HISTÓRIA DO CAFÉ – O tempo que ainda não recuperamos

Por: 08/03/2009 06:03:35 - A Tribuna - Baixada Santista


RAFAEL MOTTA


Os vereadores de Santos começaram março de 1969 alvoroçados: deixariam de
receber salários a partir daquele mês. A razão foi o Ato Institucional número 7
(AI-7), do então presidente da República, marechalArthur da Costa e Silva.


O documento fixava em 300mil o número de habitantes queum município
deveria ter, conforme contagem populacionalde julho de 1965, para que
seuslegisladores fossem remunerados. Naquela época, a Cidadetinha 289.044
moradores.


A preocupação motivou atransferência das sessões para operíodo noturno, a fim
de queos vereadores pudessem exercer suas profissões de origem ouprocurar
emprego durante odia. E, ao menos aparentemente, desviou a Câmara e os círculos
políticos santistas do queestava por vir.


Em 13 de março, o Conselhode Segurança Nacional (CSN)reuniu-se, no Rio de
Janeiro,paraanalisar processos de cassação de políticos contrários aoregime. A
lista, com 96 nomes,foi divulgada à noite, no programa de rádio AVoz do
Brasil.


O 71o deles era o de Esmeraldo Soares Tarqüínio de CamposFilho, deputado
estadual peloMDB ­ sigla de oposição à Arena, ligada ao regime militar
imposto cinco anos antes ­ e que,em novembro de 1968, haviasido eleito
prefeito de Santos.Todos tiveram seus mandatoscassados e direitos políticos
suspensos por uma década.


O episódio se somou aos acontecimentos iniciados em 31 demarço de 1964,
quando o Exército tomou o poder, em reação à”ameaça comunista” à democracia, e
depôs o então presidenteda República, João Goulart.


Em 1967, porém, o novo regime reduziu os partidos políticosa dois. E, de 1968
em diante,decidiu silenciar os opositores.


Na próxima sexta-feira, serãocompletados os 40 anos do atodo CSN, que
desencadeou a renúncia do vice-prefeito eleito,Oswaldo Justo, 15 anos de
proibição do voto direto para a Prefeitura de Santos e prejuízos,até hoje
perceptíveis, nos aspectos econômico, cultural e socialda Cidade.


EXPERIÊNCIA ANTERIOR


Maior proporção de sindicatosdo Brasil, segunda colocação noPaís em
saneamento básico,maior rede bancária do Estadoapós a da Capital e sexta
posiçãono País, 21 unidades habitacionais construídas por dia.


A Santos do fim dos anos1960 já era uma “metrópole regional”, conforme
relatou o jornalista Olao Rodrigues (que trabalhou por 46 anos em A Tribuna) na
edição de 1969 do Almanaque de Santos.


A despeito da queda nas exportações de café, base da economia local
por décadas, a Cidade mostrava vigor. Na verdade, ainda serecuperava de um
período semautonomia política: de 1937 a1953, não houve eleição direta para
prefeitos, e vereadores que desagradavam ao Governo Federaltinhamos mandatos
retirados.


Duas semanas após a notíciada cassação de Tarqüínio, ATribuna recordou esse
período anterior, em editorial. “Afalta de autonomia política, emtermos
administrativos, foi ruinosa para Santos. A descontinuidade dos programas, a
interinidade, o empirismo governamental deram à Cidade estagnação e horizontes
estreitos”.


E o mesmo se deu nos 15anos seguintes ­ “uma épocade decadência muito
grande”,como constata o jornalista Clóvis Galvão, que em 1969 exercia a
subsecretaria de Redaçãode A Tribuna e, hoje, é editorde Opinião do jornal.


O ex-deputado federal oposicionista Gastone Righi, cassadologo que o
presidente Costa eSilva editou o AI-5, em dezembro de 1968, detalha a derrocada.
“A transformação do Paísem uma ditadura criou uma situação de dirigismo, em que
seabandonaram suas vocações naturais. As empresas multinacionais passaram a dar
atenção sóaos grandes centros”.


E Santos, berço do sindicalismo e de movimentos populares,era malvista pelo
regime. Righiobservou que, sem autonomia etransformada pelos militaresem área de
segurança nacional,a Cidade “perdeu o posto decabeça da região: empresas
dedespachos aduaneiros e queatuavam no porto transferiramsuas sedes para São
Paulo, paranão sofrerem represálias”.


INTERNAMENTE


Com Santos relegada a segundoplano e sem eleições para a Prefeitura, o
Governo nomeou chefes para o Executivo. As temidasconsequências negativas
começaram a aparecer.


O primeiro interventor foi ogeneral-de-divisão Clóvis Bandeira Brasil, já na
reserva. Acerimônia de posse foi encarada como sinal de descompromisso com o
Município: ocorreu no Rio de Janeiro, onde omilitar recebeu o cargo do ministro
da Justiça, Gama e Silva.


Brasil foi declarado prefeitoem setembro, quando Santos setornouárea de
interesse da segurança nacional. Para a Secretaria de Turismo, uma das
baseseconômicas locais, nomeou umfilho, Alcides ­ cujas ideias
maisconhecidas foram as de exporuma baleia no Aquário Municipal e cobrir os
jardins da orlacom grama sintética.


Politicamente, não havia como reclamar. Entre 8 de maiode 1969 e 8 de julho
de 1970, aCâmara Municipal foi fechada.


Nas gestões seguintes, até1984, houve obras pontuais deinfraestrutura,
urbanismo etrânsito, em meio ao crescenteendividamento da Prefeitura ea
deterioração de serviços públicos, como o transporte coletivo.


SEM SABER PENSAR


Outra consequência da cassação da autonomia e, em âmbitonacional, da censura
aos meiosde comunicação e às artes foi “adominação do pensamento superficial até
hoje”, como ressalta o jornalista Lane Valiengo.


Enquanto repórter de A Tribuna, nas décadas de 1970 e1980, Valiengo
acompanhouperspectivas, promessas e tentativas de frustração do retornoda
autonomia política de Santos. Paralelamente, “perdemosrepresentatividade
intelectual.Todas as áreas que tinham alguma criatividade acabaram se
esvaziando”, segundo o jornalista.


Resultado: “Houve uma briga pela reconquista da autonomia. Mas, quando foi
devolvida,ficamos sem saber o que fazer.Foi um golpe tão forte que ainda não nos
recuperamos”.


RACISMO?


Tanto quanto por sua posturaoposicionista, Tarqüínio foi cassado por
discriminação racial,sustentam observadores e agentes da política local na
ocasião.


“Num clube refinado, Esmeraldo disse vivermos um regimede falta de liberdade.
Um coronel retrucou, dizendo haver tanta liberdade que um negro foieleito para a
Prefeitura”, contaClóvis Galvão.


Como, então, Tarqüínio chegara a tanto? Para Gastone Righi, porque “superava
o preconceito por sua afirmação de vida,sem usá-lo como desculpa”.


 


Fonte: http://atribunadigital.globo.com/bn_conteudo.asp?cod=401410&opr=103
 

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