Estudos realizados pelo Banco Mundial e pelos principais agentes institucionais no mundo e no Brasil e discussões realizadas durante a 2ª Conferência Mundial do Café definem claramente que o mercado cafeeiro passará perto da qualidade tanto dos segmentos voltados para a produção de cafés diferenciados com quantidade, quanto daqueles voltados para a produção de cafés diferenciados com especificidade. Ambas vertentes conduzem à tomada de ações importantes, principalmente no nível do produtor, que precisa readequar-se às chamadas boas práticas de produção (preliminarmente), para atender o novo mercado que ora se configura.
Qualidade é um fator determinante para a sobrevivência e é uma condição irreversível para competitividade no mercado. Contudo, parece que esta realidade para muitos ainda apresenta-se como uma fronteira distante, principalmente quando lida-se com processos de certificação. Ao passo que a certificação diferencia e atesta qualidade do processo, ela torna-se excludente pelo seu custo de acesso. Infelizmente, o cenário que se desenha mais à frente para a maioria é o de exclusão, ante a convergência do mercado para as normas internacionais voltadas à produção de cafés de altíssima qualidade.
Cafés diferenciados, produzidos dentro de normas que preservem a sanidade e rastreabilidade dos grãos são uma exigência cada vez maior dos consumidores que, sem dúvida, já mobilizam a indústria de café, especialmente a nacional, que realmente são os grandes compradores de todo o café produzido no mundo. Não coordenam a cadeia, apenas seguem as tendências de mercado ditadas por consumidores que cada vez mais detêm informações e anseiam por produtos saudáveis que mantenham sua qualidade de vida.
Por outro lado, lidamos com o investimento limitado em marketing de origem e respectivamente com o problema de formação de preços que muitas vezes também engessa o desenvolvimento de uma forma mais intensiva deste foco na qualidade na lavoura. Sem recurso, não há investimento, nem acesso a crédito (dispensando aqui comentários sobre as taxas de juros do país).
Faltou marketing no passado e continua faltando. Não temos um rosto e nem um Juan Valdez para dizer quem somos e o que de fato produzimos. Nosso posicionamento não é agressivo como o dos centro-americanos e dos colombianos. Cita-se como exemplo mais recente a avaliação da instalação de uma cafeteria com a marca Juan Valdez no Brasil, pela Federação dos Cafeicultores da Colômbia. De quem é a culpa desse atestado de incompetência nacional? Do extinto Instituto Brasileiro do Café, dos agentes institucionais, da política cafeeira que ainda não se encontrou mas já está fazendo alguma coisa, da perda da representatividade da cafeicultura no contexto de formação da balança comercial nacional nas últimas quatro décadas ou de cada um de nós que fica a espera que o outro faça pela gente?
Um bom marketing institucional de origem é formado por um conjunto de atributos e que no caso do café, supera a fronteira da qualidade do grão em si. Depende de certas chancelas internacionais, como por exemplo o reconhecimento da origem. Há um pouco mais de sete décadas que o Brasil tenta o reconhecimento do café brasileiro como origem no contrato “C” negociado na Bolsa de Nova York, sem êxito. Sem este reconhecimento, o café nacional continuará a ser submetido às oscilações de preço negociados em bolsa. Essas oscilações dependem da formação dos números relacionados à previsão de safra, oferta e o consumo mundial, bianualidade, existência ou não de fatores climáticos e a contínua ação de investidores e fundos de pensão, os quais comumente contrariam as análises técnicas. 2006 neste aspecto, pelo menos promete ser um ano que deixará o cafeicultor mais feliz, considerando que as projeções de preço são otimistas, ante a possível escassez de café que vem se delineando no mercado internacional: consumo mundial de 118 milhões de sacas, contra uma produção mundial estimada em 105 milhões (dados da Organização Internacional do Café, 2005).
Em função disso, hoje fala-se em renovação do parque nacional como forma a garantir a permanência brasileira no curto prazo, como principal país produtor e fornecedor de café no mundo. Fica o recado para que esta renovação dê-se dentro de um foco estratégico voltado à qualidade. Basta observarmos as mudanças profundas que vem sendo promovidas no mercado brasileiro pela indústria e setor de serviços. Não plantemos por plantar, porque é certo que essa demanda uma hora se estabilizará novamente e o excedente de oferta gerará mais instabilidade de preços também, ainda que o lastro de consumo que vem sendo desenvolvido no Brasil – 21 milhões de sacas até 2010 se confirme. E o problema mais uma vez ficará nas mãos do produtor, se faltar o tal olhar estratégico. É o que a história da cafeicultura nacional conta.
Poder-se-ia ir além nas reflexões, mas concentremo-nos nestas aqui postas, em razão do seu impacto e relevância para os novos rumos da cafeicultura brasileira. Que a partir delas, seja possível a ação necessária para que nos adequemos ao novo cenário, sem mais uma vez deixar que o trem da história e do mundo dos negócios nos ultrapasse novamente. Reflitamos e olhemos para frente, deslumbrando um futuro grandioso e bem-sucedido.
Mara Luiza Gonçalves Freitas, Especialista em cafeicultura empresarial e mestre em administração (Ufla) maracafe@uai.com.br