23/10/2006 14:10:38 –
Os prejuízos e desafios das empresas brasileiras na convivência com grupos radicais que lutam contra o livre comércio, a globalização e o agronegócio
Beto Barata / ReutersManifestação do MST em Brasília, invasão do laboratório da Aracruz e ação do Greenpeace contra a Nestlé pelo uso de transgênicos: para os críticos do movimento ambiental, os ativistas não passam de “chantagistas verdes”Por Felipe Seibel e Tatiana Gianini
EXAME Os ativistas na defesa do meio ambiente iniciaram, nos últimos meses, um novo ciclo de espalhafatosas ações de protesto contra as grandes empresas. Em maio, uma das maiores organizações não-governamentais (ONGs) do mundo, o Greenpeace, espalhou dezenas de ativistas fantasiados de frango em 30 lanchonetes do McDonalds na Inglaterra e na Alemanha, enquanto outras pessoas distribuíam cartazes com o personagem Ronald McDonald segurando uma motosserra. Mais recentemente, em junho, dezenas de manifestantes ocuparam as portas de fábricas da Cargill, uma das gigantes do setor mundial de agronegócio, com faturamento anual de 71 bilhões de dólares. Os protestos concentraram-se na sede européia da companhia, em Liverpool, na Inglaterra, e numa das subsidiárias do grupo, a Sun Valley, na França. Com o movimento, os ambientalistas conseguiram paralisar durante algum tempo o trabalho das indústrias, acorrentando-se a seus portões de entrada.
Apesar de essas ações terem ocorrido a milhares de quilômetros de distância do Brasil, elas atingem em cheio alguns dos mais promissores setores da economia do país. Nos últimos meses, a proliferação de protestos e a crescente preocupação ambiental colocaram o Brasil no centro de uma ruidosa batalha entre milhares de ONGs das mais variadas estirpes e um número crescente de empresas que atuam no país. Os protestos de ambientalistas geram problemas sérios, por exemplo, para a produção nacional de soja, um negócio que rende, por ano, ao país, mais de 9 bilhões de dólares. O estopim do movimento foi um relatório em que o Greenpeace acusa os fazendeiros de serem os novos vilões do desmatamento da Amazônia. De acordo com o trabalho, áreas cada vez maiores da floresta estão dando lugar a plantações de soja. A ONG também responsabiliza pela situação todas as empresas que se alimentam da cadeia do produto. A Cargill compra e processa a soja brasileira, transformando-a em produtos finais, como os nuggets vendidos pela Sun Valley na Europa ao McDonalds. “Elas são cúmplices na destruição da Amazônia”, afirma Paulo Adário, coordenador do Greenpeace no Brasil.
Na mira dos ativistas
Os grandes embates da atualidade entre as ONGs e alguns setores empresariais brasileiros
Soja
Acusação
Os ambientalistas fazem campanhas internacionais acusando os produtores de estarem entre os principais responsáveis pelo desmatamento da
floresta Amazônica
Defesa
Os agricultores dizem ocupar uma área muito pequena dentro da floresta e que o plantio ocorre em espaços devastados anteriormente por madeireiros e pecuaristas
O que está acontecendo agora
As agroindústrias decretaram moratória para evitar plantio de soja em áreas proibidas e estão discutindo com as ONGs a criação de um “selo verde” para produtos que atendam às normas ambientai
Papel e celulose
Acusação
As florestas plantadas pela indústria de papel e celulose são chamadas de “desertos verdes”. Na visão dos ambientalistas, elas deterioram o solo e geram perda de biodiversidade
Defesa
A indústria reconhece que suas florestas não são ricas em biodiversidade, mas diz que preserva parte da mata nativa e realiza o replantio de algumas espécies em corredores verdes
O que está acontecendo agora
A Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), que reúne os principais empresários do setor, procura no mercado um profissional que terá como uma de suas principais missões dialogar com as ONGs
Etanol
Acusação
Os ativistas alegam que os usineiros desrespeitam as leis trabalhistas e utilizam na produção processos desnecessários que agridem o meio ambiente, como as queimadas
Defesa
Os usineiros dizem que o problema de mão-de-obra ilegal está sendo erradicado no país e que boa parte da produção já é mecanizada, o que vem diminuindo a incidência de queimadas
O que está acontecendo agora
Os ativistas do Terceiro Setor estão se organizando para fazer grandes campanhas mundiais para denunciar as condições em que o etanol é produzido nos campos e nas usinas do Brasil
Transgênicos
Acusação
Segundo algumas ONGs, os transgênicos podem fazer mal à saúde. Elas querem moratória por tempo indeterminado de seu cultivo e sua comercialização
Defesa
Não existem provas de que os transgênicos são prejudiciais. As sementes geneticamente modificadas são mais resistentes a pragas — e, por isso, demandam menos uso de agroquímicos
O que está acontecendo agora
Enquanto Estados Unidos e Argentina levam dois meses para aprovar novas variedades de transgênicos, no Brasil há produtos que aguardam há oito anos na fila, por causa da burocracia e da pressão das ONGs
Infra-estrutura
Acusação
As empresas querem passar por cima das leis ambientais, além de ignorar os direitos dos índios e das comunidades que ocupam as áreas em que serão construídas estradas e usinas hidrelétricas
Defesa
As companhias dizem que a lei brasileira é uma das mais rigorosas do mundo e que o radicalismo das ONGs ajuda a criar ainda mais empecilhos à execução das obras
O que está acontecendo agora
Mais da metade das 20 obras de infra-estrutura consideradas prioritárias para o desenvolvimento do país não saiu do papel ou está atrasada por causa de questões ambientais
Além da soja, vários outros setores empresariais enfrentam hoje o fogo cruzado das ONGs (veja quadro acima). No universo dos transgênicos, os ativistas elaboram listas negras de companhias que incluem na fórmula de seus produtos algum tipo de matéria-prima geneticamente modificada. Na área de infra-estrutura, nada menos do que metade do grupo de 20 obras consideradas prioritárias para o desenvolvimento do Brasil não saiu do papel ou está atrasada em razão de questões ambientais. O setor de papel e celulose é bombardeado constantemente, com invasão de fábricas, destruição de laboratórios de pesquisa e campanhas no exterior. Suas indústrias são acusadas de criar “desertos verdes” de pínus e eucalipto, o que, na visão dos ativistas, gera deterioração do solo e destruição da biodiversidade. Nos últimos meses, as empresas da área tornaram-se alvo de reivindicações dos quilombolas, comunidades de descendentes de escravos que querem de volta as terras onde teriam vivido seus antepassados.
A preservação da floresta Amazônica, o respeito às minorias étnicas e aos direitos dos consumidores, entre outras causas, são questões que interessam a todos, e é bom que existam vozes organizadas da sociedade civil preparadas para denunciar ilegalidades e abusos. Nos últimos tempos, manifestos contra o aquecimento global, feitos por gente qualificada, como o ex-vice-presidente americano Al Gore, têm mobilizado cidadãos, governantes e empresas de todo o mundo para a solução de problemas ambientais. Entidades civis sérias, algumas com décadas de vida, muitas vezes preenchem o vazio deixado pelo Estado em serviços públicos, como saúde e educação. Quem, em seu juízo perfeito, pode ser contra isso
O problema é que, dentro do tremendo “balaio de gatos” que se transformou o universo das ONGs, há entidades sérias misturadas a associações oportunistas e radicais, algumas delas com objetivos políticos, outras com metas puramente financeiras. Há quem de fato busque soluções para os graves problemas do planeta. Há quem queira apenas destruir as empresas e o progresso. Como do outro lado também existem alguns empresários com uma visão estreita e radical, os conflitos pipocam por várias áreas. Pior para o Brasil, que corre o risco de ficar sem obras vitais de infra-estrutura, como novas usinas hidrelétricas ou estradas, e de ver barrado o avanço sadio de empresas instaladas em setores nos quais o país é altamente competitivo, como o agronegócio.
Em qualquer época da história, sempre há quem se oponha às mudanças e ao desenvolvimento. Desde o advento do capitalismo, a categoria de inimigos do sistema já foi preenchida por vários personagens — ludistas, anarquistas, comunistas, socialistas. Hoje, os militantes das ONGs mais radicais são os que melhor cumprem esse papel. Segundo a nova ideologia, o mundo de hoje seria dominado por gigantescas corporações interessadas em ganhar muito dinheiro à custa da saúde das pessoas e do planeta. Caberia às ONGs o heróico papel de combatê-las. Nessa luta, é preciso abalar os pilares do sistema capitalista — as empresas, os organismos multinacionais, os governos — com todas as armas que tiverem à mão. Pode ser vestindo-se de frango. Pode ser sitiando os encontros do Fundo Monetário Internacional. Pode ser divulgando informações, muitas vezes duvidosas ou simplesmente equivocadas, sobre o desmatamento da Amazônia e sobre os impactos da construção do Rodoanel de São Paulo. A licença para o trecho sul da obra, considerada fundamental para aliviar o caos no trânsito de São Paulo, reduzir a emissão de poluentes por parte dos caminhões que atravessam a cidade e melhorar a qualidade de vida da população, demorou quatro anos para sair. Entre outros problemas, a ONG Instituto Socioambiental argumentava que havia, na região de obras, um tipo raro de rã. Estudos provaram que se tratava de uma espécie ordinária. As obras só foram liberadas em setembro deste ano.
Há alguns agravantes para a situação. Um deles é a atual composição do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, que tem alguns de seus principais cargos ocupados hoje por profissionais oriundos de organizações não-governamentais. “Eles têm uma série de preconceitos contra o agronegócio”, afirma Normando Corral, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato). Outro problema grave é a falta de controle sobre as atividades das ONGs no Brasil. Não se sabe sequer o número de organizações que atuam por aqui. O último levantamento realizado pelo IBGE é de 2002 e registra a existência de 275 000 entidades do tipo, entre grupos de ambientalistas, casas de caridade, fundações esotéricas e movimentos sociais de todos os tipos, incluindo o incendiário MST.
Embora sempre cobrem atitudes transparentes das empresas que criticam, são pouquíssimas as ONGs que publicam balanços e abrem ao público suas fontes de sustentação. A caixa-preta dos esquemas de financiamento (veja reportagem na pág. 30) gera suspeitas de que algumas entidades façam um barulho menos por razões ideológicas e mais por necessidade de atender aos interesses de seus mecenas. Na guerra atual entre as ONGs e os sojicultores da Amazônia, por exemplo, alguns agricultores entendem que estão sendo acusados de destruição da floresta devido a um complô internacional para diminuir a competitividade do produto no mercado externo. “São ações manipuladas”, afirma Corral, da Famato.
Até que ponto realmente a soja merece o papel de vilã da história
Difícil dizer. Os dados disponíveis permitem concluir que houve realmente aumento considerável do plantio dentro da área da floresta nos últimos anos. Entre 2001 e 2005, ele passou de 235 000 hectares para 1,1 milhão de hectares — ou seja, quintuplicou. Mesmo considerando essa evolução, ainda é uma ocupação pequena. Mais precisamente, as plantações de soja espalham-se hoje por 0,3% da área da floresta. Ainda que qualquer estrago, por menor que seja, mereça preocupação, tendo em conta o valioso patrimônio ambiental da Amazônia, a cifra parece desproporcional ao barulho que se vem fazendo em relação ao tema.
Além disso, ninguém pode afirmar com 100% de certeza se os atuais 1,1 milhão de hectares de soja plantados na Amazônia invadiram áreas proibidas. Os agricultores dizem que a maioria dos cultivos está de acordo com a lei, que permite a exploração de 20% da área de cada propriedade localizada dentro da floresta. Os produtores também argumentam que a soja só ocupa áreas previamente degradadas por madeireiros. Trata-se de uma discussão quase sempre obscurantista, na qual a razão perde para a emoção. O resultado é a proliferação de conflitos e da atividade clandestina, e portanto não fiscalizada, em algumas regiões do país (veja quadro ao lado).
Em outros grandes temas na pauta dos ambientalistas no Brasil, a discussão também é contaminada por um grau elevado de irracionalidade. Tome-se como exemplo o caso dos protestos contra a indústria de papel e celulose, cujas imensas áreas plantadas de eucalipto e pínus para obter matéria-prima são classificadas de “desertos verdes” por algumas ONGs. “Essa acusação está longe de ser um consenso dentro do movimento ambiental”, afirma o biólogo Roberto Waack, diretor no Brasil do Forest Stewardship Council (FSC), organização internacional voltada para a certificação do manejo florestal responsável. A entidade concede às áreas plantadas pela indústria um selo de qualidade sempre que elas se adequam aos mais rigorosos padrões ambientais. Entre as florestas da indústria de papel e celulose do Brasil, 30% delas possuem essa espécie de IS0 9000 verde, um número considerado alto pelos especialistas.
Não é o suficiente, contudo, para fazer cessar as críticas e as ações de algumas ONGs. O alvo predileto é a empresa capixaba Aracruz, líder mundial na produção de celulose. Desde 1998, as propriedades da empresa já sofreram 20 invasões. Um dos episódios mais violentos ocorreu no início deste ano, quando um grupo de mulheres ligado ao MST destruiu o laboratório da companhia, no Rio Grande do Sul, provocando prejuízo de 20 milhões de dólares. Os casos de vandalismo continuam. Em setembro, com apoio de várias ONGs, tribos indígenas tomaram áreas de florestas da empresa na cidade de Aracruz, no Espírito Santo, onde fica a sede da companhia, e queimaram 170 hectares de eucaliptos. “Algumas ONGs são contra o agronegócio”, afirma Carlos Alberto Roxo, diretor de meio ambiente da Aracruz.
As ONGs surgiram no mundo em meados dos anos 40 e, durante muito tempo, estavam mais associadas a trabalhos de filantropia. Nas décadas mais recentes, essas organizações se multiplicaram e ganharam popularidade levantando bandeiras ambientalistas, como a defesa das baleias e a oposição à construção de usinas nucleares. A queda do Muro de Berlim, em 1989, foi um marco na história das ONGs. A derrocada dos regimes socialistas deixou uma lacuna ideológica que, aos poucos, foi sendo preenchida pelas organizações não-governamentais. “As crises e as contradições do capitalismo alimentam as ONGs de hoje”, afirma Jude Fernando, professor do departamento de desenvolvimento internacional da Clark University, em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Nada exemplifica melhor o fenômeno de ideologização das ONGs do que o Fórum Social Mundial, cuja primeira edição ocorreu no Brasil, em 2001. O evento atraiu 20 000 pessoas, representando sindicalistas, feministas, índios e uma enxurrada de organizações não-governamentais. Uma das estrelas do encontro foi o polêmico ativista francês José Bové, militante antitransgênicos, antiagronegócio e pró-subsídios agrícolas europeus. Até hoje, as edições do fórum servem de palco para os manifestantes bradarem palavras de ordem contra o agronegócio, a sociedade de consumo, a globalização e as grandes empresas. “As ONGs acreditam que o capitalismo aumenta a divisão entre os ricos e os pobres”, afirma Alnoor Ebrahim, professor da faculdade de economia da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. No lugar do sistema econômico atual, as entidades falam em implantar um “capitalismo mais humano”, uma idéia um tanto quanto vaga, que mistura conceitos como “fraternidade” e “solidariedade”, mas sem o racionalismo econômico de Karl Marx e sem a idéia do controle dos meios de produção por parte do Estado.
Curiosamente, as ONGs beneficiam-se muito de algumas das estruturas que tanto criticam. É o caso da globalização. Graças a esse fenômeno, as entidades do Terceiro Setor multiplicaram seu poder e ganharam alcance mundial. Muitas organizações atuam hoje como verdadeiras multinacionais movidas por causas. A ambientalista WWF, por exemplo, está presente em quase 100 países e tem orçamento anual de 500 milhões de dólares. “As ONGs substituem os velhos revolucionários e são mais eficazes, porque deixaram de lado os coquetéis molotov para usar terno e gravata”, diz Avner Offer, professor de história econômica da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Nessa briga, a internet surge como uma poderosa aliada das ONGs, seja na hora de captar recursos, seja para divulgar as últimas operações. O capítulo divulgação contém outra ironia — as ONGs são tão ou mais obcecadas que as empresas no sucesso de seu departamento de marketing. Afinal, tanto quanto as companhias, elas precisam atrair a atenção — e o bolso — de milhões de simpatizantes (investidores) ao redor do planeta. “As ONGs adoram desancar as empresas, mas na verdade elas têm muitos pontos em comum”, diz Offer.
A força dos ativistas decorre de outro fenômeno recente do capitalismo — o poder inédito detido pelos consumidores nos principais países do mundo. Cada vez mais, quem está na ponta do consumo determina como agem as empresas em toda a extensão da cadeia produtiva. Acuadas pelas forças dos ativistas (ou “chantagistas verdes”, como foram batizados por seus críticos), muitas multinacionais acabam cedendo a seus apelos. “As empresas morrem de medo de sofrer boicotes”, diz Edouard Bustin, professor de ciência política da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Cientes de como funciona o mercado nas economias modernas, muitas ONGs preferem concentrar suas ações em empresas que dependem diretamente do consumidor. Foi o que fizeram no caso referente à soja produzida no Brasil — as ONGs foram diretamente ao McDonalds na Europa para tentar induzir a rede a cortar as compras no mercado brasileiro. A Starbucks, maior rede de cafeterias do mundo, famosa por seu viés social, é também um alvo recente dos movimentos da chamada sociedade civil. Com faturamento anual de mais de 6 bilhões de dólares e enorme visibilidade, a Starbucks vem sofrendo pressões por parte de uma ONG californiana, a Global Exchange. Durante um período, seus ativistas praticamente acamparam na porta da empresa, em Seattle. A moeda de troca para deixarem o local e não expor de forma negativa a marca: a Starbucks teria de adquirir matéria-prima de pequenos agricultores da Colômbia, da Tanzânia e da Etiópia, entre outras localidades. Feito.
Detalhe: quem define o preço do café que a rede compra é a ONG — em geral, a cotação fica acima da média mundial. O discurso da Global Exchange é que se trata de um valor mínimo para garantir uma vida digna aos produtores desses países, embora ninguém saiba ao certo como isso foi calculado. Não satisfeita em levar à frente sua pretensão de revogar as leis de mercado (seu slogan é “Comércio justo no lugar de comércio livre”), a Global Exchange continua atazanando a Starbucks. Alega que o volume de café comprado pela empresa ainda é muito baixo. Ela quer agora que a multinacional transforme os produtores da Colômbia, da Tanzânia e da Etiópia — independentemente da qualidade do produto, dos serviços prestados e do preço praticado — em seus principais fornecedores. Quando a direção da Starbucks argumenta que eles são incapazes de produzir o volume necessário, a ONG ameaça realizar novas manifestações na porta da empresa.
Para o bem ou para o mal, as companhias são obrigadas a conviver com as forças do Terceiro Setor, e esse é um caminho sem volta. Em muitos casos, é importante registrar, graças às pressões dos ambientalistas várias companhias realizaram mudanças importantes em seus processos industriais. No ramo de papel e celulose nacional, até a década de 80, por exemplo, as indústrias do setor vomitavam um dejeto negro altamente poluente nos rios, como substrato de sua produção. É também por força do trabalho dos ambientalistas que a indústria de automóveis esforça-se hoje para lançar carros menos poluentes, e que muitas multinacionais passaram a banir fornecedores que usam trabalho infantil ou que desrespeitam o meio ambiente. Nesse aspecto, o marco mundial de transformação foi um caso ocorrido com a Nike, gigante americana de materiais esportivos, no final dos anos 90. Após denúncia de que a companhia utilizava fornecedores na Ásia que violavam leis trabalhistas, o preço das ações da Nike despencou, a empresa foi processada e, em 2003, fez um acordo e pagou 1,5 milhão de dólares para a Fair Labor Association, um grupo de monitoramento de condições de trabalho. Desde então, a empresa mudou completamente suas práticas, adotando um comportamento tido como exemplar nessa área.
Setores muito visados, como o petrolífero, também vêm demonstrando preocupações inéditas graças às pressões das ONGs. Um exemplo nessa questão é a Exxon Mobil, responsável pelo trágico episódio do derramamento de 42 milhões de litros de óleo no mar do Alasca, em 1989. Desde então, a empresa vem tentando se livrar do estigma de destruidora do meio ambiente. Um de seus projetos, que englobou em 2003 a inauguração de um campo de petróleo no Chade e a de um oleoduto de 1 050 quilômetros até a costa de Camarões, é considerado um dos mais rigorosos feitos até hoje em termos de minimização de impacto ambiental. Entre outras medidas, a Exxon contratou uma historiadora para ouvir os anseios das comunidades envolvidas. Como resultado, o projeto foi revisado diversas vezes e a rota do oleoduto deixou de passar por algumas áreas de caça e de preservação ambiental.
“O único caminho possível é o diálogo”, afirma Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). No momento, Jank presta consultoria para a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), sobre como solucionar os conflitos atuais entre ambientalistas e sojicultores na Amazônia. Alguns avanços importantes já ocorreram. Em julho, os processadores e exportadores de soja resolveram decretar uma moratória inédita. Num período de dois anos, os empresários comprometem-se a não comprar sequer um grão de soja de novas áreas devastadas na floresta. Paralelamente, iniciou-se uma grande rodada de negociações entre representantes das ONGs, do agronegócio e dos governos dos principais países produtores para criar um selo de certificação ambiental para a soja plantada na Amazônia e em outras regiões do mundo. São episódios como esse que deixam aberta uma fresta de esperança de que ainda é possível encontrar um meio-termo entre o progresso e a preservação do meio ambiente.