Café é o produto agrícola brasileiro mais próximo das novas exigências ambientais da UE

Estudo mapeia rede de produção de seis ‘commodities’ exportadas pelo Brasil, para verificar adequação às normas do bloco europeu que barram a entrada de bens oriundos de áreas desmatadas

19 de fevereiro de 2024 | Sem comentários Sustentabilidade

Por Rafael Garcia, do jornal O Globo — São Paulo

Um estudo que mapeou a rede de produção de seis commodities agropecuárias do Brasil avaliou quais delas estão em melhores condições de entrar em conformidade com a nova legislação da União Europeia (UE) que proíbe a importação de bens oriundos de áreas desmatadas. O café se destacou como o produto mais propenso a atender às exigências, enquanto a carne bovina ficou na pior posição.

O trabalho, realizado pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), no Rio de Janeiro, foi publicado nesta semana no periódico acadêmico Ecological Economics. A pesquisa avaliou ainda soja, dendê, madeira e cacau.

A participação do café na pauta de exportações brasileira, no entanto, é relativamente pequena: 2,154%, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), referentes a 2023. Fica pouco abaixo da carne, com 2,795%. A principal commodity exportada pelo país é a soja, com uma fatia de 15,674%.

Produção pulverizada

Por meio da aplicação de um “índice de probabilidade de conformidade”, o estudo conclui que “o setor cafeeiro do Brasil pode atualmente ter o maior potencial para pronta conformidade com os requisitos de livre desmatamento da UE e do Reino Unido.” Mas ressalta que o gado pode enfrentar os maiores desafios regulatórios, “exigindo um período de transição e investimentos potencialmente mais longos, ou — no pior dos casos — sendo desviado para mercados alternativos.”

A nova legislação europeia exige que os exportadores se adaptem, até o fim deste ano, às regras para reportar a cadeia produtiva completa de todo seu volume comercializado e comprovar que os estoques não saíram de áreas desmatadas depois de 2020. A pesquisa do IIS também considerou regras de legislação semelhante do Reino Unido, que veda a importação de produtos associados a desmatamento ilegal.

O índice de probabilidade de conformidade atingiu 89% para o café. A soja ficou em 64%, a madeira em 46%, o dendê em 44%, o cacau em 33% e a carne bovina em 30%.

Na elaboração do índice, um dos fatores considerados foi o das taxas de desmatamento nas áreas onde essas commodities estão sendo produzidas. A expansão da fronteira agrícola nas áreas de Amazônia e Cerrado, por exemplo, possui muitas pastagens novas, o que prejudicou avaliação da pecuária.

No entanto, também foram levados em consideração a capacidade técnica e o interesse dos produtores em providenciar certificações para seus produtos, a fim de comprovar o grau de sustentabilidade das lavouras. Esse quesito prejudicou a posição do cacau e do dendê, cujas produções escoam a partir de uma miríade de pequenos produtores. Essa fragmentação, dizem os pesquisadores, dificulta a criação de um sistema de rastreamento confiável para atender às normas da UE.

Uma adaptação praticamente natural

A adequação do café às novas regras ocorreu quase que naturalmente. Boa parte da produção da commodity está em áreas de desmate muito antigo, de Mata Atlântica, e o elevado volume de exportação para a UE (49% têm o bloco por destino) torna essa adaptação crucial.

Um resultado contraintuitivo sobre a propensão dos produtores a se adaptarem é apontado pelos cientistas com relação à soja. Como o mercado brasileiro está ancorado em grandes traders, como Bunge e Cargill, a cadeia produtiva está numa posição mais favorável para criar um sistema mais robusto de rastreamento.

Mas a soja está hoje em uma área mais sensível, com lavouras ocupando áreas de desmate relativamente recente, sobretudo no Cerrado. Como 68% da produção nacional são exportados — e 15% têm como destino a UE —, há um grande incentivo econômico para investir em rastreamento e certificação.

Possível necessidade de ajustes

Susan de Oliveira, especialista em comércio internacional e principal autora do estudo, afirma que, apesar de as novas exigências europeias tornarem evidentes o baixo padrão de sustentabilidade da carne brasileira, elas podem precisar de ajustes para não punir outros setores por tabela.

— As commodities que têm uma participação maior de agricultores familiares podem ter mais dificuldade para comprovar a cadeia livre de desmatamento, também porque esses pequenos produtores muitas vezes têm dificuldade de comprovação de posse legal da terra, e a legislação da União Europeia e do Reino Unido não olha somente a questão de desmatamento zero, mas também se a produção é feita de acordo com a legislação dos países produtores — explica a pesquisadora.

Por conta de algumas exigências difíceis de serem cumpridas, é possível que a UE se veja obrigada a fazer ajustes nas regras, a fim de evitar que o espírito da nova legislação seja desvirtuado.

— Existe um questionamento sobre em que medida essa legislação vai ser eficiente e atingir os objetivos de criar uma produção efetivamente livre de desmatamento — avalia a pesquisadora.

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