Autor(es): Ricardo Abramovay Valor Econômico – 30/04/2009
Consumidores eticamente ativos formam mais da metade dos 14.500
entrevistados em 15 países pela prestigiosa organização GlobeScan (Global Public
Opinion and Stakeholder Research). A marca “comércio justo” (Fair Trade) lhes é
familiar. Dois terços do universo total da pesquisa acreditam que a Fair Trade
Labeling Organization é rigorosa ao emitir seus parâmetros de avaliação. Estas
informações, divulgadas há alguns dias (http://www.globescan.com/), são coerentes
com o fato de que em 2008 as vendas de produtos do comércio justo aumentaram 24%
na Áustria, 40% na Dinamarca, 57% na Finlândia, 22% na França, 75% na Suécia,
43% no Reino Unido e 10% nos EUA. Em nenhum dos 15 países pesquisados houve
queda nas vendas em 2008, mesmo com o aprofundamento da crise.
A Starbucks é hoje o maior comprador do mundo em produtos do comércio justo.
Ela optou por caminho diferente do escolhido pela Mc Donald”s, que na
Grã-Bretanha só vende café certificado pela Rainforest Alliance, uma prestigiosa
ONG voltada tanto ao fortalecimento de comunidades locais como de práticas
produtivas compatíveis com a integridade dos ecossistemas em países em
desenvolvimento. Cadburry e Mars são também empresas que vincularam suas marcas
a produtos certificados pelo comércio justo ou pela Rainforest Alliance, nos
últimos anos.
É verdade que, comparado ao volume do comércio mundial, pode parecer exagero
apoiar-se nestes produtos de sobremesa (café e chocolate) ou de artesanato (como
muitas vezes é o caso no comércio justo) para defender que o mundo está entrando
numa nova era de consumismo ético. Por isso é interessante examinar os
resultados de um trabalho recente da consultoria internacional A. T. Kearney
(“Green” Winners) mostrando que as empresas reconhecidas como sustentáveis pelos
Índices Dow Jones e Goldman & Sachs tiveram resultados superiores a suas
congêneres em 16 dos 18 setores examinados no ano de 2008. São companhias que
(segundo os termos da consultoria A. T. Kearney) encaram a sustentabilidade não
como obrigação filantrópica, mas como parte fundamental de sua estratégia de
negócios.
Aqui também ao menos duas objeções podem ser levantadas: não é fácil
demonstrar que o maior valor acionário destas empresas decorra realmente de suas
práticas ambientais saudáveis (e não, por exemplo, de seu tamanho ou do
prestígio geral de suas marcas). Além disso, é possível colocar em dúvida os
próprios parâmetros a partir dos quais as empresas passam a fazer parte destes
índices.
O que, no entanto chama a atenção nestes dois trabalhos recentes, e mais
ainda no recém lançado State of Green Business 2009 (www.greenbiz.com), é a intensidade com que um
número crescente de organizações de mercado se lança no esforço de produzir
rastreamento, selos de qualidade e certificação. É claro que está em jogo aí a
reputação das empresas e de suas marcas. Esta reputação passa, cada vez mais,
pela maneira como as companhias privadas se relacionam com os ambientes sociais
em que atuam e de que dependem. Além disso, impressiona a produção cada vez mais
detalhada de indicadores de desempenho que não se limitam aos preços e à
qualidade imediata do produto para seus usuários.
Foi-se o tempo em que apenas produtos considerados de nicho (comercializados
em mercados especiais e de alta renda) tinham que se dotar de atributos que iam
além daquilo que a legislação de cada país exigia. Hoje, a qualificação dos
produtos é cada vez mais generalizada e profunda. O State of Green Business 2009
mostra de que maneira a sociedade americana se relaciona com os recursos de que
depende sua prosperidade em setores decisivos como construção civil, tecnologia
da informação, lixo eletrônico, transporte, indústria química e papel. Mais que
isso, faz uma avaliação da intensidade do uso de água na produção industrial,
das emissões e do próprio consumo de energia.
É impossível resumir estes resultados num indicador único: não existe e
provavelmente nunca existirá um parâmetro sintético capaz de medir o estado das
relações entre sociedade e natureza que se compare àquilo que o PIB representa
para o crescimento econômico. Ainda assim, é importante observar a melhoria dos
indicadores da relação entre a economia e os ecossistemas: no sexto relatório do
Carbon Disclosure Project, de 2008, as 500 grandes empresas que o compõem medem
não apenas suas próprias emissões, mas aquelas contidas na energia que compram,
nas emissões indiretas derivadas das viagens de negócios, do transporte dos
funcionários, do funcionamento de suas cadeias de negócios (supply chain) e do
próprio ciclo de vida dos produtos.
Estes indicadores passam a funcionar como bússolas de orientação para
práticas empresariais. Mais que resultado da indispensável engenharia ambiental,
eles se formam sempre em disputas sociais que têm lugar nas agências
governamentais, no interior das empresas e na relação entre ambas e os
diferentes segmentos da sociedade civil organizada. Vários destes indicadores
são estabelecidos em longos processos de negociação, como os que ocorrem agora
na Mesa Redonda da Soja Responsável (que se reúne nos dias 26 e 27 de maio
próximo), na dos Biocombustíveis Sustentáveis ou como os que se consolidaram no
Forest Stewardship Council (FSC), cujo prestígio e reconhecimento internacionais
são consagrados.
Há 150 anos, quando mercados tipicamente capitalistas estavam em sua
infância, Marx opunha a inteligência da organização fabril à anarquia da
produção social e preconizava algo próximo a um planejamento centralizado que
fizesse das necessidades sociais o eixo da vida econômica. O desenvolvimento dos
mercados contemporâneos, sua tão salutar mistura com a organização social talvez
os tenha transformado numa arena privilegiada em que objetivos fundamentais como
justiça, solidariedade, participação social, preservação e valorização da
biodiversidade são cada vez mais expostos. É um campo de conflitos e disputas em
torno de interesses e visões de mundo e não um projeto pronto e acabado sobre
como organizar o mundo. Mas é isso que faz dos mercados um dos mais
interessantes meios de expressão das lutas políticas e culturais
contemporâneas.