Veja os brasileiros que definem qual café europeus e americanos vão beber

29 de dezembro de 2015 | Sem comentários Consumo Torrefação

MARCELO TOLEDO / Folha de São Paulo
ENVIADO ESPECIAL A GUAXUPÉ (MG)


29/12/2015 17h00




Pierre Duarte/Folhapress


Mineiros avaliam e classificam amostras de café em Guaxupé, região Sul do Estado de Minas Gerais; no auge da safra, entre maio e agosto, um classificador de café chega a provar 350 amostras num único dia


Eles evitam álcool, deixam a feijoada de lado e costumam passar longe de abacaxi. Isso porque Francisco, Carlos César e Felipe são os responsáveis por ajudar a decidir qual o café que você vai tomar e o que será destinado a mercados da Europa e da América do Norte.


Os três integram um grupo de 15 profissionais que fazem as análises física e sensorial do café na Cooxupé, maior cooperativa de café do país, em Guaxupé (MG), e têm como função degustar café. Muito café, todos os dias, de todos os tipos e qualidades.


Para que o paladar não seja prejudicado, evitam a ingestão de álcool e de alimentos que possam atrapalhar o trabalho. Tudo isso porque, no auge da safra, entre maio e agosto, um classificador de café chega a provar 350 amostras num único dia. Provam, sim, mas não engolem.


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O trabalho dos avaliadores de café consiste em detectar as características presentes em cada amostra, que são analisadas em “testes cegos” –sem que eles saibam a procedência e o tamanho do produtor rural.


Antes da prova de fogo, o café passa por três etapas. A primeira é a análise da aparência, seguida da torra e da moagem, até chegar à mesa de degustação.


Nela, cada amostra recebe água com temperatura entre 87ºC e 95ºC e fica em repouso por quatro minutos. Quando a água atinge 30ºC, o café é degustado e, em seguida, cuspido em recipientes que se assemelham aos de consultórios odontológicos.


“Quando entrei, não tomava café. E há quem não consuma até hoje, só nas provas. Dá para detectar se o café é ruim de imediato. A gente recebe muita coisa boa, mas ruim também. A função é filtrar”, disse Felipe Henrique Alípio Ernesto, 25, há oito anos na classificação de café. Hoje ele, fora as degustações que realiza no trabalho, ingere de 300 ml a 500 ml da bebida por dia.


Os melhores cafés têm como características aspecto homogêneo, tons azulados ou esverdeados e cheiro adocicado, frutado, cítrico ou caramelizado. Já os ruins chegam às mesas de provas com aspecto fraco, cor barrenta ou preta e cheiro “podre” (só o cheiro) –ou de remédio, couro, vinagre, iodo e mofo–, além de exibir pedaços de casca ou paus.


A Europa recebe as melhores cargas, mais graúdas, utilizadas para o café expresso e que ficam expostas aos consumidores. Entre os principais clientes desse produto estão Starbucks e Nestlé.


Já os grãos miúdos, com mais defeitos, são destinados à moagem e vendidos principalmente para os EUA. A Alemanha também compra, para misturar com outros tipos e vender a países do leste europeu. No total, os embarques seguem para 40 países.


Segundo o gerente de classificação Carlos César Gomes, 54, que prova café há 33 anos, os de pior qualidade são enviados a países como a Rússia e ficam no mercado interno. “Mas, como se trata de café de qualidade, mesmo os que não atingem os patamares mais altos são bons.”


A explicação está no bolso: enquanto um café classificado como ruim custaria de R$ 9 a R$ 10 o quilo, os melhores são comercializados a R$ 25 no mercado interno, preço considerado alto.


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SÓ DE OLHAR


Segundo o gerente de controle de qualidade Francisco Donizete da Cruz, 53, há 35 anos na cooperativa, só de olhar para o café o classificador sabe se foi colhido com máquina ou se caiu no chão.


“O café está ligado ao tipo de solo, altitude, variedade da planta, trato, pós-colheita e torra. E pode ter atributos positivos ou negativos em todos os pontos, que refletem no consumidor”, diz.


Entre uma série de provas e outra, os degustadores ingerem água com gás, maçã e bolacha água e sal, para limpar o paladar.


Com 12.400 produtores associados, a Cooxupé é a maior exportadora de café arábica do país, com 4,2 milhões de sacas de 60 quilos de janeiro a novembro, 13,1% do total estimado para o país neste ano, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).


A produção brasileira deve atingir 32,05 milhões.


Segundo Ernesto, o mais novo dos classificadores ouvidos pela Folha, a responsabilidade da função é grande por envolver a vida do cafeicultor. “Ele passa o ano todo investindo numa coisa que cai em minhas mãos para classificar. Uma degustação errada pode impactar até R$ 50 a saca (10% do valor total)”, disse ele, para quem “café bom não precisa de açúcar”.

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