O consumo da bebida instantânea é maior que o de torrado e moído nos países produtores de café
15/03/2013
Por Carine Ferreira | De São Paulo
O contínuo crescimento do consumo global de café, sobretudo solúvel e em países emergentes, tem provocado mudanças importantes no comércio do produto. De olho nesses mercados em expansão, países produtores com tradição na exportação inclusive de arábica, de melhor qualidade, vem ampliando as importações de café robusta, menos valorizado e matéria-prima básica da bebida instantânea. A estratégia serve tanto para que esses países continuem a atender suas demandas domésticas, preservando os embarques da variedade mais cara para países ricos, quanto para ampliar as exportações de solúvel.
Pesquisa divulgada nesta semana pela Organização Internacional do Café (OIC) mostra que os embarques da bebida instantânea pelos países produtores crescem a uma taxa de 7,5% ao ano desde 2000. Estas exportações passaram de 4,7 milhões de sacas, no início da década passada, para 10,5 milhões em 2011, puxados por Brasil Índia, Colômbia e Equador. A pesquisa indica que, nesse contexto, muitos países exportadores têm incentivado a criação de unidades de processamento de solúvel, a maioria em parceria com as poucas multinacionais que dominam esse mercado.
O movimento tornou-se possível porque o comércio de café em grão verde e industrializado entre países exportadores aumentou quase 12 vezes de 2000 para 2012 – de 861,8 mil para 10,174 milhões de sacas, conforme a OIC. Se consideradas também as tradicionais reexportações de países importadores que compram a matéria-prima e vendem produtos de maior valor agregado para nações produtoras, o volume aumenta para 11,374 milhões de sacas em 2012, ou 10% das exportações globais e totais de café no ano (113,1 milhões de sacas, 41% de robusta).
Somente Vietnã e Indonésia, grandes produtores de robusta, embarcaram para outras nações exportadoras 3 milhões e 3,6 milhões de sacas em 2012, respectivamente. Esses países são, de longe, os maiores exportadores nesta frente. A terceira posição nesse ranking ficou com o Brasil, mas com menos de 1 milhão de sacas embarcadas em 2012, de acordo com estatísticas da OIC.
Entre os destinos dos embarques de exportadores para exportadores em 2012, 3,1 milhões de sacas não tiveram seus destinos identificados em razão da falta de estatísticas confiáveis. Outras 3,1 milhões de sacas desembarcaram nas Filipinas, enquanto 1,1 milhão foram compradas pela Colômbia. O Brasil recebeu apenas 42,7 mil sacas, segundo a OIC, mas o número é contestado por Guilherme Braga, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), que estima entre 5 mil e 6 mil sacas.
Braga corrobora que a expansão das exportações globais de robusta no mundo tem ligação direta com a compra do produto por países produtores. Por isso, afirma que o crescimento desse mercado não envolve apenas a substituição do arábica nos “blends” de café torrado e moído, mas o suprimento da demanda pela bebida instantânea. Além do preço mais baixo, o crescimento do consumo de solúvel ocorre em muitos países consumidores de chá. De acordo com Carlos Brando, sócio-diretor da P&A Marketing Internacional, o instantâneo é a migração mais “direta” do chá para o café.
“Mesmo entre países produtores, o consumo é sobretudo de solúvel”, afirma Brando. Entretanto, diz ele, não se vê uma tendência de aumento significativo do consumo de solúvel em países consumidores tradicionais. O que acontece nesses mercados é o aumento do uso de robusta nos “blends” com o arábica para o torrado e moído, observa Brando. A P&A estima que o crescimento do consumo de café nos países emergentes será de 3% a 4% nos próximos dois a três anos, impulsionado principalmente pelo solúvel, ante menos de 1% (entre 0,4% e 0,7%) em tradicionais consumidores como Estados Unidos, Europa e Japão.
Nesse tabuleiro em transformação, a Índia é um dos países que mais ampliam a produção e exportação de café solúvel. O país asiático exporta robusta de melhor qualidade e importa o grão do Vietnã e da Indonésia para fabricar a bebida instantânea, conforme Brando. No México, o solúvel representa 80% do volume consumido de café. Na América Central, tradicional em arábica, o consumo de solúvel é maior que o de torrado e moído, conforme a P&A. No Brasil, esse consumo é baixo, de 5% a 10% do total.
O Brasil, maior exportador de arábica do mundo, mas que também produz robusta, pode ficar de fora desse “novo mercado”, na avaliação de Guilherme Braga, pois exporta apenas cerca de 10% da produção da espécie menos valorizada, com forte demanda por parte da indústria local. Já Brando acredita que o Brasil poderá, sim, fazer frente ao crescimento do consumo mundial de café robusta. “O Brasil vai ter que virar exportador e terá de se alinhar aos preços internacionais”. Nos últimos dois anos, o robusta tem sido negociado no mercado interno por valores cerca de 20% superiores aos praticados na bolsa de Londres.
Por outro lado, os preços internos atrativos podem ser um impulso para a ampliação da produção no Brasil nos próximos anos. Para a safra 2013/14, a projeção média da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a colheita brasileira de robusta indica 12,3 milhões de sacas, ante 12,5 milhões do ciclo 2012/13.
Exportações estão menos concentradas
Por De São Paulo
Outra faceta da nova realidade do mercado de café é a tendência de “desconcentração” das exportações mundiais. Os números da Organização Internacional do Café (OIC) mostram que 22 países de um universo de 50, alguns deles pouco relevantes em volumes vendidos, ampliaram seus embarques entre 2011 e 2012.
Um dos reflexos das alterações dos embarques globais, analisando o intervalo de 2011 e 2012, é o recuo de 5,6% das exportações dos tradicionais cafés “suaves” da Colômbia, enquanto outras fontes destes grãos arábicas aumentaram as vendas em 5,3%. O grupo de cafés naturais brasileiros caiu 4,3% no período ante o aumento de 24,2% dos embarques de robusta.
“O padrão de consumo vai levar a mudanças no suprimento”, afirma Guilherme Braga, do Cecafé. Brasil e Vietnã, entretanto, continuam a liderar as vendas externas. Enquanto o Vietnã, maior produtor mundial de café robusta, ganhou participação no mercado no ano passado – as vendas passaram de 17,7 milhões de sacas, em 2011, para 25,5 milhões em 2012 -, os embarques brasileiros encolheram de 33,5 milhões de sacas para 28,3 milhões.
Para Braga, as novas tendências da cafeicultura mundial ainda não foram “absorvidas” pelos agentes de mercado. Ele lembra que a oferta de robusta cresceu e poderia ter puxado os preços para baixo, o que não aconteceu, enquanto a redução no volume de arábica disponível no mercado global por causa de problemas climáticos e doenças em países produtores não teve o reflexo esperado de alta. Ao contrário: as cotações do produto na bolsa de Nova York recuaram mais de 30% ao longo do ano passado. (CF)