VIDEO GLOBO RURAL – A produção de um café especial de Taquaritinga do Norte em Pernambuco

A produção de um café especial 
 






08.11.2009 
 
O Globo Rural foi acompanhar a colheita de um café especial, orgânico, que há cinco anos vem sendo vendido para o exterior.




Você que trabalha com essa lavoura pode achar que a safra já passou e que o nós estamos atrasados na notícia.


Não estamos. É que vem de Pernambuco a reportagem que o César Dassie e o Jorge dos Santos trazem para a gente. Por lá, a colheita só começa em agosto, quando os grãos já saíram do campo no sudeste e termina por agora, em novembro.


De grão em grão, os produtores rurais do agreste de Pernambuco vêm colhendo um café diferenciado, a pouco mais de 200 quilômetros de Recife.





Taquaritinga do Norte fica a cerca de 900 metros de altitude e por conta disso faz até um friozinho. São condições assim que favorecem o desenvolvimento de um café arábica de qualidade num estado que praticamente não tem representatividade na produção nacional.


Olhando a paisagem da região, a gente nem imagina que as copas das árvores abrigam a principal lavoura do município. São ingazeiras, jaqueiras e tantas outras plantas que protegem o café do sol forte da região no período mais quente do ano, como conta o produtor Luiz Barbosa de Farias.


“A temperatura varia em torno de 40ºC, 43ºC. Já foi verificado na região. A temperatura oscila bastante aqui em Taquaritinga. Nós estamos passando agora, por exemplo, um friozinho de 9ºC. Esse café ele é orgânico e tem o certificado orgânico. As frutas que estão no meio da plantação a gente vende apenas no mercado local. Ainda não existe essa exigência de produto orgânico aqui na região, o mercado ainda não diferencia, não absorve”.


Já o café orgânico, com atestado do Instituto Biodinâmico, vem sendo comercializado junto a uma exportadora do Rio de Janeiro. O cultivo sombreado foi um dos fatores que atraíram o interesse de compradores que pagam mais pelo produto.


A principal característica de uma lavoura como essa é que não existe um ordenamento na distribuição das plantas. Olhando assim a gente até se pergunta se o café foi plantado no meio do pomar ou as árvores frutíferas que foram introduzidas no meio do cafezal? Por aqui, um único hectare conta com quatro mil pés de café e 150 pés de fruta.


Na sua propriedade de apenas um hectare e meio, Sr. Luiz Barbosa aponta a nutrição do solo como o principal benefício desse sistema de produção.


“Aqui, encontra-se esse solo com grande cobertura morta, você pode ver. Aqui logo abaixo estão as raízes pilíferas, que são as raízes que vem procurar e levar nutrientes para as plantas. Se elas estão por aqui é porque o solo está bem equilibrado, apetitoso. Tudo isso aqui são sementes de café que caíram da safra anterior do ano passado e que germinam ao encontrar um solo em perfeito equilíbrio. Embaixo do cafezal, desse sistema agroflorestal, há um grande viveiro. Daqui eu vou tirar minhas mudas para outras áreas e para o próprio replantio da área de produção. Tudo de graça, dado pela própria natureza”.


Para atender a procura por um café de qualidade, foi preciso modificar algumas práticas na lavoura, já que o trabalho na colheita tem influência direta na qualidade do produto.


“A gente colhe esse grão vermelho que é o madurinho. Fica um grão numa qualidade bem melhor. Após ele, esse verdinho amadurecer a gente volta a colher novamente na mesma área. Dá uma trabalheira colher um por um, mas com o trabalho do dia-a-dia a gente já está bastante habituado, acostumado à luta”, afirma o trabalhador rural, Ernildo Cícero de Lima.


Você já deve ter percebido que o café cultivado em Taquaritinga do Norte tem porte alto e pode atingir até três metros. São plantas da variedade arábica típica, que fazem parte da primeira remessa de café que chegou ao Brasil em 1727.


Tamanha a sua importância para a cafeicultura nacional, o Instituto Agronômico de Campinas, em São Paulo, mantém o arábica típica numa coleção ao lado de outras 100 variedades.


O doutor e agrônomo do IAC, Luiz Carlos Fazuoli, que trabalha com café há 40 anos, ressalta a participação do Típica no melhoramento genético de plantas bastante conhecidas do cafeicultor.


“Dentre um cruzamento surgiu o mundo novo que tem 50% de Típica e o Catuaí, que tem 25% de Típica. O Mundo Novo e o Catuaí são as duas principais variedades plantadas aqui no Brasil. Eles representam 80% a 90% do material de arábica no Brasil”.


O senhor tinha conhecimento de que em Pernambuco existe uma área, um município que tem esse arábica típica e que está levando até para exportação?


“Sinceramente, a primeira notícia quem deu foi você, não sabia não. Estou surpreso de ter isso. Eu fico até feliz, eu gostaria até de visitar algum dia. Podemos dizer que Taquaritinga do Norte tem aí uma relíquia, digamos assim. É uma relíquia porque está ligado à história do café, que foi introduzido em 1727”.


No agreste de Pernambuco, ninguém sabe ao certo quando o arábica típica passou a ser produzido. Segundo o Secretário de Agricultura de Taquaritinga do Norte, Michelson Arnóbio, a tradição no cultivo do café sempre foi passada de geração para geração.


“Foi uma surpresa tamanha quando alguns de nossos agricultores conseguiram vender esse café, exportar esse café para a suíça. Os agricultores estavam desacreditados de produzir café, estavam vendendo suas propriedades, se deslocando para a cidade, o que graças a Deus a partir daquela época para cá vem sendo retroativo, o pessoal está voltando da cidade para a zona rural para produzir. Agente sabe que o potencial existe e que nós temos ele aqui. É só, agora, lapidá-lo”.


É que a produtividade do arábica típica fica em torno de dez sacas por hectare, bem abaixo da média nacional que bate na casa das 40 sacas por hectare, com uso de outras variedades.


Dos 450 agricultores que trabalham com café em Taquaritinga do Norte só algo em torno de 5% tiveram a produção certificada como orgânica.


Alguns deles, como Sr. José Arnóbio Filho, estão com o certificação suspensa. É que no ano passado, ele infringiu uma das regras da produção orgânica: reutilizou a sacaria de ração para frango no armazenamento do café. “O IBD não aceita. Tem que ser essa estopa nova que nunca tinha sido usada produto nenhum”.


Por conta disso, o agricultor Sr. Zezé perdeu R$ 19 mil na venda das 190 sacas que colheu em 2008. “O camarada só aprende apanhando, não é bom”.


Agora, Sr. Zezé, esse ano o senhor continua usando a mesma sacaria. “É porque esse ano está com a mesma sacaria porque não está como orgânico. As taxas estavam meio alta e eu digo eu não vou pagar as taxas esse ano”.


As taxas da certificação somam cerca de R$ 2 mil, valor que para o ano que vem, Sr. Zezé já reservou para regularizar a situação da propriedade. “Para o ano vai ser tudo na ponta do lápis”.


Além dos ajustes necessários em cada propriedade, os agricultores de Taquaritinga também precisam formar uma associação forte para ganhar mais mercado.


Caminhando pela propriedade do Sr. Zezé, encontramos uma clareira, aberta por uma árvore velha que morreu. Sem a sombra, que protegia a lavoura do sol forte, os ramos do café ficaram secos e muitos grãos, queimados.


“O café sombreado, ele se assemelha a gente. A gente não se sente bem quando está agoniado, com o sol quente. Chega debaixo de uma sombra, senta, sente aquele ar frio, geladinho, gostoso. Refresca, o café é a mesma coisa. O café sombreado se tirar a sombra ele dá um queima, um prejuízo na safra e perda no pé de café. Começa dando esse problema e ele vai perdendo a saúde e termina morrendo”.


Com a descoberta da qualidade do seu café, Taquaritinga do Norte vive hoje o desafio de expandir a certificação orgânica em seu território e provar para os demais agricultores as vantagens de se trabalhar com um produto diferenciado.


“Eu espero vender cada saca de café em torno de R$ 350. Se fosse no mercado local seria em torno de R$ 200”, conta o Sr. Luizinho. Sombreado e orgânico, o café dos pequenos produtores de Taquaritinga do Norte vem ganhando fama no exterior graças a iniciativa do escritor carioca Luís Olavo Fontes.


Construída no alto do morro, a sede da fazenda permite que o visitante desfrute de uma paisagem privilegiada. “Aqui é o planalto da Borborema. Você está bem na fronteira da Paraíba e Pernambuco. Nessa época do inverno é mais bonito ainda, tudo verde, chovendo bastante, meio nublado, mas faz bem para o café, quanto mais água melhor”.


A maior parte dos livros que Sr. Luís Olavo escreveu conta as experiências das suas viagens pelo mundo. “Essa transição, de escritor e agora, produtor foi uma coisa assim meio sem planejamento. Na verdade essa fazenda era do meu avô. Estou até escrevendo um livro sobre ele, a biografia da vida dele, e quis manter a fazenda, por razões até sentimentais eu não queria que fosse vendida porque eu venho aqui desde criança, adolescência, juventude, sempre vinha para essa fazenda, gostava muito daqui e assim acabei comprando a fazenda da minha família, da minha mãe e das minhas tias e me tornei agricultor depois”.


No livro sobre o avô, Sr. Luís Olavo vai falar de Taquaritinga do Norte, do casarão antigo da fazenda e dos cangaceiros que rondavam a região no fim do século XIX começo do século XX.


“Muitos coronéis protegiam os cangaceiros para não serem assaltados por eles. Protegiam da polícia e com isso, eles não atacavam as fazendas e as cidades desses amigos”.


Como é que surgiu a ideia de testar esse café, mandar ele para análise? “Isso foi uma coisa muito casual. Eu tive um grupo de amigos, que a gente estava estudando no Rio, filosofia, não tinha nada a ver com café. Um amigo meu, que é músico, e eu nem sabia que ele trabalhava com café, que é o Manoel Correia do Lago, eu perguntei: ‘comprei uma fazenda de café da minha família’. ‘Mas como é esse café’, começou a me perguntar. ‘Olha é um café na sombra, um café diferente’. Foi quando ele falou que o café na sombra são os melhores cafés do mundo. ‘Você devia mandar amostras para mim que eu tenho uma firma de café’. As coisas foram acontecendo naturalmente, acho que meu avô estava me protegendo”.


No Rio de Janeiro, nós fomos ao encontro do exportador Manoel Correia do Lago, que resolveu testar o café de Taquaritinga devido as condições inusitadas em que é produzido.


“Não foi difícil fazer a primeira venda desse café de Pernambuco para o exterior, porque há no mundo uma um interesse cada vez maior por cafés diferenciados. Eu tenho conseguido colocar o café nos mercados mais, digamos, ativos. Tem sido a Noruega, o Japão e os Estados Unidos”.


Para se certificar da qualidade do café, o exportador contou com a experiência, e o paladar, do degustador Fernando Henrique Freire. Foi ele que, cinco anos atrás, provou a primeira amostra vinda de Pernambuco.


“Para mim foi uma surpresa que eu não tinha provado antes e gostei muito. Porque é um café muito encorpado, com uma leve acidez. É um café limpo, graúdo”.


O brasileiro para provar o café especial de Taquaritinga do Norte tem que percorrer algumas das poucas cafeterias, como uma no Rio de Janeiro, que vende o produto assim, na xícara, para o consumidor final.


O dono é Sr. Marcos Modiano, que costuma batizar os cafés das diferentes regiões do país de um jeito curioso.


“A gente dá o nome de música em todos os cafés e com a particularidade, cinco letras. A primeira pode ser samba. O samba, por acaso, é o café sul de Minas. Os outros nomes nós temos o da Alta Mogiana Paulista que é o Valsa, o Conga que é do cerrado baiano, o Rumba do cerrado mineiro. O nome do de Taquaritinga do Norte é bem característico: frevo, orgânico. Vende muito bem. É o segundo colocado em vendas de café, mesmo que o preço dele seja bastante mais caro do que o normal. Uma xícara custa R$ 3,90”.


“O café Frevo é muito gostoso por sinal”, diz o advogado, Warton Hertz de Oliveira. “Aveludado, bem suave”, afirma o pastor, Moisés Andriolo. “Eu achei maravilhoso”, conta a advogada Sara Costa.


“O histórico era que não era um produto tão bom quanto realmente é o produto aqui”, afirma o Sr. Luizinho. “A qualidade dele nunca foi explorada, não, está sendo agora”, explica o Sr. Zezé. “A gente tinha um tesouro e não sabia disso”, completa o escritor.


Taquaritinga do Norte tem cerca de dois mil hectares de café sombreado e pode aumentar a área em mais mil hectares. Acima disso, o café perderia qualidade, pois teria que ser plantado em terrenos de baixa altitude e sem as temperaturas amenas de que essa lavoura tanto gosta. 

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