Tecnologia limpa: Novo processo elimina poluição da água e gera energia

Por: Revista Minas Faz Ciência



 







Laboratório da Ufla com unidades em escala de bancada, onde são realizados testes com efluentes de laticínios, suinocultura e cafeicultura

Reduzir, reutilizar e reciclar são as novas leis do mercado. As pequenas, assim como as grandes empresas, também tiveram de se adequar a esse novo cenário, marcado por uma rígida legislação ambiental e pelo alto custo da matéria-prima. No ramo da agroindústria não acontece diferente. A preocupação com o meio ambiente e com o aumento da produtividade passou a orientar a busca por novas tecnologias que, incorporadas aos processos tradicionais, otimizem a capacidade competitiva.

Entre os trabalhos que surgem para suprir essa demanda destaca-se o do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), unidade de pesquisa avançada, resultante do convênio entre a Universidade Federal de Lavras (Ufla) e a Global Ciência e Tecnologia (CGT), empresa de base tecnológica. O projeto, desenvolvido por uma equipe multidisciplinar, apresenta uma nova alternativa para o tratamento de águas residuárias agroindustriais derivadas, por exemplo, da produção de laticínios, do beneficiamento do café e da suinocultura. Além da água limpa, o processo gera energia na forma de biogás.

A pesquisa é fruto de uma parceria bem-sucedida entre a empresa de base tecnológica, a universidade e as indústrias beneficiadas. A FAPEMIG participa como catalisador do sistema de produção tecnológica através de seu apoio financeiro. Nesse modelo empreendedor, referência de desenvolvimento social, econômico e ecológico sustentável, cada parceiro contribui com aquilo que tem de melhor e, no fim, todos saem ganhando.

A indústria de alimentos movimenta cerca de 70 bilhões de dólares por ano no Brasil. O segmento mais importante desse setor é o de laticínios, que responde por, aproximadamente, 15 bilhões desse total. Existem, em média, cinco mil laticínios no País, 50% deles localizados em Minas Gerais. Desses, 80% correspondem a micro e pequenas empresas que, em sua maioria, não realizam o tratamento das águas residuárias, principalmente pela carência de tecnologias compatíveis com a realidade do parque industrial mineiro. Quando despejadas em locais impróprios sem os cuidados prévios necessários, o resultado pode ser desastroso para o meio ambiente. Nos rios, por exemplo, a gordura e os outros detritos produzidos pela indústria provocam a proliferação de microorganismos que consomem o oxigênio da água e,em situações críticas, causam grande mortandade de peixes.

Hoje, porém, os consumidores estão atentos não somente à qualidade do produto oferecido, mas também às ações das empresas em outros campos, como o ambiental. “Adequar-se à legislação é uma questão de sobrevivência. Mas para garantir o bom desempenho e o atendimento às normas legais, é necessário a adoção de procedimentos que sejam condizentes com a realidade estrutural e organizacional das pequenas indústrias”, argumenta o engenheiro José Guilherme de Figueiredo, diretor da GCT. O trabalho envolveu a adequação de tecnologias já existentes, mas limitadas a poucos devido ao alto custo, em conhecimento aplicável e acessível às microempresas do setor agroindustrial.

O projeto “Tratamento biológico e enzimático de águas residuárias, agroindustriais e domésticas através de reatores anaeróbicos de última geração” já recebeu prêmios regionais, nacionais e internacionais. Dentre eles, o Prêmio Inovação Tecnológica 2000 Sebrae/MG – Empresa Inovadora de Minas Gerais. No âmbito acadêmico, a pesquisa rendeu teses de doutorado, mestrado, monografias, trabalhos científicos e seminários. A parceria entre empresa e universidade resultou também na criação do Grupo de Pesquisa Tecõ (natureza, em tupi-guarani), que busca novas parcerias com a indústria através de uma equipe multidisciplinar.








Água limpa e energia

Unidade-piloto de tratamento de águas residuárias, localizada no Distrito Industrial de Lavras e, no esquema ao lado, o processo passo a passo
O método de tratamento de águas residuárias agroindustriais utilizado pela equipe é a variação de uma tecnologia que surgiu na Holanda para cuidar de esgotos domésticos e industriais. Cláudio Milton Montenegro Campos, professor do Departamento de Engenharia da Ufla, explica que, a fim de disponibilizar o processo para pequenos e médios empresários, foram necessárias adaptações e inovações, algumas em processo de patenteamento pela Ufla e GCT. Como as primeiras unidades de tratamento foram planejadas para laticínios, as mudanças variam de acordo com o produto final.







Unidade-piloto de tratamento de águas residuárias, localizada no Distrito Industrial de Lavras e, no esquema ao lado, o processo passo a passo
A água que sai do laticínio está misturada com sólidos orgânicos, gordura e outros produtos usados na fabricação de queijos. Ela passa por caixas de retenção de areia e gorduras, etapa conhecida como tratamento preliminar. Em seguida, a água é conduzida para um tanque de equalização, que tem a função de uniformizar a concentração de material orgânico e quebrar os compostos e substâncias mais complexas. Ela vai, então, para o reator UASB (Upflow anaerobic sludge blanket), onde bactérias anaeróbicas (que não precisam de oxigênio) transformam a matéria orgânica em lodo e biogás.

A água passa, ainda, por um tratamento aeróbio e, se preciso, por um filtro de areia. Depois do processo, a água sai praticamente livre de impurezas e pode ser reutilizada na indústria ou na ferti-irrigação.

A diferença marcante entre esse e o tratamento através de bactérias aeróbicas (que dependem de oxigênio), o mais utilizado atualmente, está nos produtos gerados. No primeiro caso, a produção de lodo é menor, o que permite sua venda como biofertilizante. “No processo aeróbico, o destino final da grande quantidade de lodo é um problema para o produtor”, conta Montenegro. O consumo de energia é outro diferencial. Bactérias aeróbicas necessitam de um a dois miligramas de oxigênio por litro de água para manter o sistema funcionando, o que é fornecido por um aparato elétrico. No reator anaeróbico desenvolvido pelo NIT, o próprio biogás produzido pode ser utilizado como fonte de energia para o sistema, tornando-o auto-suficiente. Os empresários podem escolher, também, utilizar o biogás para alimentar caldeiras e geradores de eletricidade dentro da indústria, diminuindo os gastos com energia. As aplicações são várias. O professor do Departamento de Engenharia da Ufla, Fábio Moreira da Silva, estuda, por exemplo, sua aplicação nas pequenas propriedades rurais. Uma válvula criada e patenteada pela equipe permite o uso alternado do biogás e do óleo diesel em tratores e outras máquinas. Ele calcula que a economia de diesel chegue a 75%.

Parceria Inteligente







Os pesquisadores Claudio Milton Montenegro Campos, Cláudio Gouveia Botelho e o diretor da GCT, José Guilherme de Figueiredo.
A tecnologia para tratamento de águas residuárias na agroindústria foi desenvolvida a partir de uma parceria batizada pelo grupo de pesquisadores como modelo empreendedor tripartite ou hélice tríplice. Conceito inovador, o modelo envolve a participação de três atores fundamentais que, através da combinação de suas competências inatas, garantem o sucesso do empreendimento.

A primeira personagem é a universidade ou o centro de pesquisa, que oferece o conhecimento científico básico e as idéias inovadoras. Em seguida aparece a empresa de base tecnológica, responsável pelo espírito empreendedor, visão empresarial e capacidade de transformar idéias em produtos e processos de acordo com a demanda do mercado e a realidade do parque industrial. E por fim existe a indústria, que entra com o foco no processo de produção em si. Agências de fomento, como a FAPEMIG, têm o papel de dinamizar o processo através do apoio financeiro. O projeto da GCT, por exemplo, recebeu, entre outros, o apoio da Fundação através do Programa de Apoio a Micro e Pequenas Empresas de Base Tecnológica/2002 (Promitec). 







O professor Fábio Moreira da Silva mostra válvula desenvolvida para o trator movido a biogás

“Não adianta desenvolver uma tecnologia que, quando pronta, não encontre aplicação no mercado. A parceria entre esses segmentos evita tal problema, pois, desde o começo, necessidades e disponibilidade financeira são analisadas em conjunto”, salienta José Guilherme. A experiência é positiva também na avaliação do Pró-Reitor de Pesquisa da Ufla, José Oswaldo Siqueira. “Até então, a Universidade não tinha prática em transferência tecnológica na área de engenharia, o caso da GCT é o primeiro de sucesso dentro desse modelo. Nessa parceria, o investimento tem retorno e a integração é duradoura, ao contrário da prestação de serviços.”

Para Siqueira, a maior dificuldade é compatibilizar os interesses do meio acadêmico com os do meio empresarial. Vencido esse obstáculo, no entanto, os ganhos são vários. A relação próxima com o setor produtivo é uma oportunidade de aprendizado para estudantes, promove a inserção social da universidade e possibilita o intercâmbio de conhecimentos. O Pró-Reitor acredita que a tendência é a multiplicação de parcerias como essa, já comuns em países como Estados Unidos e Japão. “A maioria das universidades brasileiras é sustentada apenas pelo setor público, cujo investimento é insuficiente. Em outros países, porém, empresas privadas participam com 50% dos recursos totais da instituição, contra apenas 20% do setor público”, ressalta.

O professor Fábio Moreira da Silva mostra válvula desenvolvida para o trator movido a biogás
A usina de beneficiamento de produtos lácteos do Laticínios Serrabella está servindo como unidade industrial de demonstração da tecnologia desenvolvida pela equipe. Atualmente, a GCT negocia a implantação de unidades pioneiras em dez laticínios do Sul de Minas, no chamado Circuito do Queijo. Espalhadas num raio de 100 quilômetros, as empresas formarão
um ecopólo, grupo orientado para a produção competitiva e a auto-suficiência.

Vanessa Fagundes


Fonte: http://revista.fapemig.br/materia.php?id=82

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