Governo retoma política de estoques de café

Por: Valor Econômico

Mônica Scaramuzzo 

17/08/2009 – O governo deu início, discretamente, a um plano para retirar do mercado interno 10 milhões de sacas de café nesta safra 2009/10. Isso significa enxugar cerca de 25% da produção nacional no atual ciclo, que será de menor produtividade. O Ministério da Agricultura aguarda o aval da Fazenda para dar prosseguimento ao programa, que começou em julho, com a retirada de 3 milhões de sacas, apurou o Valor.


A medida, segundo fontes do governo, é uma tentativa de elevar os preços do café no mercado, uma vez que os produtores argumentam que estão vendendo o grão abaixo dos custos de produção, estimados em cerca de R$ 300 a saca. Na sexta-feira, os cafés de boa qualidade estavam cotados entre R$ 270 e R$ 275, segundo o Escritório Carvalhaes. Na bolsa de Nova York, os contratos para dezembro encerraram a US$ 1,3235 a libra-peso, com recuo de 370 pontos. Nos últimos 12 meses, o grão acumula queda de 5%.


O movimento para enxugar a oferta começou em julho, quando o governo realizou quatro leilões de contratos de opções para retirar 3 milhões de sacas do mercado. O preço da saca estipulado nos leilões ficou em R$ 303,50 para entrega em novembro. Ou seja, caso os preços do café estejam inferiores ao valor definido nos leilões na data de vencimento do contrato e entrega do grão, o governo fica com o produto. Se for superior a isso, o cafeicultor terá a opção de vender o produto no mercado.


Manoel Bertone, diretor de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura, afirmou ao Valor que os contratos de opção são uma espécie de seguro ao cafeicultor.


Para enxugar os outros 7 milhões de sacas, o governo deverá realizar leilões de AGF (Aquisição do Governo Federal) e também converter parte da dívida dos cafeicultores em produto. Na semana passada, o governo já converteu R$ 1,1 bilhão em dívidas em café (cerca de 4,2 milhões de sacas). O valor estipulado no programa de AGF será de R$ 261,69 por saca, que é preço mínimo definido pelo governo. Fontes do setor afirmam que o governo deverá gastar cerca de R$ 1 bilhão nesses programas de ajuda à cadeia produtiva.


A intenção de recriar um grande estoque de café ocorre meses depois de o governo ter praticamente zerado suas reservas. Na safra 2008/09, encerrada em junho, os estoques oficiais tinham atingido seu mais baixo patamar da história, com cerca de 600 mil sacas. No início dos anos 90, quando o Instituto Brasileiro do Café (IBC), órgão que regulava o setor foi extinto, o governo tinha estoque de 18 milhões de sacas.


Esta não é a primeira vez que o governo intervém no mercado para forçar a alta dos preços do grão. Principal produto da balança comercial brasileira até a metade do século passado, o governo queimou literalmente entre 1931 e 1944 cerca de 78 milhões de sacas de café – o equivalente na época a três anos de consumo global do grão – para estimular a valorização dos preços, segundo informações do Museu do Café, de Santos (SP), com base no livro “História do Café”, de Ana Luíza Martins.


A última intervenção de impacto do governo foi em 2000, quando foi criado o plano de retenção do café, liderado pelo Brasil. O governo tinha a intenção de reduzir os estoques mundiais do grão, inibindo as exportações. No entanto, somente o Brasil aderiu ao plano, o que estimulou o aumento de participação de países concorrentes neste mercado, como o Vietnã, que se tornou o segundo maior produtor mundial de café.


Representantes das indústrias torrefadoras e dos exportadores de café não acreditam que essa medida seja eficaz para a cafeicultura. “O setor exportador vê essa medida com preocupação, uma vez que a safra deste ano será a de menor produtividade, o que poderá impactar nas exportações”, disse Guilherme Braga, diretor do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Na safra 2008/09, o Brasil teve exportação recorde de 31,4 milhões de sacas.


Nathan Herszkowicz, diretor da Abic (Associação Brasileira da Indústria do Café), lembra que as indústrias e os exportadores são excluídos das discussões de apoio ao setor. “O agronegócio do café é como um corpo. Tem que se pensar na cadeia como um todo.”


A Abic afirma que o governo deveria realizar um estudo de ajuste do volume da produção brasileira, estabelecer metas e parâmetros para produção, preços, qualidade e produtividade do grão, além de mais isonomia na distribuição dos recursos do Funcafé (Fundo de Defesa da Economia Cafeeira) para todos os agentes do setor.


“A cadeia produtiva hoje é o elo mais fraco”, argumenta Lucas Ferreira, diretor de café do ministério.

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