“Quantas sacas custa esse trator?”, pergunta um agricultor. “179”, responde o vendedor sobre o veículo de R$ 92 mil. “E essa roçadeira?”, questiona outro produtor, que ouve como resposta: “Menos de duas sacas”.
O pagamento de equipamentos agrícolas com produção do campo é algo que ocorre há décadas no meio rural, mas numa feira agrícola em Guaxupé (MG) as valorizadas sacas de café foram praticamente a única moeda usada nas transações comerciais.
A estimativa é que ao menos 80% das negociações fechadas entre quarta (16) e sexta (18) na Femagri (feira de máquinas e implementos) tenham sido pagas com sacas de 60 quilos de café, com preços hoje acima de R$ 500.
O cafeicultor Antonio Correa Amaro, que trocou sacas de café por uma carreta e uma derriçadeira (Foto: Pierre Duarte/Folhapress)
A troca é valorizada pelo mercado em alta, com a projeção de queda na produção internacional, o câmbio atraente -alta do dólar- e o descompasso entre oferta e demanda, que fará o pro-duto ficar mais caro ao consumidor.Tanto que, apesar do acirramento da crise no país, os negócios devem crescer 16% em relação a 2015, atingindo R$ 139,2 milhões. Nos dias 16 e 17, a busca de equipamentos pelos compradores congestionou as três entradas da cidade rumo à feira.
‘PRESTAÇÃO DE CAFÉ’
Um que optou em trocar o dinheiro de papel ou plástico -cartão- pelo café foi o pequeno produtor José Bispo, que gastará 30 sacas nos próximos três anos para pagar suas compras. A principal delas é uma carreta de R$ 9.800.
“De outra forma, não conseguiria comprar. Parcelam e a gente não fica refém de altas e baixas nas cotações”, disse ele, que tem produção anual de 200 sacas.
No evento, ela foi cotada a R$ 515 -há dois anos, eram R$ 365. As negociações são fechadas por meio do sistema Barter, em que a compra é paga com a entrega da produção equivalente após a colheita. Há a opção de parcelar em três safras -até 2018.
O produtor tem crédito pré-aprovado pela cooperativa, conforme a fidelização, que inclui entrega do café e compra de insumos.
“Produtor nem sempre tem dinheiro, mas tem produto e precisa comprar. Vou levar cinco colhedeiras manuais e uma fornalha”, disse Sirlei Araujo, que produz 2.000 sacas por safra.
O preço é determinado pelo mercado futuro por agentes da Cooxupé (cooperativa que organiza a feira), que fazem a conversão da cotação em dólar para reais -segundo a BM&F e a Bolsa de Nova York- com a entrega definida na data da negociação.
Já Antonio Amaro gastou 8% da safra (200 sacas) para adquirir uma derriçadeira (chamada de “mãozinha”) e uma carreta. “Até tenho o dinheiro, mas com ele pago a colheita e não fico duro em época crítica como agora.”
Para José Eduardo Santos Júnior, superintendente de desenvolvimento do cooperado, a vantagem é que o cafeicultor deixa de ficar suscetível às oscilações de mercado -com o negócio fechado em reais, ele poderá ter de dispor do equivalente a mais sacas na data do pagamento se a cotação cair.
SEM CRISE
Para Carlos Paulino, presidente da Cooxupé, os impactos da crise não chegarão aos produtores porque a atividade é influenciada pela demanda mundial e o dólar deixa o grão competitivo, além de a produção ser inferior à demanda. “Dependemos do estoque, pois mercado interno e exportações consumirão 56 milhões de sacas, para uma safra de 50 milhões a 53 milhões”, afirmou ele.
Fonte: Folha de S.Paulo (Marcelo Toledo)