Uma indústria chamada agricultura :: Maurício Antônio Lopes
Presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
Em 1960, a pauta de exportações agrícolas do Brasil reunia cerca de 40 produtos e rendia US$ 8,6 bilhões, em valores de 2012. café em grão (63% da renda), cacau, açúcar demerara, algodão, madeira de pinho serrada, sisal, fumo, castanha do Pará, manteiga de cacau e cera de carnaúba eram os itens mais importantes. Soja, milho e carne in natura eram exportações residuais. Não se exportava álcool, carne de frango ou suco de laranja.
Mesmo o café, apesar de já se usar insumos modernos, era, na maior parte do Brasil, uma agricultura extrativista, com mínimo processamento e baixíssimo aporte tecnológico. O Brasil ensaiava a industrialização, com suas etapas de transformação intensivas em agregação de valor, e já cultivava o sentimento, com algum preconceito, de que era mais nobre e moderno exportar bens industrializados do que produtos básicos. Mas eram as exportações de produtos básicos que financiavam a modernização da economia.
De 1960 a 2012, a pauta de exportações do agronegócio cresceu: mais de 350 itens, quase US$ 96 bilhões. Parte disso veio da venda de bens industrializados. Só farelo e óleo de soja, açúcar, etanol, celulose, papel e suco de laranja renderam US$ 32 bilhões. Parte veio de bens primários: soja, milho, café cru, algodão em pluma, fumo e carnes in natura renderam mais de US$ 46 bilhões.
A multiplicação de itens e do valor tem a mesma explicação: densidade tecnológica. O desenvolvimento tecnológico da agricultura ampliou a oferta de produtos tradicionais, como milho e café, e adaptou, com sucesso, novos cultivos e criações, como a soja, a maçã e o frango de granja. A modernização da agroindústria diversificou tanto o aproveitamento de matérias-primas, que hoje se exporta itens tão inacreditáveis como “resíduos de café” e “desperdícios de couro”, ou de algodão, ou de seda.
A principal mudança foi no processo de produção agrícola, hoje tão diferente daquele de 1960, que perde sentido distinguir produto básico de produto industrializado. Um grão de café não é mais “extraído” da natureza. É construído, é industrializado. A planta e o animal são monitorados, pois são “usinas” processadoras. Sabe-se tanto sobre suas relações com o solo, a água, os insetos e os microorganismos, que a quantidade e a qualidade do grão e da carne são “contratadas” quando se decide que insumos usar. A agricultura de agora é uma “indústria”.
É o que mostram estudos da Embrapa: o que causa 68% desse crescimento na produção agrícola são os insumos industrializados, como fertilizantes, defensivos, catalisadores etc. Outros 22% resultam do trabalho realizado, boa parte por tratores, plantadeiras, colheitadeiras e ordenhadeiras. Ou seja, hoje, mais de 80% de cada grão ou gota de leite se devem a bens industrializados, com todo o valor agregado que eles carregam.
Ademais, cada tonelada de grão ou fibra vendida no país ou no exterior sustenta um bom pedaço da indústria de insumos, de máquinas e equipamentos, de embalagens, dos serviços de logística de armazenagem e distribuição, e assim por diante. Cadeia produtiva é, pois, um conceito que explica melhor o valor de um produto, pois revela seu impacto na produção de outras riquezas.
O preço final nem sempre é boa métrica para aferir o valor agregado de um produto básico. Pois o esforço de melhoria tecnológica busca, sobretudo em bens como soja ou petróleo, reduzir o preço por unidade, para se ter menor impacto no custo final dos subprodutos e ampliar a demanda, compensando eventuais perdas.
No fundo, o que interessa é o saldo de riquezas que resulta da exportação de um bem. De pouco adianta exportar um bem industrializado, se sua produção consumiu insumos importados caros e o saldo comercial for deficitário. Por isso, é lucrativo exportar produtos básicos. Sua densidade tecnológica gera saldos comerciais elevados. Desde 1990, as exportações industriais e de serviços brasileiras amargaram um deficit de US$ 397,66 bilhões, a preços de 2012. A agricultura acumulou um saldo positivo de US$ 828,8 bilhões. De novo, financiou a indústria.
Não apenas por essa razão, países plenamente industrializados subsidiam sua produção e exportação agrícola. Os países sabem que, sem a garantia de alimentos e energia, não há segurança nacional. Guerras de conquistas de territórios sempre foram feitas para garantir comida e energia. A produção e exportação agrícola nutrem a paz. É intangível. Mas as pessoas sabem o valor agregado que isso tem.