do cliente. Há para todos os gostos.

E se hoje Lisboa já não pode gabar-se de ter o melhor café da Europa, haja ao menos a satisfação de ainda se poder escolher entre um Delta e um Lavazza, um Buondi e um Segafredo ou um Nicola. Agora, se me dão licença, vou tomar o meu café expresso c de caliente, a de amargo, f de fuerte e e de escasso, segundo a designação espanhola.

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.