Pesquisa da Universidade Federal de Lavras (UFLA) revelou que um subproduto muitas vezes descartado pode ser usado de forma medicinal
Por G1
Mais do que uma dose de sabor e energia diária, o café é símbolo da cultura, paixão nacional e, agora, uma fonte de benefícios medicinais. Isso porque uma pesquisa da Universidade Federal de Lavras (UFLA) tem revolucionado a forma como vemos o produto, destacando o potencial das folhas para tratar uma das doenças neurodegenerativas mais desafiadoras – o mal de Parkinson.
A pesquisa comprovou que o composto Levodopa (ou L-DOPA) ocorre naturalmente nas folhas de café. O fármaco é usado no tratamento da doença que afeta o sistema nervoso. Além deste, outros compostos também foram observados nas folhagens.
Bem além da xícara, podemos estimar que o ingrediente possui substâncias com potenciais medicinais. E, à medida que a pesquisa avança, surge a esperança de que ela beneficie inúmeras pessoas, oferecendo tratamentos mais acessíveis e naturais.
A pesquisa analisou os “caminhos” metabólicos das folhas de duas espécies de café: Coffea arabica e Coffea canephora. Em ambas, foram identificadas enzimas importantes, como a Polifenoloxidase (PPO) e a DOPA descarboxilase (DDC), que produzem L-DOPA.
Foram usadas técnicas de sequenciamento genético para desenvolver um modelo de todas as peças (genes) necessárias para o funcionamento adequado da folha de café. Os pesquisadores explicam que algumas peças são evidentes, enquanto outras são consideradas “secretas”.
Entenda como as folhas de café poderão auxiliar no tratamento do mal de Parkinson — Foto: Arquivo pessoal
O foco do estudo foi justamente nas peças desconhecidas, levando à identificação do L-DOPA nas folhas de café.
“Nosso trabalho foi focar em peças que ninguém tinha suspeitado que existissem em folhas de café. Ao final, foi produzida uma lista com diversos componentes até então desconhecidos que as análises de sequenciamento genético nos indicaram. Entre eles, estava o L-DOPA, no qual focamos”, explicam.
O trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Café (INCT do Café).
Os trabalhos científicos desempenham um papel crucial no avanço do conhecimento, porém, muitas vezes requerem tempo para se traduzirem em benefícios tangíveis para a sociedade.
Em um primeiro momento, quem se beneficiará da pesquisa serão aqueles que tomarem a iniciativa de transformar as descobertas em produtos ou serviços, explica o principal pesquisador do estudo e egresso do Programa de Pós-Graduação em Fisiologia Vegetal, Dr. Thales Henrique Cherubino Ribeiro.
Ele também adianta que ainda estamos distantes do momento em que as folhas de café podem ser transformadas em um tratamento prático para o mal de Parkinson, porém, a descoberta já é o primeiro passo em busca das potencialidades do fruto.
“Esse tipo de pesquisa é conhecido como pesquisa básica, realizada principalmente pelas universidades para desvendar descobertas científicas fundamentais. O próximo passo é descobrir a melhor maneira de extrair esse composto de forma economicamente viável. Esse estágio da pesquisa é chamado pesquisa aplicada e, geralmente, é conduzido por empresas focadas em desenvolver produtos para disponibilizar à população”, explicou ao g1.
Entenda como as folhas de café poderão auxiliar no tratamento do mal de Parkinson — Foto: Arquivo pessoal
Ainda conforme o pesquisador, uma das maneiras mais eficazes de se estimar as aplicações medicinais da matéria-prima é observar as populações tradicionais em regiões onde o café ocorre naturalmente.
“Por exemplo, na Etiópia, as folhas de café são utilizadas no tratamento de náuseas, enquanto no Iêmen são empregadas no alívio da tosse. Diversas culturas em todo o mundo utilizam as folhas de café para tratar uma variedade de dores, incluindo enxaquecas, dores musculares e abdominais”.
“Em regiões onde o cultivo tradicional do café é uma prática comum, as comunidades locais têm o hábito de preparar e consumir o chá feito a partir das folhas dessa planta. Portanto, enfatizamos a recomendação do chá de folhas de café como uma fonte inestimável de nutrientes, desde que medidas fitossanitárias adequadas tenham sido tomadas para garantir que as folhas estejam livres de eventuais agrotóxicos”, afirma o pesquisador.
Mesmo que ainda não seja possível provar dos benefícios das folhas do café, a descoberta representa um ponto de partida para expandir o entendimento sobre o potencial farmacológico e nutracêutico da matéria-prima.
Por isso, com estudos aprimorados, deverá ser possível ter uma compreensão mais profunda de todas as potenciais aplicações das folhagens na medicina.
“Esperamos que essa pesquisa abra caminho para a utilização dessas folhas com importantes usos medicinais. Dessa forma, muitos brasileiros que dependem do cultivo do café podem ser beneficiados pela colheita não só dos frutos, mas também das folhas dessa valiosa espécie agronômica”, afirma pesquisador Thales Henrique.
Entenda como as folhas de café poderão auxiliar no tratamento do mal de Parkinson — Foto: Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Conforme os cientistas desvendam as propriedades medicinais do café, o futuro pode trazer uma nova esperança para aqueles que enfrentam desafios significativos.
“O desafio principal agora é identificar as melhores estratégias para a extração desses compostos. Essa jornada promissora pode eventualmente levar a benefícios significativos para os apreciadores de café, na forma de novos produtos derivados dessa planta incrivelmente versátil. […] Avaliar e testar diferentes abordagens de manejo em diversas condições será essencial para o desenvolvimento dos potenciais usos das folhas de café na medicina”, completa.
O café, amado e apreciado por milhões de brasileiros, agora revela seu lado medicinal, proporcionando um presente valioso para os amantes da bebida e para a saúde de muitos.