Combustível do 14 Bis: o café




Foi com o dinheiro da herança da maior fazenda de café da América Latina que Santos Dumont custeou as invenções que fizeram o primeiro avião levantar vôo na Europa. Na fazenda de propriedade do seu pai, o brasileiro teve os seus primeiros contatos com o mundo das máquinas.








Divulgação
Em novembro de 1906, Santos Dumont fez a sua invenção, o 14 Bis, voar
Em novembro de 1906, Santos Dumont fez a sua invenção, o 14 Bis, voar

Leonardo Lênin


São Paulo – As aves de Paris já estavam se acostumando a dividir o espaço que antes era só delas com balões e dirigíveis, mas aquela Ave de Rapina já era demais. Os parisienses deveriam estar meio confusos naquele 12 de novembro de 1906. Talvez descrentes sobre o sucesso do vôo daquela Ave de 10 metros de comprimento, 12 de envergadura, com asas feitas de células como se fossem caixas, fixadas a uma trave de pinho, presas por cordas de piano e que sairia do chão com a propulsão de um motor de 24 HP. 


Frente àquela geringonça, a única coisa que lhe dava algum crédito era o criador da Ave. Um sujeito que tinha a aparência mirrada de um jóquei, magro e não alcançando 1,60 metro, mas que era uma das pessoas mais famosas e queridas da Europa naquele começo de século.


Era o brasileiro Alberto Santos Dumont, que naquele dia faria seu 14 Bis voar 220 metros durante 21,2 segundos. O aspecto da nova máquina do brasileiro dava a impressão que ela voaria para trás. Suas  asas eram na dianteira e o motor na extremidade posterior. A imprensa achou que parecia um pássaro com a cabeça de caixa e os jornais deram o apelido: Ave de Rapina.
 
O 14 Bis era o primeiro aeroplano a voar na Europa e também a primeira máquina mais pesada que o ar que voou no continente. Dumont tinha ficado famoso com seus balões pois foi ele que fez com que os balões pudessem ser controlados. Antes do brasileiro, os inflamáveis voavam conforme o vento, o que fazia com que os balonistas soubessem somente onde eles iriam decolar. Onde iriam pousar era sempre uma dúvida. Podia ser em cima de uma árvore, no telhado de algum palácio ou no quintal de alguma pessoa sem grande entusiasmo pela conquista do céu.


As experiências com máquinas mais pesadas que o ar eram uma novidade na Europa e mais ainda para Dumont: o 14 Bis era o seu primeiro projeto de aeroplano. Para que o brasileiro chegasse a ser um dos homens mais queridos da Europa, muito dinheiro teve que ser investido. E foi o dinheiro do café brasileiro que abasteceu seus balões e aviões.


O pai de Santos Dumont, Henrique Dumont, foi o engenheiro responsável, durante o reinado do imperador Dom Pedro II, por parte da malha ferroviária da estrada de ferro Central do Brasil que o imperador esticava do Rio de Janeiro a Minas Gerais. Uma função que deu muito prestígio para o patriarca da família e que, aliada à herança que sua mulher,  Francisca de Paula Santos, recebera do pai, o levou a ser conhecido como “o rei do café”.
 
Com o término das obras da ferrovia, Henrique comprou a Fazenda Arindeuva, que fica a 20 quilômetros da cidade de Rio Preto, interior paulista. O começo não foi fácil, mesmo adquirindo terras em uma das regiões mais propícia para a cultura do grão. O terreno teve que ser limpado e arado,  foram plantados 500 mil pés de café, (alguns biógrafos falam em 5 milhões) e foi montada toda a estrutura da fazenda, desde paióis para estocar e secar os grãos até moradias para os trabalhadores. Para se ter uma idéia do tamanho da propriedade, basta dizer que Henrique construiu uma estrada de ferro de 96 quilômetros para transportar a safra com pequenas locomotivas no interior da fazenda.


Máquina: para processar café


Foi com equipamentos para produção do café que começou a intimidade de Santos Dumont com as máquinas. Já com sete anos, ele dirigia as locomóveis, máquinas movidas a vapor que carregavam a colheita para a estrada de ferro principal. Com 12 anos, mostrava o poder da sua lábia que mais tarde seria usada para convencer os construtores de balões descrentes das suas idéias. Santos Dumont convenceu um maquinista a deixá-lo guiar uma das principais locomotivas do país na época, uma Baldwin, transportando um vagão cheio de café para a usina de beneficiamento.


É bem verdade que quando começou seus experimentos no céu, a família já não possuía mais a fazenda. Henrique sofrera uma concussão cerebral aos 60 anos ficando hemiplégico, o que fez a família vender a fazenda. Santos Dumont tinha então 18 anos. O dinheiro da herança do rei do café é que bancou a maior parte dos gastos do filho por toda a sua vida, já que poucas vezes tomava para si os prêmios que ganhava nas conquistas com seus balões. Dumont geralmente os doava aos pobres.


Em seu livro de memórias “Meus Balões”, Dumont desfaz a idéia sobre a precariedade das fazendas de café – a de seu pai chegou a ser a mais desenvolvida da América do Sul. Segundo ele, as máquinas envolvidas na produção da commodity eram o que estava mais próximo do universo que encontrava nas páginas de ficção de Julio Verne.


“Os europeus imaginam as plantações brasileiras como pitorescas colônias primitivas, perdidas na imensidade do sertão, não conhecendo melhor a carreta nem o carrinho de mão que a luz elétrica ou o telefone. Em verdade, há, em certas regiões recuadas no interior, colônias desta espécie, mas não eram fazendas de café de São Paulo. Dificilmente se conceberia meio mais sugestivo para a imaginação de uma criança que sonha com invenções mecânicas”, escreveu.


Também contou em seus relatos todo o processo “industrial” do café em seu tempo de criança e adolescência. Como os grãos eram limpados, secados, descascados e ensacados, além de toda a participação das máquinas, balanças, esteiras, pequenos elevadores no processo. Tudo era observado e o funcionamento registrado na cabeça do futuro aviador.


Como não fez nenhuma graduação superior que o ajudasse nas invenções – o que mais tarde lhe rendeu alguns ataques dos cientistas do vôo -, foi o ambiente das máquinas do café que lhe deu as bases de engenharia e mecânica que usou em seus inventos. Observar as máquinas da fazenda, que quebravam com freqüência, fez com que mais tarde ele optasse por usar motores rotativos para suas invenções, por exemplo.


“As peneiras móveis (usadas no processo de secagem dos grãos), com especialidade, arriscam-se a se avariar a cada momento. Sua velocidade bastante grande, seu balanço horizontal muito rápido consumiam uma quantidade enorme de energia motriz. Constantemente fazia-se necessário reparar as polias. E bem me recordo dos vãos esforços que empregávamos para remediar os defeitos mecânicos do sistema. Causava-me espécie que, entre todas as máquinas da usina, só essas desastradas peneiras móveis não fossem rotativas. Não eram rotativas, e eram defeituosas! Creio que foi este pequeno fato que, desde cedo, me pôs de prevenção contra todos os processos mecânicos de agitação, e me predispôs a favor do movimento rotatório, de mais fácil governo e mais prático”.


Paul Hoffman, historiador norte-americano que escreveu a biografia de Dumont “Asas da Loucura – a extraordinária vida de Santos-Dumont”, diz que essa preferência pelos motores rotativos o ajudou na construção das máquinas voadoras quando se tornou inventor.


Vôo com café


Adulto, Santos Dumont, conhecido por sua elegância e vaidade, levava sempre consigo uma garrafa térmica com café. Em 1897 fez seu  primeiro vôo em um balão como experiência para fazer suas observações e começar a investir na construção dos seus. O vôo era em um balão alugado. Ele fez questão de levar uma cesta com comida, já que não pensava em descer tão cedo do vôo pago. Na cesta fez questão de completar a refeição com o café brasileiro.


Nesta época, o principal café consumido na Europa era o tipo Santos. O nome vinha do Porto de Santos por onde o grão era exportado. Alguns historiadores, porém, apontam que esse nome vinha da marca do café produzido na fazenda de Henrique Dumont.


Em outubro de 1901, Dumont ganhou o prêmio Deutsch ao circundar a Torre Eiffel com seu balão dirigível, o Nº 6, que tinha formato de charuto. Foi o ápice de sua popularidade na Europa. Quando pousou, centenas de espectadores jogavam-lhes pétalas. Condessas e a mulher de John D. Rockefeller gritavam entusiasmadas.


Quando saiu da cesta do balão, Alberto Santos Dumont recebeu de um dos espectadores uma xícara quente de café para que brindasse o feito que provava que o homem podia controlar máquinas voadoras. Não seria demais arriscar que o café que tomou vinha da fazenda que o iniciou no mundo das máquinas.


Fonte: site Anba (Agência de Notícias Brasil- Árabe) www.anba.com.br

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Combustível do 14 Bis: o café

Por: Anba




Foi com o dinheiro da herança da maior fazenda de café da América Latina que Santos Dumont custeou as invenções que fizeram o primeiro avião levantar vôo na Europa. Na fazenda de propriedade do seu pai, o brasileiro teve os seus primeiros contatos com o mundo das máquinas.








Divulgação
Em novembro de 1906, Santos Dumont fez a sua invenção, o 14 Bis, voar
Em novembro de 1906, Santos Dumont fez a sua invenção, o 14 Bis, voar

Leonardo Lênin


São Paulo – As aves de Paris já estavam se acostumando a dividir o espaço que antes era só delas com balões e dirigíveis, mas aquela Ave de Rapina já era demais. Os parisienses deveriam estar meio confusos naquele 12 de novembro de 1906. Talvez descrentes sobre o sucesso do vôo daquela Ave de 10 metros de comprimento, 12 de envergadura, com asas feitas de células como se fossem caixas, fixadas a uma trave de pinho, presas por cordas de piano e que sairia do chão com a propulsão de um motor de 24 HP. 


Frente àquela geringonça, a única coisa que lhe dava algum crédito era o criador da Ave. Um sujeito que tinha a aparência mirrada de um jóquei, magro e não alcançando 1,60 metro, mas que era uma das pessoas mais famosas e queridas da Europa naquele começo de século.


Era o brasileiro Alberto Santos Dumont, que naquele dia faria seu 14 Bis voar 220 metros durante 21,2 segundos. O aspecto da nova máquina do brasileiro dava a impressão que ela voaria para trás. Suas  asas eram na dianteira e o motor na extremidade posterior. A imprensa achou que parecia um pássaro com a cabeça de caixa e os jornais deram o apelido: Ave de Rapina.
 
O 14 Bis era o primeiro aeroplano a voar na Europa e também a primeira máquina mais pesada que o ar que voou no continente. Dumont tinha ficado famoso com seus balões pois foi ele que fez com que os balões pudessem ser controlados. Antes do brasileiro, os inflamáveis voavam conforme o vento, o que fazia com que os balonistas soubessem somente onde eles iriam decolar. Onde iriam pousar era sempre uma dúvida. Podia ser em cima de uma árvore, no telhado de algum palácio ou no quintal de alguma pessoa sem grande entusiasmo pela conquista do céu.


As experiências com máquinas mais pesadas que o ar eram uma novidade na Europa e mais ainda para Dumont: o 14 Bis era o seu primeiro projeto de aeroplano. Para que o brasileiro chegasse a ser um dos homens mais queridos da Europa, muito dinheiro teve que ser investido. E foi o dinheiro do café brasileiro que abasteceu seus balões e aviões.


O pai de Santos Dumont, Henrique Dumont, foi o engenheiro responsável, durante o reinado do imperador Dom Pedro II, por parte da malha ferroviária da estrada de ferro Central do Brasil que o imperador esticava do Rio de Janeiro a Minas Gerais. Uma função que deu muito prestígio para o patriarca da família e que, aliada à herança que sua mulher,  Francisca de Paula Santos, recebera do pai, o levou a ser conhecido como “o rei do café”.
 
Com o término das obras da ferrovia, Henrique comprou a Fazenda Arindeuva, que fica a 20 quilômetros da cidade de Rio Preto, interior paulista. O começo não foi fácil, mesmo adquirindo terras em uma das regiões mais propícia para a cultura do grão. O terreno teve que ser limpado e arado,  foram plantados 500 mil pés de café, (alguns biógrafos falam em 5 milhões) e foi montada toda a estrutura da fazenda, desde paióis para estocar e secar os grãos até moradias para os trabalhadores. Para se ter uma idéia do tamanho da propriedade, basta dizer que Henrique construiu uma estrada de ferro de 96 quilômetros para transportar a safra com pequenas locomotivas no interior da fazenda.


Máquina: para processar café


Foi com equipamentos para produção do café que começou a intimidade de Santos Dumont com as máquinas. Já com sete anos, ele dirigia as locomóveis, máquinas movidas a vapor que carregavam a colheita para a estrada de ferro principal. Com 12 anos, mostrava o poder da sua lábia que mais tarde seria usada para convencer os construtores de balões descrentes das suas idéias. Santos Dumont convenceu um maquinista a deixá-lo guiar uma das principais locomotivas do país na época, uma Baldwin, transportando um vagão cheio de café para a usina de beneficiamento.


É bem verdade que quando começou seus experimentos no céu, a família já não possuía mais a fazenda. Henrique sofrera uma concussão cerebral aos 60 anos ficando hemiplégico, o que fez a família vender a fazenda. Santos Dumont tinha então 18 anos. O dinheiro da herança do rei do café é que bancou a maior parte dos gastos do filho por toda a sua vida, já que poucas vezes tomava para si os prêmios que ganhava nas conquistas com seus balões. Dumont geralmente os doava aos pobres.


Em seu livro de memórias “Meus Balões”, Dumont desfaz a idéia sobre a precariedade das fazendas de café – a de seu pai chegou a ser a mais desenvolvida da América do Sul. Segundo ele, as máquinas envolvidas na produção da commodity eram o que estava mais próximo do universo que encontrava nas páginas de ficção de Julio Verne.


“Os europeus imaginam as plantações brasileiras como pitorescas colônias primitivas, perdidas na imensidade do sertão, não conhecendo melhor a carreta nem o carrinho de mão que a luz elétrica ou o telefone. Em verdade, há, em certas regiões recuadas no interior, colônias desta espécie, mas não eram fazendas de café de São Paulo. Dificilmente se conceberia meio mais sugestivo para a imaginação de uma criança que sonha com invenções mecânicas”, escreveu.


Também contou em seus relatos todo o processo “industrial” do café em seu tempo de criança e adolescência. Como os grãos eram limpados, secados, descascados e ensacados, além de toda a participação das máquinas, balanças, esteiras, pequenos elevadores no processo. Tudo era observado e o funcionamento registrado na cabeça do futuro aviador.


Como não fez nenhuma graduação superior que o ajudasse nas invenções – o que mais tarde lhe rendeu alguns ataques dos cientistas do vôo -, foi o ambiente das máquinas do café que lhe deu as bases de engenharia e mecânica que usou em seus inventos. Observar as máquinas da fazenda, que quebravam com freqüência, fez com que mais tarde ele optasse por usar motores rotativos para suas invenções, por exemplo.


“As peneiras móveis (usadas no processo de secagem dos grãos), com especialidade, arriscam-se a se avariar a cada momento. Sua velocidade bastante grande, seu balanço horizontal muito rápido consumiam uma quantidade enorme de energia motriz. Constantemente fazia-se necessário reparar as polias. E bem me recordo dos vãos esforços que empregávamos para remediar os defeitos mecânicos do sistema. Causava-me espécie que, entre todas as máquinas da usina, só essas desastradas peneiras móveis não fossem rotativas. Não eram rotativas, e eram defeituosas! Creio que foi este pequeno fato que, desde cedo, me pôs de prevenção contra todos os processos mecânicos de agitação, e me predispôs a favor do movimento rotatório, de mais fácil governo e mais prático”.


Paul Hoffman, historiador norte-americano que escreveu a biografia de Dumont “Asas da Loucura – a extraordinária vida de Santos-Dumont”, diz que essa preferência pelos motores rotativos o ajudou na construção das máquinas voadoras quando se tornou inventor.


Vôo com café


Adulto, Santos Dumont, conhecido por sua elegância e vaidade, levava sempre consigo uma garrafa térmica com café. Em 1897 fez seu  primeiro vôo em um balão como experiência para fazer suas observações e começar a investir na construção dos seus. O vôo era em um balão alugado. Ele fez questão de levar uma cesta com comida, já que não pensava em descer tão cedo do vôo pago. Na cesta fez questão de completar a refeição com o café brasileiro.


Nesta época, o principal café consumido na Europa era o tipo Santos. O nome vinha do Porto de Santos por onde o grão era exportado. Alguns historiadores, porém, apontam que esse nome vinha da marca do café produzido na fazenda de Henrique Dumont.


Em outubro de 1901, Dumont ganhou o prêmio Deutsch ao circundar a Torre Eiffel com seu balão dirigível, o Nº 6, que tinha formato de charuto. Foi o ápice de sua popularidade na Europa. Quando pousou, centenas de espectadores jogavam-lhes pétalas. Condessas e a mulher de John D. Rockefeller gritavam entusiasmadas.


Quando saiu da cesta do balão, Alberto Santos Dumont recebeu de um dos espectadores uma xícara quente de café para que brindasse o feito que provava que o homem podia controlar máquinas voadoras. Não seria demais arriscar que o café que tomou vinha da fazenda que o iniciou no mundo das máquinas.

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