Ave vive com família que mantém um cafezal no centro do estado de São Paulo. Busca por um grão superior inclui muitos cuidados especiais. Colheita é fundamental.
ALBERTO GASPAR
Torrinha e Botelhos (SP)
O que era só um vilarejo no fim do século 19 virou cidade a partir da chegada da ferrovia. Os trilhos foram atrás do café, que se adaptou bem ao clima de serra de Torrinha, no centro do estado de São Paulo.
Os Loureiro são uma família de pequenos agricultores de olho no céu. O tempo chuvoso atrapalha na época de colheita do café. Já o café da manhã é feito no fogão a lenha de dona Nilva, bem à moda antiga.
“Uso coador de pano e chaleira de ferro. Eu já tentei trocar o suporte, mas não deu certo”, conta a cafeicultora.
“Não tem o mesmo sabor. Sem café, o esforço de todo dia não teria mais sentido”, diz Nívea Loureiro.
Todos valorizam o que se tira com esforço da terra. Todos mesmo. “A maritaca é freguesa. Quando está com fome, ela vem pedir café. Ela fala assim: ‘Quer café, Taca?'”, conta dona Nilva. E não é que a maritaca pede mesmo? Pede, toma e também come o queijo caseiro fresquinho. Como tudo, aliás, na mesa da família: o bolo de fubá de milho, o leite, a manteiga, o pão. Tudo é produzido lá mesmo.
“Eu faço requeijão também. Tudo consumido é daqui, como a carne e a linguica. Compramos pouca coisa fora”, diz dona Nilva.
“Nosso alimento é daqui, mas o café sempre foi o mais forte”, conta o cafeicultor Antônio Loureiro.
Mais forte, mas não a única atividade do sítio. No sobe-e-desce dos preços dos produtos agrícolas, a família de seu Antonio se garante com várias fontes de renda: planta milho, cria um pouco de gado e muitos milhares de frangos. Em um terreiro, parte do café que já foi colhido precisa secar. Uma lona protege da garoa, que não dá trégua.
“Se não parar de chover, eu coloco debaixo de um barracão”, diz o cafeicultor Fernando Loureiro.
Quando o tempo melhora um pouquinho, os Loureiro se apressam, rumo ao cafezal. Filho e neto de produtores de café, seu Antônio é do tempo em que São Paulo produzia a maior parte do café brasileiro. Mas algumas crises fizeram muita gente desistir da cultura. Não seu Antônio.
“O café é tudo para nós, tem um valor muito grande”, diz o cafeicultor.
A busca de um café superior inclui muitos cuidados especiais. Mas existe um ponto fundamental: a colheita, que exige cuidados diferentes. O movimento normal de colheita manual é a chamada derriça. A mão corre pelo ramo e arranca todos os grãos de uma vez. Mas para conseguir um café como o que Fernando obtém é preciso fazer algo mais.
“Temos que deixar os grãos verdes para trás. Então, vamos apanhando e, quando chegamos aos verdes, pulamos. Temos que deixar os verdes e catar só os vermelhos. Dá umas três vezes mais trabalho, mas vale a pena”, garante Fernando, que sabe do que está falando. Na safra passada, o café que ele inscreveu em um concurso foi escolhido o melhor do estado. Além do orgulho, estampado na parede, isso trouxe compensação financeira. O café premiado foi vendido pelo triplo do valor normal.
“Eu ganhei o primeiro lugar, entre mais de mil participantes, na categoria natural, que é o café inteiro”, conta Fernando.
Mas só o trabalho em família, no Sítio Árvore da Vida, permite esse salto de qualidade, lembra seu Antônio, porque a mão-de-obra, hoje em dia é muito cara.
Ao todo, 10% do café brasileiro são coisa de família, saem de áreas pequenas, como sítios da família Loureiro. São 60 mil em todo o país. No outro extremo da produção, estão os grandes negócios: fazendas a perder de vista.
O Brasil é o maior produtor de café do mundo! E mais da metade disso sai dos cafezais de Minas Gerais, principalmente das áreas no sul do estado. A região montanhosa, que encanta os olhos, também favorece o cultivo de cafés de alta qualidade. E em fazendas como as do município de Botelhos, a produção grande e moderna não significa menos trabalho.
“Tem que tratar 12 meses por ano. O clima muda o tempo todo: seca, chuva demais, chuva de granizo, frio. É uma cultura um pouco difícil porque é permanente. Então, você tem que se esforçar durante o ano todo”, diz o engenheiro agrônomo José Braz Matiello.
E também um esforço concentrado depois da colheita para tirar dos frutos o que eles têm de melhor. O processamento é uma verdadeira maratona de cuidados e detalhes. Uma máquina separa os grãos verdes; maduros, que são bem vermelhinhos; escuros, que são mais secos. Alguns boiam na água. Outros não. E tomam caminhos diferentes. Só uma parte tem a casca e a polpa retiradas antes da secagem, feita ao sol.
O café começa a ser tratado como o vinho. Até porque os grãos, separados em diferentes lotes no terreiro, em tapetes de café, podem até parecer iguais, mas não são. E a diferença vem, inclusive, na área, dentro da mesma fazenda em que eles foram plantados. Uma delas, por exemplo, tem 60 pontos muito bem definidos, mapeados. O comprador, cada um que vai até o local, pode ter a sua disposição um cardápio de cafés.
A altitude, a composição do solo, a face da encosta em relação ao sol: tudo pode fazer diferença, criar nuances de sabor, de aroma. O Brasil não quer mais ser somente o maior produtor e exportador de café do mundo. É preciso ocupar cada vez mais espaço no mercado dos cafés finos, requintados. Na fazenda, os grãos, ainda crus, passam por uma ultima seleção manual.
“Eu procuro tirar os grãos verdes e os moquinhas. Os moquinhas são os grãos redondinhos. Não são um defeito, mas tiramos para ficar mais bonitinho”, explica a catadeira Claudete Maria de Oliveira.
“É preciso ter o olho treinado. É parecido com catar feijão”, diz a catadeira Nilza Batista Souza Oliveira.
Para os leigos no assunto, o café só começa a parecer café para valer a partir da torrefação, que também é cuidadosa, cheia de controles, de ciência. O café finalmente vai ganhando seu velho e conhecido aroma, que vai junto com ele, empacotado, ganhar o mundo.