25/11/2006 05:11:11 –
O Súdito, que será lançado na terça, conta histórias polêmicas, tocantes e reveladoras sobre a imigração japonesa no Brasil
Por Ari Schneider
Massateru Hokubaru, nascido em Okinawa, tinha 13 anos quando foi mandado para o Brasil, acompanhando um jovem casal de tios, com a missão de juntar o dinheiro necessário para salvar sua família, outrora ilustre e próspera, de uma situação próxima da miséria. Sem falar uma palavra de português e sem ter do país de destino uma idéia menos irrealista que a de um lugar onde se colhia dinheiro nos cafezais em que iria trabalhar (como sugeria a propaganda destinada a incentivar a imigração), Massateru partiu do porto de Kobe em 25 de abril de 1918. Espremido no compartimento de carga do navio Wasaka Maru, só chegou a Santos 49 dias depois, ao fim de uma viagem em que morreram 60 dos 1.579 imigrantes a bordo, na maioria vítimas de meningite, outros de intoxicação alimentar.
Nunca voltou ao Japão e nunca juntou dinheiro. Ao contrário, sempre teve enormes dificuldades para sustentar a família que constituiu aqui, depois de casar com a imigrante Fussako Asato, vinda alguns anos depois dele e que lhe deu sete filhos, dos quais o próprio Massateru fez o parto (o terceiro, Yotchan, morreu de difteria, aos 4 anos, quando a família vivia numa chácara no bairro dos Machados, em Araraquara). Além dos filhos próprios, o casal adotou outros dois, de uma sobrinha assassinada por um agregado da família, na mesma chácara de Araraquara em que moravam então.
Ao morrer de câncer, em 1966, não deixou bens – nem dívidas – mas todos os seus filhos estavam criados, seis deles cursando ou a caminho do curso superior. O mais velho, Massayuki, formado economista, lhe dera ademais o supremo orgulho de se tornar oficial do Exército Brasileiro, com a carta-patente assinada pelo próprio presidente Juscelino Kubitschek. É a vida de seu pai Massateru que Jorge J. Okubaro conta em O Súdito (Banzai, Massateru!), que será lançado na terça-feira pela editora Terceiro Nome, uma trajetória de percalços em todas as profissões que experimentou depois de fugir, literalmente, da fazenda de café no interior de São Paulo onde trabalhava, em condições medievais, desde sua chegada ao Brasil.
Tentou a sorte plantando algodão, foi sorveteiro, chacareiro, feirante e tintureiro, numa seqüência de episódios entremeados por acontecimentos marcantes desse período: a 1ª Guerra Mundial, a Revolução de 30, o Estado Novo e a 2ª Guerra, esta com todo o impacto que a participação do Japão no conflito teria sobre os imigrantes japoneses no Brasil. Entre eles Massateru, que, sempre muito falante e chegado a uma polêmica, logo se engajou na Shindoo Renmei, organização semiclandestina formada por imigrantes que não aceitavam a versão de que o Japão havia perdido a guerra.
Na verdade, para grande parte dos súditos japoneses (incluídos os que viviam no Brasil), sinceramente convictos das origens divinas do império, sua derrota na guerra era algo que não fazia sentido. Os militantes da Shindoo Renmei (algo como Liga dos Caminhos do Imperador) organizavam reuniões em que tratavam de difundir notícias triunfalistas sobre supostas vitórias japonesas nos combates. Os mais radicais foram além e passaram a ameaçar aqueles que acreditaram na rendição do Japão, a quem chamavam de makegumi (derrotistas). Vários destes foram alvos de atentados, alguns assassinados.
O envolvimento com a Shindoo Renmei custou a Massateru algum tempo na cadeia e seu enquadramento naquele que foi o processo mais amplo na história da justiça brasileira até então, com 470 denunciados e que se arrastou por mais de 12 anos, até acabar prescrito, em junho de 1958. Mas lhe valeu, também, a oportunidade de se tornar personagem central de um livro, pois foi ao fazer para o Jornal da Tarde uma resenha de Corações Sujos, de Fernando Moraes, relato voltado para os atos mais violentos daquela organização, e em suas páginas encontrar referências a seu pai, que Jorge Okubaro teve a idéia de escrever O Súdito.
Ao contrário de Fernando Moraes, no entanto, que concentrou seu foco nos militantes que cometeram crimes de sangue (não foi o caso de Massateru), Jorge preferiu avaliar o fenômeno a partir dos adeptos anônimos da organização, que, segundo a polícia de São Paulo, chegou a mobilizar mais de 90 mil japoneses nos núcleos de imigrantes espalhados pelo Estado e também na capital. Quem eram esses japoneses? O que pensavam? Por que, sendo tão alguns tão instruídos, aderiram a uma idéia tão estapafúrdia como a de que o Japão vencera a guerra? Respostas no livro.