Marcelo de Paiva Abreu*
O comportamento da taxa de câmbio no Brasil está estimulando propostas de intervenção no mercado cambial que, caso adotadas, teriam conseqüências nefastas para o País. A apreciação cambial pressiona os lucros de exportadores cujos preços são denominados em moeda estrangeira e cujos custos de produção são em reais. A apreciação cambial também pressiona os lucros de produtores ineficientes, que abastecem o mercado doméstico ao abrigo de tarifas de importação. Os exportadores de commodities foram compensados pelo aumento dos preços mundiais, mas não houve compensação para firmas que vendem no mercado interno.
Para alguns analistas, promover a depreciação cambial deveria ocupar lugar central na política econômica, embora não haja evidência de mudança importante na composição das exportações brasileiras que configure “doença holandesa”. Ou seja, impacto desfavorável sobre o resto da economia do surto temporário de exportação de commodities específicas, como o que caracterizou a Holanda com a descoberta de gás nos anos 1960. Alguns dos defensores da desvalorização defendem taxas de juros menores, com conseqüente retração das entradas de capitais e depreciação cambial. Até agora, no entanto, têm prevalecido a duras penas os que pensam que política monetária deve ter como foco a inflação. Mas há outras propostas que defendem a desvalorização cambial utilizando outros instrumentos.
Com base no comportamento de preços de commodities, têm sido circuladas propostas de taxação seletiva das exportações para promover a desvalorização, pois “parte dos recursos (em moeda estrangeira) ficariam com o governo e não pressionariam o mercado cambial”. Será mesmo? Seria necessário conhecer a proposta completa para saber quais seriam suas implicações. Estaria sendo proposta a criação de fundo em divisas sob controle público? Qual seria a destinação dos recursos? Dado o comportamento cíclico dos preços de commodities, a proposta envolveria subsidiar as perdas dos exportadores de commodities em tempos de vacas magras? Por que o Estado equacionará melhor do que os agentes privados a flutuação de suas receitas no longo prazo?
Com base em diagnóstico equivocado de “doença holandesa”, as propostas parecem ser mera recorrência de conhecida “doença brasileira” quanto ao processo de formulação de políticas públicas: ou inventar algo que não funcionou em nenhum outro lugar, ou copiar a experiência internacional equivocada, ou copiar o exemplo certo com implementação deficiente. No México pré-Fox, a escolha discricionária do candidato presidencial do PRI, que seria necessariamente presidente da República, era feita pelo processo do dedazo. Embora o dedazo presidencial no Brasil tenha sido freqüente, tanto no período pré-1930 quanto na ditadura militar, a tradição é ainda mais arraigada na condução de políticas públicas baseadas na escolha discricionária de futuros vencedores. Infelizmente, na maior parte dos casos, os pretensos vencedores resultam ser perdedores, pois não decolam ante seus competidores. Há farta evidência sobre a inépcia do Estado na escolha de seus alvos prioritários, especialmente a partir dos anos 70. A isso se soma, na tradição rentista brasileira, a assimetria entre a facilidade na concessão de vantagens e a lentidão na retirada de benefícios.
As propostas de taxação de exportações significariam a volta de critérios discricionários em relação ao regime cambial, que alcançaram o auge em meados da década de 1950, com sete taxas cambiais de importação e quatro de exportação. Uma das conquistas importantes na condução da política econômica desde então foi a lenta convergência para uma taxa de câmbio única e a redução do espaço do governo para o jogo discricionário no mercado cambial.
Citam-se precedentes históricos e experiências de outros países para justificar a taxação de exportações: o Brasil, no passado; a Noruega, hoje. Ambos são questionáveis. No Brasil da Primeira República, adotou-se taxação de exportações. Mas a situação nada tinha que ver com a atual. No caso de exportações não-tradicionais, era simplesmente um tiro no pé, pois reduzia a sua competitividade. No caso do café, era racionalizada pelo fato de o produto corresponder a 70% das exportações brasileiras e de o Brasil abastecer 70% do mercado mundial. O imposto de exportação era, portanto, transmitido ao preço mundial do café. Tal política, somada à valorização do café, teve o custo de, no longo prazo, estimular a entrada de concorrentes menos eficientes, como Colômbia e América Central.
Na Noruega há, de fato, legislação que taxa as exportações de petróleo. Mas não é um bom exemplo para o Brasil: petróleo e correlatos respondem por 67% das exportações totais norueguesas e a Statoil, empresa estatal, responde por cerca de 80% do petróleo comercializado. O mesmo se aplica ao cobre chileno: alta porcentagem nas exportações totais e grande importância da produção da empresa estatal. No Brasil, as exportações que sofreriam a derrama proposta são produzidas pelo setor privado: produtos agrícolas, especialmente soja, minério de ferro e celulose, entre outras.
Talvez a maior distorção provocada pela adoção de imposto de exportação seletivo seja desestimular os investimentos nos setores mais competitivos da economia. Que tal deixar em paz o que está dando certo? A energia deveria concentrar-se em superar a “doença brasileira” e definir políticas que sustentem as histórias de sucesso na agricultura, na exploração florestal, na mineração e nos segmentos industriais competitivos. Na indústria ineficiente, em vez de medidas paliativas, é necessário concentrar esforços sérios na capacitação tecnológica para que tenha condições de enfrentar a competição dos concorrentes.
*Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em economia pela Universidade de Cambridge, é professor-titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
Fonte: http://txt.estado.com.br/editorias/2007/02/26/eco-1.93.4.20070226.2.1.xml?certa