Chineses erguem até ferrovia no Himalaia para resolver os gargalos de infra-estrutura
EXAME No início de outubro, o governo chinês terminou a construção da ferrovia que é uma das mais espetaculares obras de engenharia realizadas nos últimos tempos. A nova linha custou 3,2 bilhões de dólares e exigiu quatro anos de trabalho. Durante esse período, um exército de 100 000 operários se revezou em três turnos diários. O trajeto de 1 900 quilômetros começa em Qinghai, no coração do país, e segue em direção sudoeste, contornando a cordilheira do Himalaia para terminar na província do Tibete. Ao longo do percurso foram feitas 286 pontes — a maior delas com quase 12 quilômetros de extensão. Nada menos que dois terços da obra estão localizados a mais de 4 000 metros de altitude. Apesar das dificuldades, o governo chinês não mediu esforços para viabilizar o projeto, por considerá-lo fundamental para o desenvolvimento econômico do interior do país e da província do Tibete. “Até o Dalai Lama foi a favor da obra”, diz o jornalista italiano Federico Rampini, autor do livro Il Secolo Cinese (“O século chinês”, em português).
A ferrovia QinghaiTibete faz parte de um grande pacote de melhorias em infra-estrutura do governo do presidente Hu Jintao (veja quadro ao lado). Somente nessa área foram injetados 400 bilhões de dólares nos últimos cinco anos. Isso representa média anual de gastos de 80 bilhões de dólares, ou 40 vezes mais o montante que o Brasil vem investindo no setor. Uma das obras fundamentais em andamento na China é a hidrelétrica Três Gargantas, às margens do rio Yangtsé. Com previsão de término em 2009, será a maior usina do mundo. O rio Yangtsé, aliás, está no centro de outro investimento monumental — o que prevê a transposição de uma parte de suas águas para a região norte do país, castigada por secas permanentes. O governo também vem investindo pesado na melhoria das rodovias e na ampliação de aeroportos, como o de Pequim, que irá ganhar um novo terminal até 2008. “A China está deixando para trás uma estrutura de Terceiro Mundo para se igualar a países desenvolvidos”, diz Saturnino Sérgio da Silva, diretor do Departamento de infra-estrutura da Fiesp.
Os pesados investimentos na área são fruto do rápido crescimento econômico do país. A necessidade de desenvolvimento gerou enormes gargalos que estão sendo enfrentados agora pelo governo. O principal deles encontra-se na área de energia. Das 27 províncias, 24 vêm sofrendo blecautes constantes nos últimos cinco anos. A situação obrigou a tomada de algumas medidas de emergência. O governo chinês importa hoje 5% do total de energia consumida no país e as empresas vêm investindo na compra de geradores a diesel. A situação só deve melhorar com o término de obras como a hidrelétrica Três Gargantas. A área viária também vem demandando investimentos urgentes. Do 1,8 milhão de quilômetros de estradas, apenas 20% estão pavimentados. No universo das ferrovias, mesmo com o término da QinghaiTibete, ainda há problemas. A malha ferroviária passou de 68 000 quilômetros em 1990 para 79 000 quilômetros em 2004 — muito pouco para um país que tem nos trens o seu principal meio de transporte.
Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde os gargalos de infra-estrutura ainda não merecem a devida atenção, na China os problemas nessa área são enfrentados de forma quase obsessiva pelo governo. Quando iniciou o processo de abertura econômica, em 1978, Deng Xiaoping introduziu nos chamados Planos Quinqüenais a noção de que era preciso investir no alargamento da malha viária, na modernização dos transportes e na geração de energia para sustentar um crescimento da ordem de quase 10% ao ano. “Eles entenderam bem antes do Brasil que existe uma relação direta entre crescimento e qualidade da infra-estrutura do país”, afirma o especialista em logística Paulo Fleury, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Além de se planejar melhor para enfrentar os gargalos de infra-estrutura, a China tem dois aspectos que favorecem a atuação do governo nessa área. Um deles é a questão dos financiamentos das obras. O país conta com a maior poupança do mundo — 700 bilhões de dólares — e os bancos estatais fazem empréstimos para a construção de obras a juros subsidiados de 2,5% ao ano. Outro ponto, este negativo, é que os chineses simplesmente atropelam as questões ambientais envolvidas na construção de grandes obras. Nesse aspecto, o país é o extremo oposto do Brasil, onde as licenças do Ibama costumam atrasar por muitos anos a construção das hidrelétricas. “Um meio- termo entre os dois é o desejável. Nem tão rápido quanto na China nem tão devagar quanto no Brasil”, diz Fleury.
Durante o início da construção do reservatório de Três Gargantas, em 2001, mais de 1 milhão de pessoas foram transferidas, à força, pelas autoridades chinesas. A inundação de florestas e sítios arqueológicos foi criticada no mundo inteiro. Só recentemente a preocupação com essas questões entrou em pauta. O episódio que é considerado um marco ocorreu em janeiro deste ano, quando o governo suspendeu por seis meses o início da construção da hidrelétrica de Jinshajiang, na província de Yunnan, até a comprovação de que seu impacto ambiental não seria catastrófico. Foi a primeira grande demonstração de que os chineses estão empenhados em conciliar progresso e conservação da natureza. Um equilíbrio que o Brasil também precisa encontrar.
Investimentos pesados | ||||
Conheça as principais obras que estão sendo realizadas pelo governo chinês para melhorar a infra-estrutura no país | ||||
Projeto | Transposição das águas do rio Yangtsé | Hidrelétrica Três Gargantas | Ferrovia Qinghai Tibete | Ampliação do aeroporto de Pequim |
Objetivo | Levar água do sul para a região norte, marcada por secas permanentes | Produzir quase 10% de toda a energia consumida na China | Integração do oeste chinês por meio do transporte de mercadorias e exploração do turismo | Receber 60 milhões de passageiros por ano, mais que o dobro da capacidade atual |
Término | 2050 | 2009 | 2005 | 2008 |
Custo | 62 bilhões de dólares | 24 bilhões de dólares | 3,2 bilhões de dólares | 2 bilhões de dólares |