Dólar baixo segura expansão do agronegócio

Descapitalização do produtor freia novos investimentos para exportação e estanca aumento da fronteira agrícola

10 de outubro de 2005 | Sem comentários Comércio Cooperativas
Por: O Estado de S. Paulo / Marcelo Rehder

O economista José Roberto Mendonça de Barros, que está à frente da consultoria MB Associados, concorda com o ministro Roberto Rodrigues, de que a agricultura brasileira atravessa uma das suas piores crises. Ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Mendonça de Barros aponta o câmbio valorizado como o principal motivo dos problemas atuais e futuros do setor. “A gente percebe que está havendo uma redução muito forte dos novos investimentos ligados à exportação”. Para ele, a expansão da fronteira agrícola deve parar nos próximos dois a quatro anos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A agricultura enfrenta uma crise tão grave como descreveu o ministro Roberto Rodrigues?

Uma parte do setor agrícola de fato está enfrentando uma de suas maiores crises. Mas tem um pedaço do agronegócio que passa por uma fase boa, como o açúcar e álcool, especialmente por causa dos preços do petróleo e da competitividade do setor. Tanto é que há mais de 40 usinas sendo planejadas e construídas no País. Outro setor que vai bem é do café, que passou por uma crise enorme nos últimos cinco anos e agora vem se recuperando. A produção mundial está aquém do consumo por dois anos consecutivos e os preços reagiram. A rentabilidade não é brilhante, mas é razoável. E o setor de laranja, que não é brilhante como a da cana-de-açúcar, mas também está razoavelmente bem.Quem está numa fase muito difícil são os produtores de grãos e algodão.

Qual desses dois pedaços do agronegócio é o mais representativo?

Na agricultura, quem está em crise é a maior parte, porque a soma de algodão, arroz, milho, soja e trigo dá um valor de produção maior do que as outras culturas. Mais do que isso, café, laranja e cana são culturas muito concentradas geograficamente em torno do Estado de São Paulo. A maior parte do mapa sofre com a crise.

É uma crise sem precedentes?

É muito forte, mas já vivemos uma crise parecida de 1994 para 95 e 96. E não é por acaso que o câmbio também estava valorizado naquela ocasião. Só que agora, o impacto é maior, porque a agricultura cresceu. Não estamos mais produzido só 50 milhões toneladas de grãos. Plantamos para produzir 130 milhões de toneladas. Além disso, a agricultura hoje é muito mais técnica, ou seja, a necessidade de capital de giro é muito maior, depende muito mais de comprar insumos fora da propriedade. Como a área plantada se espalhou geograficamente muito mais, o custo de transporte também pesa relativamente mais. A combinação de câmbio valorizado com aumento do custo faz com que as margens sejam particularmente espremidas. Nesse sentido, hoje a crise é muito pior. Em 95 e 96 não tínhamos choque de petróleo e a porcentagem do crédito que vinha do Banco do Brasil, o chamado crédito oficial, era bem maior. Hoje, o agricultor depende mais de crédito comercial e de recursos próprios.

Então, o ministro tem razão ao reclamar?

Se somar a subida de custos dentro da propriedade e a redução da receita por causa do câmbio chega-se a uma impressionante diminuição de margens. E isso é tão mais verdade quanto mais longe em relação ao porto está a produção. É como se, de repente, alguém apitasse e praticamente tudo virasse contra o agricultor. O custo aumentou, a receita diminuiu, o transporte piorou e o custo do dinheiro ficou maior. Em algumas regiões, como no oeste do Paraná e o Rio Grande do Sul inteiro, somam-se ainda problemas climáticos. Aí, o desastre é completo, com perda de margem e de produção. O ministro tem boa dose de razão de dizer que é uma crise bastante respeitável.

Quais são os indicadores da crise?

Podemos olhar isso de três formas. O primeiro é a forte queda nas margens operacionais da atividade. No arroz, milho, soja e algodão, muito dos resultados veio para o negativo, depois de dois, três anos razoáveis. A segunda forma é a contração da receita agrícola, que é também muito forte. A margem operacional caiu porque os agricultores semearam a safra com uma taxa de câmbio em torno R$ 3,00 e estão comercializando o produto com o dólar entre R$ 2,30 e R$ 2,40, e com aumento do petróleo. Além disso, teve quebra de safra por falta ou excesso de chuvas em algumas regiões. Outro indicador, embora os dados sejam muito precários, é o endividamento. Com o juro real elevado, a situação ficou delicada para muita gente.

Não é choradeira de agricultor? Não, não é choradeira, tem uma base real. Infelizmente, alguns empresários aproveitam a situação para tentar rolar suas dívidas, sem que tenham necessidade disso. Então, se mistura um pouco o joio com o trigo. Mas na grande massa de agricultores, a situação ficou crítica, mesmo. Se tiver que destacar um fator preponderante, claramente o câmbio ganha de todos. Ele come a receita. Os preços internacionais desses produtos não estão ruins. Não são brilhantes, mas não são uma derrocada. Estão, em geral, um pouquinho acima da tendência histórica. A exceção é o algodão, que exige muito capital de giro e sofre particularmente com o subsídio americano, que derruba o preço internacional. O fato é que, com o dólar a R$ 2,20, muita pouca gente está ganhando dinheiro com exportação .

Isso preocupa?

A gente percebe que está havendo uma redução muito forte dos novos investimentos em projetos ligados à exportação. O empresário diz o seguinte: o juro está caro, mas pelo menos eu posso fazer direitinho a conta de quanto vai custar eu montar o projeto. Agora, com relação ao dólar, ele não consegue calcular. Como câmbio é flutuante e oscila em taxas enormes, as contas não fecham. Eu conheço inúmeros projetos de expansão para exportações que estão sendo engavetados por causa da incerteza sobre o resultado. E o agronegócio é o melhor exemplo disso. A expansão da fronteira agrícola vai parar por dois, três, quatro anos.

Qual é o risco que isso representa?

A gente vai estancar a produção. O ano que vem , se chover e a produtividade for normal, tomando o exemplo da soja, mesmo que a área plantada recue uns 3%, o país vai colher mais, porque este ano perdemos mais de 10 milhões de toneladas por causa do clima. No entanto, parando de investir, o sistema não vai crescer. A conseqüência disso é que o Brasil ou perde oportunidades de exportar ou o custo da alimentação interno vai aumentar por causa de restrições de oferta. É só olhar para a derrocada completa dos investimentos em máquinas agrícolas. É muito ruim que isso aconteça, porque está tirando um dos motores do crescimento do País nos últimos anos, que tem sido o agronegócio. Esse motor está começando a ratear. Assim,o sistema não vai crescer mais. Vai ficar lambendo as suas feridas, tentando se recompor nos próximos dois a quatro anos .

Se está ruim hoje, a notícia é que pode piorar?

Também nesse aspecto, o ministro tem razão. O tamanho do setor agrícola e a importância dele no mundo exigem uma série de investimentos públicos, em pesquisa, defesa sanitária e sistemas de rastreamento de saúde do rebanho, por exemplo, que estão desesperadoramente baixos. Estamos correndo riscos enormes. No setor de carnes bovinas, nossas exportações cresceram não apenas porque temos um produto bom, mas a porta se abriu principalmente por causa do mal vaca louca que atacou rebanhos nos Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa. A preocupação é que chegamos a uma posição da agropecuária mais competitiva do mundo, depois de 35 anos de esforço de pesquisa, de produção de insumos e melhorias da qualidade , e esse sistema hoje está em stress. Há um stress de renda no curto prazo, que vai gerar aumento no endividamento. Alguns dos pilares de crescimento de médio e longo prazo, como a tecnologia e a defesa sanitária, já começam ficar prejudicados pela falta de novos investimentos. O problema é que o mundo não pára e os concorrentes estão melhorando suas posições.

Qual é o efeito da crise na safra que começa a ser plantada?

Nós estamos esperando uma queda razoável na área plantada de algodão, algo como 10%, uma queda de pelo menos 3% na área de soja, mas imaginamos um pequeno aumento na área de milho. Em relação ao arroz, ainda não temos estimativas, mas tudo indica que haverá queda na produção. Haverá redução da tecnologia, o que já se vê na queda de demanda de fertilizantes e sementes certificadas. Mesmo assim, a produção total deverá ser maior, porque a deste ano foi muito ruim.

Apesar de tudo, o consumidor está tendo comida mais barata.

Esse benefício, que ocorre às expensas do produtor, é de curto prazo. A deflação dos preços não decorre de um saudável aumento da produtividade. É fruto do achatamento das condições de liquidez e rentabilidade da agricultura. É uma vitória de Pirro: o consumidor ganha no curto prazo, mas devolverá mais adiante.

Numa comparação com governos anteriores, o presidente Lula está sendo melhor ou pior para agricultura?

No início, até que foi bastante razoável, não sei se melhor. Mas nos últimos 12 meses, com a combinação de juro excessivamente alto, câmbio excessivamente valorizado, estradas cada vez piores e carga tributária no limite, acho que está pior .

Qual é a causa dos problema?

Eu não tenho dúvidas que o juro real foi usado em excesso. É claro que a inflação caiu, e isso é um bom resultado. Mas o que se pergunta é se precisava de tudo isso para chegar a um resultado igualmente razoável. Eu acho que não. Não tem nada a ver com as pessoas que estão lá, mas à essa altura eu e as torcidas do São Paulo e do Corinthians achamos a gestão monetária excessivamente conservadora. É correto o argumento de que nenhum país do mundo cresceu com inflação. Mas esquecem de dizer também que nenhum país cresceu de forma sustentada com um juro real acima de 10%.

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