TORREFAÇÃO – Livro nos EUA explica como os fabricantes de alimentos “”interceptam”” nosso cérebro

27 de junho de 2009 | Sem comentários Consumo Torrefação
Por: 27/06/2009 08:06:03 - Expresso MT

Como diretor da FDA (Food and Drug Administration), Dr. David A. Kessler serviu a dois presidentes e brigou com o congresso e com a indústria de tabaco. No entanto, o pediatra formado em Harvard descobriu ser impotente contra o poder de um cookie de chocolate.


Em um experimento, Kessler testou sua força de vontade ao comprar dois atraentes cookies de chocolate que ele não planejava comer. Em casa, ele se pegou olhando para os cookies, até mesmo distraído pela lembrança dos pedaços de chocolate enquanto saía do cômodo. Ele saiu de casa, e os cookies permaneceram intactos. Sentindo-se um vencedor, ele parou para tomar um café, viu cookies no balcão e devorou um.


“Por que aquele cookie de chocolate tem tanto poder sobre mim?”, perguntou Kessler em uma entrevista. “É o cookie, a representação do cookie na minha mente? Passei sete anos tentando descobrir uma resposta”.


O resultado do questionamento de Kessler é um livro novo fascinante, “The End of Overeating: Taking Control of the Insatiable American Appetite”, lançado pela Rodale (em tradução livre “O Fim do Exagero: Controlando o Insaciável Apetite Americano”).


Durante seus anos de trabalho na FDA, Kessler atuou fortemente, organizando a agência, pressionando por aprovações mais rápidas de medicamentos, e supervisionando a criação do rótulo-padrão nutricional nas embalagens de alimentos. Entretanto, Kessler talvez seja mais conhecido por seus esforços para investigar e regulamentar a indústria do tabaco, além de sua acusação de que fabricantes de cigarro manipularam intencionalmente o conteúdo de nicotina para aumentar a capacidade dos produtos de viciar o usuário.


No livro “The End of Overeating”, Kessler descobre algumas similaridades na indústria de alimentos, que combina e cria comidas de tal forma que intercepta nosso circuito cerebral e estimula nosso desejo de querer mais.


Quando se trata de estimular o cérebro, observou Kessler, ingredientes individuais não são particularmente potentes. Porém, ao combinar gorduras, açúcar e sal em diversas formas, os fabricantes de alimentos basicamente interceptaram nosso sistema de recompensa cerebral, criando um círculo de retroalimentação que estimula nosso desejo de comer e nos deixa querendo mais e mais, mesmo estando satisfeitos.


Kessler não está convencido de que os fabricantes de alimentos entendem totalmente a neurociência das forças deflagradas por eles, mas essas empresas certamente entendem o comportamento, preferências de gosto e desejos humanos. Na verdade, ele oferece descrição de como restaurantes e fabricantes de alimentos manipulam ingredientes para chegar ao “ponto da felicidade”.


Alimentos que contêm açúcar, gordura ou sal em quantidades muito pequenas ou muito grandes são sem graça ou exagerados. No entanto, cientistas alimentares trabalham duro para encontrar o ponto exato a partir do qual extraímos o maior prazer da gordura, do açúcar e do sal.


O resultado é que cadeias de restaurantes, como a americana Chili, cozinham “alimentos hipersaborosos que exigem pouca mastigação e desce facilmente”, observa o pesquisador. Kessler relata que a barra de chocolate Snicker, por exemplo, “é extraordinariamente bem projetada”. Enquanto a mastigamos, o açúcar dissolve, a gordura derrete e o caramelo prende os amendoins – assim, toda a combinação de sabores é prazerosamente sentida na boca ao mesmo tempo.


Sabores estimulantes


Alimentos ricos em açúcar e gordura são novidades relativamente recentes no mundo da alimentação, observou Kessler. Porém, hoje, os alimentos são mais que apenas uma combinação de ingredientes. Eles são criações altamente complexas, carregadas com camadas e mais camadas de sabores estimulantes, que resultam em uma experiência multissensorial para o cérebro. Empresas de alimentos “projetam a comida para ser irresistível”, comentou Kessler. “Isso tem sido parte do plano de negócio delas”.


No entanto, esse livro é mais uma exploração de nós mesmos do que uma exposição sobre a indústria de alimentos. “Meu verdadeiro objetivo é: Como explicar às pessoas o que acontece com elas?”, disse Kessler. “Ninguém jamais explicou às pessoas como o cérebro delas foi dominado.”


O livro, na lista de campeões de vendas do New York Times, inclui a própria confissão sincera de Kessler de que ele luta contra o hábito de comer excessivamente.


“Não me interessaria tanto pela questão sobre por que não conseguimos resistir à comida se eu mesmo não sofresse com isso”, disse ele. “Ganhei e perdi o equivalente a meu peso atual várias vezes. Tenho ternos de todos os tamanhos”.


Não se trata de um livro de dieta, mas Kessler dedica uma grande seção à “reabilitação alimentar”, oferecendo conselhos práticos para usar a ciência do hábito de comer em excesso a nosso favor, para que possamos começar a pensar de forma diferente sobre os alimentos e retomar o controle de nossos hábitos alimentares.


Uma de suas principais mensagens é que comer em excesso não se deve à falta de força de vontade, mas a um desafio biológico que se tornou ainda mais difícil pelo ambiente alimentar superestimulante ao nosso redor. O “hábito condicionado de comer em excesso” é um problema crônico, piorado por dietas e necessidades que precisam ser gerenciadas, não curadas, disse ele. Apesar de lapsos serem inevitáveis, Kessler salienta várias estratégias para lidar com fatores comportamentais, cognitivos e nutricionais capazes de potencializar o hábito de comer em excesso.


Identifique os deflagradores do desejo


A alimentação planejada e estruturada, além da compreensão de seus deflagradores pessoais do desejo de comer, é essencial. Saber mais sobre os alimentos pode ajudar a modificar sua percepção sobre que tipo de comida é desejável.


Assim como a maioria das pessoas acha o cigarro repulsivo, Kessler argumenta que também podemos passar por “mudanças perceptivas” similares em relação a grandes porções e comida processada. Por exemplo, ele observa que, quando as pessoas que antes adoravam comer carne se tornam vegetarianas, elas geralmente começam a ter nojo de proteína animal.


O conselho, seguramente, não é uma solução rápida, nem tem garantia. No entanto, Kessler disse que se autoeducar enquanto escrevia o livro o ajudou a obter controle sobre sua alimentação.


“Pela primeira vez na vida, consigo manter meu peso relativamente estável”, disse o pesquisador. “Agora, se você me estressar, me cansar, me colocar no aeroporto e o avião estiver sete horas atrasado – eu vou devorar aqueles pretzels cobertos de chocolate. O velho circuito ainda vai mostrar sua cara”.

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