ARTIGO ROBERTO RODRIGUES – Experiência e relatividade

23 de maio de 2009 | Sem comentários Mais Café Opinião
Por: Folha de São Paulo

DINHEIRO
23/05/2009 
 

As gerações se sucedem repetindo os mesmos erros; vai ser assim até o fim dos tempos
 
ROBERTO RODRIGUES
ESTAMOS terminando maio, mês aprazível para a maioria dos agricultores do Sudeste: a temperatura agradável do outono ajuda a amenizar o calor provocado pela ansiedade quanto aos resultados econômicos da safra de grãos que vai terminando ou da que vai começar, de cana, café ou laranja. Enquanto isso, no Sul as perdas pela seca se acumulam, e no Nordeste ainda é impossível calcular o desastre com as enchentes.


Mas é agora que os caboclos olham com atenção a florada das paineiras. Com sua própria experiência e a observação de gerações, vaticinam se vai chover bem ou mal na próxima estação: segundo dizem, quando há florada grande, é sinal de chuvas boas e fartas. Sem flor, sinal de seca… Experiência… quanto vale isso?


Qual o valor que os jovens atribuem ao profissional mais experimentado?


Lembro-me de que, recém-formado pela gloriosa Luiz de Queiroz, da USP, estava em uma reunião de engenheiros agrônomos quando surgiu uma discussão sobre um determinado tema que, por coincidência, dominava. Mas um colega “bem” mais velho, quarentão, manifestou opinião contraria à que eu tinha.


Aqui uma pequena digressão para tratar da relatividade: achei, à época, que aquele cidadão era velho. Quando meu pai completou 40 anos, eu tinha 11. E fiquei marcado por aquela data, com o sentimento da orfandade próxima: pensava que, tendo completado quatro décadas, meu pai morreria logo. Foi uma sensação muito ruim. Hoje, dois dos meus quatro filhos já são quarentões, e os vejo muito jovens. Tudo é relativo, e a sensação depende de onde e quando a gente se encontra na ocorrência dos fatos.


Muito bem, de volta à reunião agronomal: acabei me envolvendo numa discussão sem fim sobre o tal assunto que conhecia bem, a coisa esquentou, juntou gente para ouvir, até que meu opositor, irritado, argumentou que tinha 20 anos de experiência e perguntou como poderia eu, com menos de dois anos de formado, pretender contestá-lo. O argumento me calou. Duvidei da minha certeza. Porque, de fato, a experiência dele o credenciava mais que a minha.


O ambiente estava pesado, e um veterano advogado, ex-diretor administrativo do Instituto Agronômico de Campinas, Rui de Oliveira, cochichou-me: “Diga que a experiência é a soma dos fracassos”. Não tive coragem de usar a ajuda, a discussão terminou e dei-me por vencido.


Mas a frase do sábio Rui me acompanha até hoje. De fato, ele dizia, quem toma um copo de água não ganha nenhuma experiência: a água vai logo embora; mas quem toma um copo de vidro moído ganha cicatrizes dolorosas e uma experiência inesquecível.


A grande lição que aprendi então é que a experiência não deve ser temida pelos mais jovens, e sim respeitada. Mais ou menos como com o soldado que volta do front mutilado, deformado, estropiado. Não se deve ter medo da sua feiura degradante, mas sim respeito por quem defendeu a pátria e os seus concidadãos com o risco da própria vida.


A experiência deve ser usada por aqueles que não a têm, como escudo que lhes evitem cicatrizes: aproveitar o que os outros viveram para não repetir seus erros é sabedoria que a juventude deveria ter.


Mas, na verdade, as gerações se sucedem repetindo os mesmos erros. Vai ser assim até o final dos tempos, cada um terá suas próprias escaras. Assim caminha a humanidade. Resta conferir, no fim do ano, se choveu mais ou menos, de acordo com a florada das paineiras.


ROBERTO RODRIGUES, 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp – Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

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