Artigo publicado no Jornal Valor Econômico – página A-10 no dia 24/05/2006
A decisão tomada anos atrás por uma jovem chamava atenção. Motivo: terminava o curso de doutorado em biologia, porém não seguiria carreira de cientista, pois acabara de ser aprovada em primeiro lugar em concurso de banco oficial para exercer função para qual não se exigia qualificação de nível superior. Assim a biologia, com tantos problemas para resolver, perdia uma cientista (“fazer ciência é bonito mas não ajuda a pagar a conta”, foi a sua justificativa ). Esse fato retrata um pouco as dificuldades que enfrenta a pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil. Em países em que recursos humanos são disputadíssimos em P&D, com certeza isso não ocorreria.
Não é para se surpreender, pois, que o Brasil ocupe uma posição não muito favorável no ranking mundial de Ciência, Tecnologia e Inovação. No campo científico, até que o Brasil está bem, aumentando sua produção em cinco vezes entre 1981 e 2001. No entanto, quando o assunto é tecnologia ou inovação a situação é no mínimo preocupante. Senão, vejamos: em 2005, a Coréia do Sul registrava perto de 4.750 patentes na Organização Mundial da Propriedade Intelectual- OMPI, enquanto que o Brasil , apenas 280, sendo suplantado pela China e Índia inclusive. Estados Unidos, Japão e Alemanha, continuam líderes, de longe, com valores aproximados, respectivamente, de 45, 25 e 15 mil registros. No início dos anos 80, estávamos em melhor situação que a Coréia do Sul: 23 patentes, contra apenas 17 desse país. Seu salto tecnológico é apontado como principal responsável pelo crescimento do PIB, estimado em US$900 bilhões, contra US$600 bilhões do Brasil.
Para algumas lideranças, estamos com mais de 20 anos de atraso na questão da inovação. Nossa fragilidade é crescente com o avanço da globalização. Estamos progredindo, é verdade, mas há muito que caminhar ainda. As ações necessárias são conhecidas. No caso do Est.de S. Paulo, vale mencionar a Lei de Inovação Paulista, os Parques Tecnológicos, os Programas de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresa- Pipe, da FAPESP e o apoio aos Arranjos Produtivos Locais. A Lei da Inovação, deve resultar no fortalecimento do sistema paulista de P&D, dando-lhe mais flexibilidade para uma articulação com setores que precisam de conhecimentos científicos para a solução de seus problemas. Essa Lei favorecerá também a criação de mecanismos/instrumentos que nos levem a uma distribuição mais lógica de pesquisadores/engenheiros nas empresas, como o fazem até países como França e China, onde predominam pesquisadores no setor privado. A lógica da política é fácil de entender. Inovação se faz principalmente nas empresas que tem uma dinâmica própria envolvendo as demandas de mercado e seus limites de atuação. Essa orientação, no entanto, não significa o enfraquecimento das instituições existentes, que tantos serviços tem prestado à Nação (agronegócio, medicina, monitoramento do amazonas etc), porém seu fortalecimento, mantendo-as motivadas e instrumentalizadas para cumprir seu papel de vanguarda neste ambiente em constante transformação. Mais do que nunca, o mundo está atento às questões de P&D, investindo perto de US$800 bilhões em P&D. Considerando um PIB global da ordem de US$40 trilhões, resulta em uma relação de dispêndios sobre PIB de 2%. A variação é grande: em São Paulo, essa relação é de apenas 1,07%; em Israel, é de 4%. .
O estágio negativo em que nos encontramos é, em grande parte, devido à falta de conscientização, em setores do governo com poder de decisão, sobre a importância da inovação tecnológica no desenvolvimento. Mesmo sem querer, interferem na formulação de políticas setoriais. E valendo-se muitas vezes do argumento da boa gestão dos recursos, do respeito à aspectos legais etc, acabam por dificultar avanços na área. Um bom exemplo, é o congelamento, em nome do superávit primário, das verbas destinadas às áreas da C&T, sem análise da relação custo benefício dessa decisão. É indispensável uma visão sistêmica e holística do contexto em que atuam. Karl Popper, filósofo e estudioso de métodos de pesquisa, já indicava que a divisão de tarefas nas atividades humanas tem como objetivo principal a obtenção de maior sinergismo em todo sistema.
Muitos argumentos poderiam ser citados, para justificar atenção maior para a P&D, tais como: que a taxa de retorno dos gastos nessa área é superior a 60% nos países emergentes; que o aumento do hiato entre países pobres e ricos é explicado mais pelo progresso tecnológico do que pela diferença de investimento de capital; que a tecnologia e inovação criam empresas estruturalmente competitivas, compensando inclusive a falta de câmbio ( Alemanha e Japão nos anos setenta ampliaram agressivamente as exportações, mesmo com moeda valorizada). Mas um argumento merece destaque especial. Paul Romer, da Universidade de Stanford – cogitado para compor a lista dos prováveis candidatos a um futuro prêmio Nobel de Economia – afirma que “ a descoberta científica, a mudança tecnológica, a inovação e o crescimento do fator produtividade total deveriam ser colocados no centro da análise econômica, no âmago da política econômica nacional…”. A educação teria papel primordial nesse modelo de Romer.
Coréia do Sul, China e outros países, parecem ter seguido esse modelo, enquanto o Brasil, se apegava a tese liberalizante do Consenso de Washington, com todas suas condicionantes macroeconômicas. Grandes desafios terá de enfrentar o País para se colocar no rol das nações tecnologicamente desenvolvidas. É preciso, entretanto, que seja criado antes um ambiente favorável à inovação. Seria oportuna, por exemplo, a existência em São Paulo, de uma Agência de Inovação com função de articulação entre órgãos de financiamento (interno e externo), instituições de pesquisas e empresas privadas. Essa Agência de Inovação se preocuparia basicamente com a economia do conhecimento – motor de competitividade no mundo moderno. Um lembrete final: nesse ambiente favorável à inovação não teriam espaços para invasão/destruição de laboratórios. Países como China estendem tapetes vermelhos para laboratórios que queiram lá se instalar. Disso tem-se aproveitado empresas estrangeiras, como a Motorola, que instalou nesse país o principal centro de pesquisas fora dos USA. Ainda é tempo: o Brasil se coloca em sexto lugar em uma consulta realizada para verificar os países onde empresas transnacionais implantariam centros de pesquisas
Luiz Moricochi
Consultor de política de ciência e tecnologia