18 de abril de 2012 | 22h 21
Bastava um coador de pano e espiriteira para se ‘passar’ um cafezinho… Hoje o café ficou complexo, ganhou ‘buquê’, degustação. Existe até um mestrado em ciências de café – e 5 brasileiros estão no seleto grupo de 20 que faz o cursobusca no paladar
Jamil Chade/AE – Paladar O Estado de São Paulo
TRIESTE – Eles falam várias línguas, correram o mundo, têm nível universitário e estão preocupados com o meio ambiente. É a nova geração de jovens cafeicultores brasileiros, distante da imagem secular de produtores que raramente deixavam suas terras.
Em Trieste, 5 brasileiros estão entre os 20 selecionados para o único mestrado em ciências do café existente no mundo. Praticamente todos vêm de famílias produtoras de café ou com alguma relação direta com o setor. Mas, como mesmo alguns deles admitem, o novo mundo e a concorrência vão exigir novos profissionais.
O café chegou ao Brasil oficialmente em 1727, quando plantas foram levadas da Guiana Francesa para Belém. Menos de dez anos depois, a exportação para Portugal já começava. Mas levaria pelo menos mais 50 anos para a produção ganhar volume, depois de ficar provado que as condições no Norte e depois no Nordeste não eram as apropriadas.
A história do impacto da planta na economia nacional mostraria nas décadas seguintes a importância do café para a política e as contas do País. Surgiram os barões do café e, desde 1890, o Brasil lidera a produção no mundo. A planta por décadas definiria grande parte da estrutura econômica do País, sua política externa e mesmo quem governava. Em 1955, o café chegou a representar 78% de toda a receita de exportações brasileiras.
Se a história do produto está interligada à história do Brasil, os novos cafeicultores sabem que o mundo mudou. “Se não estivermos preparados, seremos devorados”, afirmou Marco Carneiro Mammana, um dos estudantes, da família dos proprietários da Casa do Pão de Queijo.
Caetano de Carvalho Berlatto, cuja família planta café no interior da Bahia, destaca o caráter multidisciplinar do mestrado. “Saímos com a dimensão de todo o setor do café e não só da produção”, disse. A mineira Glauce de Fernandes é bisneta de cafeicultores e foi fazer o curso a pedido do pai, que hoje dirige a produção de café da família.
O curso está em seu segundo ano, mas começa a ganhar reconhecimento internacional. Os brasileiros compartilham as salas de aula com estudantes de outros países produtores de café, também em busca de agregar valor a sua produção. São colombianos, peruanos, guatemaltecos, etíopes e indianos. O Banco Mundial dá uma bolsa ao ano para um estudante de um país pobre, na esperança de criar um profissional que permita levar o conhecimento de volta a sua comunidade. Neste ano, o escolhido foi do Burundi.
Para Roberto Morelli, diretor da Universidade do Café, o que o mestrado garante é um conhecimento profundo de todos os aspectos do setor cafeeiro. “Há muita gente especializada em uma parte da história. São profundos conhecedores dos grãos, ou das máquinas, ou de marketing. Mas aqui queremos formar profissionais que conheçam tudo. O setor do café está mudando radicalmente e queremos formar especialistas na cadeia produtiva”, explicou.
O mestrado é certificado pela Universidade de Trieste e de Údine, mas promete ganhar um novo status em 2012. A Universidade Cambridge está prestes a fechar um acordo para enviar professores à Itália e também colocar o curso em seu currículo, um dos mais prestigiados do mundo.
Q Grader
Título que um provador recebe após uma bateria de testes aplicados pela Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA). O Q Grader (Q vem de quality) é habilitado a trabalhar com classificação em qualquer país produtor – mas refaz a prova a cada dois anos, para recalibrar os sentidos. “É uma certificação muito difícil, que testa o limite sensorial ao extremo”, explica Isabela Raposeiras.
Coffee Hunter
Garimpa variedades novas com pequenos produtores, que trabalham de forma quase artesanal. Costuma ter formação acadêmica multidisciplinar (bioquímica, engenharia de alimentos) e boa vivência no campo, onde vê o que acontece na lavoura e no processo de secagem. Também destrincha as variações de cada safra. É um profissional raro e valorizado.
Barista
É quem prepara a bebida. Além do expresso, pode usar outros métodos, elaborar drinques e fazer desenhos na espuma de leite (latte art; como os feitos nesta página pela barista Luciana Digna, do Il Barista). “Um bom barista é como um bom mâitre, ele olha o cliente e sabe o que pode sugerir: se fica nos mais fáceis ou indica algo diferente”, diz o especialista Ensei Neto.
Degustador
Responsável por fazer a prova do café, atua em várias etapas da produção. Pode avaliar a safra de uma fazenda, auxiliar uma indústria torrefadora na compra de grãos ou degustar amostras já torradas do lote que está sendo vendido a uma cafeteria. Na prova, examina doçura, amargor, adstringência, presença de grãos imaturos e outros possíveis defeitos.