Torrefadoras mudam blends do café após ataques no Mar Vermelho

Tensão na área dificulta escoamento do grão do Vietnã e faz conilon disparar, estimulando maior uso do arábica na composição da bebida no Brasil

11 de março de 2024 | Sem comentários Comércio

Por Globo Rural

Os blends do café que você encontra nas gôndolas do varejo e nas cafeterias do Brasil estão mudando e as causas moram na Ásia. As torrefadoras brasileiras usam, em geral, cerca de 60% de café arábica no blend e o restante de conilon (robusta), para encorpar a bebida. Mas desde o fim do ano passado, há mais arábica nos blends porque o conilon, tradicionalmente mais barato, disparou no mercado internacional — na última quinta-feira (07), os contratos bateram recorde na bolsa de Londres.

Com isso, já há torrefadoras usando 65% de arábica no blend. E especialistas avaliam que esse percentual pode subir mais. O que tende a encarecer a bebida para o consumidor.

As dificuldades que o Vietnã, maior produtor mundial de café robusta, tem enfrentado para escoar o grão pelo Mar Vermelho por causa dos ataques de rebeldes houthis do Iêmen, são o principal motivo para o alta no mercado internacional. Mas pesa também a menor colheita nesta safra.

Além de diminuir a diferença de preços entre o arábica e conilon, a alta das cotações tem estimulado as exportações de conilon brasileiro, até porque existe demanda pela espécie no mercado diante dos entraves aos embarques do café do Sudeste Asiático.

“Hoje, de um modo geral, o Brasil já trabalha com uma composição de 65% arábica e 35% de conilon no blend, quando até ano passado era de 60% e 40% para cada espécie, respectivamente”, afirma o analista da Pine Agronegócios, Vicente Zotti.

Segundo ele, ontem, a diferença (arbitragem) entre o conilon e o arábica estava em 36,90 centavos de dólar por libra-peso. Em dezembro, essa diferença era de 66 centavos de dólar por libra-peso. O cálculo considera os contratos futuros do arábica, cotados na bolsa de Nova York, e os lotes de conilon na bolsa de Londres.

O diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Café (Abic), Celírio Inácio, afirma que a diferença entre o valor do conilon e do arábica era de cerca de 20%, mas caiu para 4% devido à qualidade que o conilon foi ganhando.

Esse “encurtamento” na arbitragem vem acontecendo desde setembro de 2023, segundo Zotti. Para o analista, se o arábica ficar mais competitivo e a demanda pelo conilon avançar, o teor de arábica nos blends nacionais pode chegar a 70%.

Uma torrefação paulista já vinha operando com 100% arábica no fim de 2023, aproveitando a pequena diferença de preços, conta o analista.

O diretor da MM Café, Marcus Magalhães, avalia que o aumento na quantidade de arábica no blend é um caminho natural da estratégia da indústria no curto prazo, mas no futuro, a composição deve ficar em 50% de conilon e 50% do arábica, porque os preços mais altos e a arbitragem menor devem permanecer.

“Entre 2020 e 2021, o movimento do Vietnã mais agressivo [na exportação] não permitiu que o Brasil exportasse tanto. Quando chegamos em 2023, os problemas da Indonésia e Vietnã pressionaram as cotações na bolsa de Londres, fazendo com que o grão do Brasil virasse opção no mercado”, afirma.

Ele lembra que, ano passado, a saca de 60 quilos de conilon custava R$ 620 no país — hoje está na casa dos R$ 860. “Dificilmente haverá uma baixa do conilon a curto prazo, tanto na bolsa de Londres, quanto nas praças brasileiras”, diz.

Segundo levantamento da Pine, ontem, o preço do conilon em Vitória (ES) estava em cerca de

R$ 870,00, enquanto o arábica era negociado a R$ 890,00 na mesma praça. A diferença dos preços é pequena e, embora a indústria não admita, a mudança de blend é estratégica.

Isso porque a tendência é haver menos oferta de conilon no mercado doméstico, já que existe demanda pelo produto no exterior atualmente.

Luiz Carlos Bastianello , presidente da Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel (Cooabriel- ES) confirma que a procura pelo conilon se acentuou nos últimos dois meses. “Os números comprovam que o Brasil tem potencial para atender o salto da demanda, inclusive pela melhoria da qualidade”, afirma. Em 2023, a cooperativa do maior Estado produtor de conilon do país exportou 400 contêineres do grão, alta de 28% sobre o ano anterior.

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