NAIRO ALMÉRI
28/06/2009
Uma lavoura de exemplos de sucesso para a cafeicultura
Nas décadas de 1970 e 1980, a pecuária leiteria carregava o choro nas tetas do Governo, por elevação nos preços mínimos. Os pecuaristas telefonavam para jornais e TVs, indicavam o local do “protesto” e derramavam meio balde de leite em praça pública – o suficiente para a televisão filmar – e esperavam felizes pelo dia seguinte. Invariavelmente, via Conselho Interministerial de Preços (CIP), o Governo atendia.
Até que o burocrata CIP acabou. O setor de laticínios se profissionalizou, o país cresceu na qualidade do rebanho, na produção de leite (quase 30 bilhões de litros/ano) e passou a conviver com práticas e gestão integradas. Virou a cadeia do leite.
Na pecuária de corte, onde os maiores problemas eram os abates clandestinos e sanidade (da fazenda aos frigoríficos), as coisas também aprumaram. A cadeia, ontem, é sólida, e o país o maior exportador de carne bovina do planeta. Nos cereais, o milho e a soja (preservadas algumas benesses), também criaram governanças próprias – do plantio e armazenamento ao comércio. O estorvo maior que sobrevive não é por incompetência setorial, mas do Governo: a logística, nas rodovias e terminais portuários marítimos e fluviais.
O café parou no tempo. Ainda na época da Carteira de Exportação do Banco do Brasil (Cacex), que financiava tudo que o país vendia em bens e serviços, até aeroporto no Paraguai, a cafeicultura recebeu, nos anos 80, um tapa com luva de pelica do nascente setor de sucos de laranja. A Cacex tinha peso e pressão que muitos ministérios sequer arranhavam. Aquela divisão do BB oferecia de cafezinho a hospedagens no exterior para os produtores de café – não eram mais barões, mas viviam como xeiques às custas do erário.
Sem aquelas mordomias e ocupando uma sala simples, com apenas um telefone e um telex, surgiram os produtores de laranja. Ousados, determinados e profissionais, não encararam uma Colômbia, nossa eterna rival, montada apenas num marketing de bordo de avião que oferecia “cafe de Colombia” como o melhor. O pessoal da laranja enfrentou, de cara, os Estados Unidos e sua imbatível cadeia de sucos, da Califórnia. ontem, o Brasil é o imbatível .
O senador Fernando Collor (PTB-AL), assim que assumiu a Presidência da República, em janeiro de 1990, deixou órfãos o café e a cana-de-açúcar, extinguindo o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e o IBC (Instituto Brasileiro do Café). Os usineiros, a bem da verdade, tiveram um tratamento “vip” do ex-caçador de marajás. Político forjado nas moendas dos senhores de engenho alagoanos, antes de largar o Governo do Estado, Collor devolveu aos usineiros locais US$ 110 milhões pagos em ICMS.
Duas vezes o BB
Já presidente, em março de 1991, Collor fez o BB liquidar dívida de US$ 85,9 milhões contraída por usineiros de Alagoas no Midland Bank, de Londres.
Evolução
Mas, uma nova geração de usineiros, sob influência dos paulistas, evoluiu. ontem, a cadeia sucroalcooleira está consolidada na área energética, com seus dutos de etanol e tanques de biodiesel. E incomoda o cartel internacional da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que ainda comanda os nervos dos rotores da economia global.
Funcafé
Os cafeicultores também tiveram e têm o seu quinhão. No desastrado Governo Sarney (o do Plano Cruzado, 1985-1990), surgiu o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé – 1986).
Leilões
No início, o fundo engordava as tulhas dos cafeicultores via retorno do confisco físico de parte do produto exportado – armazenado no extinto IBC – e também recursos orçamentários. Em 1989, as cotas foram extintas e vieram as benesses via leilões de compras da Cia. Nacional de Abastecimento (Conab) – estatal federal reguladora do abastecimento.
Mistério
Com o tempo, o Funcafé virou uma caixa preta que os cafeicultores parecem não querer abrir, forma de preservar a pauta de “deveres” da União (do contribuinte). É uma relação patrícia: quanto mais o Tesouro Nacional libera dinheiro para o Funcafé, mais deve. Nas crises (de mercado), do pós-IBC, ficou comum os cafeicultores baterem no peito, para assustar tecnocratas do Governo, e bradar mais ou menos isto: o Funcafé foi feito com o nosso patrimônio!
Querem dobro do prazo – 20 anos
Os cafeicultores ignoraram que a União, via Tesouro e IBC, lhes deu tudo: assistência técnica, armazéns e tutela nas exportações. O jogo político transformou o tal “patrimônio” em algo perene, pois, mesmo com a corrosão das crises, ele não acaba.
Nestes dias, o país é servido com mais um melodrama no setor, liderado pela cafeicultura da Mogiana, que levou uma caravana até Brasília. Na véspera, já contabilizavam R$ 1,8 bilhão, do Funcafé (R$ 2,3 bilhões, em 2008). Depois, em Londrina, o presidente Lula fez um PAC para a agricultura: R$ 107, 5 bilhões para safra 2009/10.
Os empresários da cafeicultura esperneiam porque dia 30 expira o prazo para entrega, no BB, da proposta de renegociação da dívida e reembolso de 10 anos, conforme o Artigo 8º da Lei nº 11.775, de 2008, que trata dos meios para a renegociação ou liquidação do crédito rural inscrito na Dívida Ativa da União. Os cafeicultores querem prazo de 20 anos – o dobro –, abatendo na razão de 5% da produção anual.