Fomos e sempre seremos a terra do café. Por esta
razão, vamos recordar uma velha tradição brasileira, a de tomar uma xícara
dessa bebida. Para isso, vamos lembrar rapidamente de algumas situações ligadas
a esse agradável hábito.
Belissimo cartaz da década de 1930,
com
propaganda do Café Excelsior.
Reprodução do livro Propaganda no
Brasil.
O café foi descoberto por pastores árabes, veio
para o Brasil através da tenacidade de Francisco de Mello Palheta, que
contrabandeou mudas do chamado “ouro verde” da Guiana Francesa. Antes de ser
cultivado no Brasil, já era saboreado por turcos, depois consumido na Europa.
Tendo seu início em Viena, na Áustria, onde era bebido com adição de leite e mel
para tirar o gosto amargo, surgindo assim o conhecido café
vienense.
Muitos consideravam tomar café um terrível vício,
principalmente os ingleses habituados ao chá, achavam horrível o seu gosto.
Mesmo com muitos entraves, o café saiu vencedor e conquistou os quatro cantos do
mundo.
Mesmo antes de chegar ao Rio de Janeiro e ao interior
paulista, o café já era sucesso absoluto no Velho Continente.
No passado, o
Centro de Santos possuiu cafés famosos, frequentados
por todas as classes profissionais, que
conversavam sobre os mais
variados assuntos. A foto mostra a Rua General
Câmara nas proximi-
dades da Praça Ruy Barbosa. Final da
década de 1930. Acervo:
FAMS.
No Brasil, era moda copiar tudo que acontecia na
França. Era uma mania que atingia todos os setores do dia-a-dia, como bebidas,
alimentos, modas, engenharia, educação, medicina, arte
e hotelaria.
Dentre essas manias de copiar, surgiram os cafés,
que retornaram com a denominação de cafeterias, local onde as pessoas iam para
saborear a deliciosa rubiácea. Primeiro surgiram no Rio de Janeiro, em São Paulo
e, certamente, em Santos, que era e continua sendo o Porto do Café.
Surgiram assim as casas de café ou simplesmente
cafés.
A cidade de Santos teve cafés que marcaram época, não
se sabe as datas exatas que surgiram, com exceção dos conhecidos Café Paulista,
fundado em 1911, e do Café Carioca (1939). Estes são os únicos
remanescentes de um pujante passado.
A foto mostra o
interior do Café Paulista por volta de 1915,
vendo-se cavalheiros da época. Acervo: L.J.
Giraud (presente
do inesquecível Jaime
Caldas).
Dentre esses cafés, podemos lembrar de alguns do
Centro de Santos, como Café Java, O Nacional Bar (Praça Ruy Barbosa, 32), O
Paris, A Leoneza, Café e Restaurante Marreiro, Café D’Oeste (que além de um bom
café, tinha a melhor coxinha de galinha que Santos já conheceu), Café Caravela
(Rua João Pessoa), A Paulista, Casa Hespéria, Confeitaria Rosário, Café Mundial,
Ao Campo Belo e Café Florença, entre muitos outros.
No Gonzaga, existiu o famoso Café Atlântico, que
acredito ter sido onde degustei o melhor café da minha vida. O Café Atlântico
ficava colado ao mais charmoso restaurante que a Cidade já possuiu, melhor
dizendo, ficava embaixo do prédio do Atlântico Hotel.
A famosa e agitada Rua XV de Novembro, a Wall Street
santista,
reduto das casas comissárias de
café (exportadoras), agências
marítimas, bancos, telégrafos
internacionais e da Bolsa Oficial de Café. Imagem de meados da década de
1920. Acervo: L.J. Giraud.
Era costume naqueles tempos as pessoas
sentarem-se às mesas para conversarem e saborear um delicioso cafezinho.Nessas mesas eram fechados grandes
negócios, falava-se da vida alheia, discutia-se futebol e ouvia-se engraçadas
anedotas. Seus frequentadores eram das mais variadas profissões, dentre elas,
fiscais da Alfândega, despachantes aduaneiros, jornalistas, corretores e
comissários de café, agentes marítimos, advogados, médicos e até boêmios. Os
garçons com muita tranquilidade serviam o café em mesas de fregueses habituais.
Era comum depois do cafezinho saborear um
licor.
Uma curiosidade: quando vários amigos se reuniam para
um cafezinho, geralmente jogavam, com perdão da má palavra, “porrinha” (jogo com
palitos de fósforo), como é conhecido em Portugal. A regra era acertar o número
de palitos (com punhos fechados) em cada rodada. Quem perdesse pagava o café.
Não era de bom tom mulheres frequentarem os cafés sem a devida companhia
masculina. Coisas do passado.
O cartão-postal de 1951 mostra o conhecido Atlântico
Hotel, local
onde funcionava o Restaurante
Atlântico e o Café Atlântico, que
ficavam situados onde aparecem
colunas no lado direito do hotel,
ao lado da Avenida Ana
Costa.
Vale ressaltar que o café mais famoso do Brasil
em todos os tempos foi o Café Nice, inaugurado em 1928. Ficava na Galeria
Cruzeiro, no prédio do Hotel Avenida (Av. Rio Branco, 174), na antiga Capital
Federal, Rio de Janeiro. O Café Nice foi símbolo de uma época de ouro da música
popular brasileira. Ponto de encontro de compositores e músicos do Rio de
Janeiro.
Quando menino, por algumas vezes cheguei a tomar taças
de sorvetes no Nice, na companhia de meu tio Fédro Mesquita, após assistirmos
matinê no Cineac (cinema conhecido na época). O Nice encerrou suas atividades em
1956.
Foto de um trecho do pujante Porto de
Santos (1955), o porto do café, por
onde
embarcaram milhões de sacas do ouro
verde
com destino à vários países do
mundo.
Os guindastes que parecem na foto
conhecidos como palmeiras,
devido à sua
altura sumiram do cais santista,
com a
chegada dos contêineres. Acervo:
L.J.Giraud.
Na década de 1960, os cafés foram sumindo,
primeiro foram retiradas as mesas, Também os fregueses já não eram os mesmos.
Com as mudanças de hábitos, as despesas desses cafés não permitiam esse tipo de
serviço. Assim, no lugar surgiram as lanchonetes, que apresentavam melhor lucro
aos seus proprietários.
Hoje, os cafés são na grande maioria do tipo expresso
(italiano), alguns de boa qualidade, como os encontrados em algumas cafeterias
da Cidade e na cafeteria do Museu dos Cafés. Vale lembrar que o primeiro café de
máquina ou italiano que tomei foi no Café Torino (1956), que ainda funciona na
Praça Mauá.
A curadora dos Museus dos Cafés do Brasil, Marjorie C.
F. Medeiros,
cercada por Eduardo Carvalhaes Filho e Pedro Troncoso, numa
das dependências do Museu. Foto: L.J. Giraud.
Felizmente, o café de fato, feito no coador, com
aquele sabor do passado ainda pode ser saboreado nos tradicionais Café Paulista,
Carioca e Florença, situados no Centro Histórico de Santos. Aos leitores da
coluna Recordar deste PortoGente, na forma de um brinde, esta coluna simbolicamente
oferece,uma deliciosa xícara de
café tipo exportação, passado em coador.
Este artigo vai para Marjorie C. F. Medeiros, curadora
do Museu dos Cafés do Brasil (Bolsa Oficial de Café) e para os irmãos Manolo e
Antonio Rodriguez, proprietários do quase centenário Café
Paulista.
Foto noturna da Rua XV de Novembro, tendo ao fundo o
majestoso
prédio do Museus dos Cafés do Brasil. Foto:
Tadeu Nascimento.
* Laire José Giraud é despachante aduaneiro, colecionador de
cartões-postais da Cidade e de transatlânticos antigos. Colaborador da Revista
de Marinha de Portugal. Publicou cinco livros, como autor e co-autor, sobre
temas da Santos antiga.