Vai faltar café para o Brasil honrar seus compromissos, diz Celso Vegro

10 de fevereiro de 2014 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado
Por: Dinheiro Rural

Falta de chuva ameaça o abastecimento de água e energia elétrica e cria mais um complicador para as empresas na hora de decidir onde investir


Por Keila CÂNDIDO e Denize BACOCCINA


Poucos temas assustam tanto os executivos da área industrial quanto uma elevação no custo da energia elétrica ou a possibilidade, por menor que seja, de um racionamento. É exatamente o que está acontecendo neste início de ano, diante da falta de chuvas no Centro-Sul do País. Na primeira semana de fevereiro, o preço do megawatt-hora no mercado livre atingiu o patamar recorde de R$ 822,83. Na terça-feira 4, o Distrito Federal e 13 Estados sofreram um blecaute que, segundo especialistas, pode estar relacionado a uma sobrecarga no sistema, negada pelo governo. Para a Volkswagen, esses problemas reforçam a decisão tomada em 2010 de investir em pequenas centrais hidrelétricas, as PCHs.


A montadora alemã gera, atualmente, 19% de toda a energia que consome e construirá mais uma PCH. “Vamos produzir 40% da nossa necessidade”, diz Antonio Megale, diretor de assuntos governamentais da Volkswagen. “Temos uma energia mais limpa e nos blindamos contra a alta de preços.” As montadoras que não possuem geração própria se protegem com a compra antecipada no mercado livre, evitando oscilações de preço. “O que me preocupa é o impacto no setor de autopeças, principalmente nas pequenas e médias empresas”, diz Luiz Moan, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).


“Antes de decidir qualquer investimento no Brasil, as empresas fazem estudos energéticos detalhados para não correr riscos.” A preocupação com a oferta de energia, no longo prazo, não é uma exclusividade das montadoras e se estende a todos os ramos do setor industrial. “Qualquer situação de falta de infraestrutura afeta a decisão do empresário de investir”, diz Carlos Cavalcanti, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Na semana passada, os reservatórios das usinas hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste atingiram o menor nível para o mês de fevereiro dos últimos três anos.


Só a fé não basta: para evitar o inferno do racionamento, a presidenta Dilma e o governador Alckmin


torcem por chuvas no curto prazo. E sem investimentos em energia e água, o PIB pode crescer menos


Na terça-feira 4, a água acumulada ocupava 39,2% da capacidade das represas. No dia anterior, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, garantiu que não haveria risco de faltar eletricidade no País. “Risco zero”, afirmou. “Estamos com mais de 40% (de armazenamento de água) nos principais reservatórios e não enxergamos nenhum risco de desabastecimento.” No dia seguinte, entretanto, uma falha no sistema deixou mais de seis milhões de pessoas sem energia por algumas horas. O episódio, que nem de longe lembra o apagão de 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, acabou, no entanto, colocando o governo numa saia justa.


Quem deu explicações foi o secretário-executivo do MME, Márcio Zimmermann. Em entrevista à DINHEIRO, ele disse que o Brasil tem eletricidade suficiente. “A oferta de energia está garantida, mesmo com o aumento do consumo nas últimas semanas”, disse (leia entrevista ao final da reportagem) Dados do Operador Nacional do Sistema (ONS) mostram que a região Sul bateu recorde de carga três minutos antes do desligamento de 12 linhas de transmissão de energia, afetando diversos Estados. Para o governo, os dois fatos não têm relação entre si. A explicação da ONS para o blecaute só saiu na quinta-feira 6.


Segundo o diretor-geral do órgão, Hermes Chipp, o incidente pode ter sido causado por um raio. A presidenta Dilma Rousseff, que em 2012 havia dito que o sistema brasileiro foi feito para suportar raios, não gostou da explicação. “Se os raios foram realmente responsáveis pela queda de fornecimento de energia, cabe ao ONS apurar se os operadores estão mantendo adequadamente sua rede de para-raios”, afirmou o novo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Thomas Traumann, em nome da presidenta, que teme o impacto eleitoral de uma alta no preço da energia. Para driblar esse risco, o governo estuda adiar o repasse que as distribuidoras têm o direito de fazer na conta dos consumidores finais.


Período de seca: sem chuvas, reservatório do Sistema Cantareira, em São Paulo,


atingiu o menor nível dos últimos dez anos


O valor, de R$ 9,8 bilhões, refere-se a uma ajuda recebida do governo, no ano passado, pelo uso das termoelétricas. Essa seria uma saída para o impacto na inflação ser menor. Mas essa não é a única preocupação. Um racionamento poderia afetar o ritmo da atividade industrial, que cresceu apenas 1,2% em 2013, e, consequentemente, causar uma desaceleração no PIB. “Um racionamento será desastroso para a economia brasileira”, afirmou Paulo Roberto Feldmann, ex-presidente da Eletropaulo e professor da Universidade de São Paulo. Embora as autoridades descartem a sobrecarga no sistema, o fato é que as temperaturas recordes vêm provocando saltos no consumo. Em janeiro, a demanda subiu 11,8% em relação ao mesmo mês do ano passado. Em 2013, a alta foi de 3,5%.


Para garantir o abastecimento, o governo acionou as usinas termoelétricas, que hoje representam 28,8% da capacidade instalada no País e servem justamente para evitar problemas em épocas de seca. O problema é que a energia gerada por elas é bem mais cara do que a das hidrelétricas, responsáveis por 63,98% do parque energético. Preventivamente, o Ministério da Fazenda já reservou R$ 9 bilhões para pagar esta conta em 2014, que é bancada pelo Tesouro. Especialistas creem que o custo pode chegar a R$ 15 bilhões, gerando mais um problema fiscal para o governo. Embora o risco de um racionamento de energia seja descartado pelo Planalto, nos moldes do ocorrido entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, analistas acreditam que possa acontecer de forma menos ostensiva.


Na avaliação de Fábio Resende, ex-diretor de Furnas e diretor do Ilumina, as empresas podem desligar parte da rede quando identificam uma demanda maior do que a oferta. “Sob a desculpa de problemas técnicos, fazem desligamentos para economizar”, afirma Resende. “O governo dizer que não tem risco é mentira.” Segundo Feldmann, professor da USP, numa situação de escassez, a primeira medida a ser adotada deveria ser o aumento do preço, para desestimular o uso. Exatamente o oposto do que o governo fez no ano passado, quando baixou a tarifa. “Há um risco muito sério de termos apagões importantes, que vão deixar a população incomodada.”


Economia: a Sabesp, presidida por Dilma Pena, oferece desconto de 30%


na conta de água para quem reduzir o consumo em 20%


SEM ÁGUA A falta de chuvas não é um problema só para os reservatórios das hidrelétricas. No Sistema Cantareira, que abastece nove milhões de pessoas na região Metropolitana de São Paulo, o volume de água é o menor dos últimos dez anos, com 21% do volume total. Uma preocupação e tanto para o governador Geraldo Alckmin, que tentará a reeleição. Para evitar uma queda maior, a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) iniciou no dia 28 de janeiro uma campanha oferecendo um desconto de 30% na conta de quem reduzir o consumo em, no mínimo, 20%. Apesar da escassez, o governo paulista não pensa em racionamento. “Não trabalhamos com essa possibilidade”, afirma Edson Giriboni, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo.


Na semana passada, órgãos como a Agência Nacional de Águas (ANA), a Sabesp e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), de São Paulo, criaram um comitê para monitorar diariamente o nível dos reservatórios e propor medidas para enfrentar a escassez. DINHEIRO tentou contato com os executivos da Sabesp, que não saíam de intermináveis reuniões. A falta de tempo para explicar a situação para a opinião pública é um sinal de que o problema pode ser mais grave do que parece (leia quadro ao final da reportagem). “O Sistema Cantareira está no limite”, diz o engenheiro Benedito Braga, ex-diretor da ANA e presidente do Conselho Mundial da Água. A falta de chuva também terá efeitos sobre os alimentos, reduzindo a oferta e pressionando os preços.


Segundo Celso Luis Rodrigues Vegro, pesquisador do Instituto de Economia Agrícola, as altas temperaturas, combinadas com a baixa umidade do ar, podem reduzir a produção de várias culturas. O pesquisador estima que a safra de café 2014/2015 perderá ao menos 5 milhões de sacas, o equivalente a 10% da produção. “Vai faltar café para o Brasil honrar seus compromissos com o mercado internacional e abastecer o mercado interno.” Além do café, podem ser prejudicadas as produções de milho, soja, cana de açúcar e as pastagens. Para complicar, de acordo com a Climatempo, o calor e a chuva abaixo da média devem continuar em fevereiro na região Sudeste, com melhora somente em março. Nunca as chuvas de verão foram tão desejadas quanto agora. Principalmente pelos governantes, que viraram devotos de São Pedro.


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“O sistema está preparado”


O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, garante que o apagão da semana passada não tem relação com o aumento do consumo.


O que causou o apagão na terça-feira 4? Foi uma sobrecarga?


Não é problema de sobrecarga. Foi uma linha que caiu em Tocantins e reduziu a oferta para o Sudeste. O desligamento automático funcionou e o corte foi limitado a 8% do consumo Sul-Sudeste. Não tem vínculo com o consumo. O sistema está preparado para aguentar um nível de reservatórios menor do que este.


Quantas usinas termelétricas estão ligadas?


Temos uma capacidade instalada de gerar 21 mil MW, e estamos usando pouco mais de 15 mil MW.


Qual será o custo adicional das usinas termelétricas?


Depende de quanto tempo elas ficarem ligadas. Quem tem contrato de longo prazo não pagará nada a mais. Só vai pagar mais quem trabalha no mercado spot ou as distribuidoras que não renovaram os contratos porque vão entregar os ativos em 2015.


Mas no mercado livre o preço disparou…


Mesmo no mercado livre, a maioria das empresas tem contratos de longo prazo. Quem prefere comprar à vista às vezes ganha, mas está sujeito a perder quando o preço sobe.


Pode faltar energia na Copa do Mundo?


O sistema brasileiro está equilibrado. Não teremos nenhum problema. Além disso, o consumo em junho e julho é bem menor. Nosso pico é no verão.

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