SUSTENTABILIDADE – Destruir para preservar

Por: FOLHA DE SÃO PAULO

 
 CIÊNCIA
04/10/2009 
 
Curso já ensinou 3.500 a desmatar sem acabar com toda a floresta
 
Marcelo Leite

O centro de treinamento Roberto Bauch fica em Paragominas, Pará, a 120 km da sede do município. Os que chegam à Fazenda Cauaxi para mais um curso de manejo florestal são recebidos com café e bolo. O pôster de motosserra na cozinha-refeitório vai direto ao ponto: a melhor maneira de salvar a floresta.


O anfitrião é Johan Zweede, holandês nascido em Java que muitos pensam ser americano. Mais um gringo na Amazônia, enfim.


Suspeito por definição, o diretor do Instituto Floresta Tropical (IFT) tem na biografia a desvantagem adicional de ter trabalhado no famigerado Projeto Jari. Poucos brasileiros, contudo, fizeram tanto quanto ele para civilizar a floresta amazônica.


Zweede tornou-se um apóstolo da exploração de impacto reduzido, método racionalizado de extração madeireira. É o preferido pelas pessoas que acreditam que no uso sustentável da floresta está a grande saída para gerar renda e melhorar a vida de mais de 20 milhões de amazônidas.


O setor madeireiro responde hoje por 3,5% do PIB da região e por 7 milhões de empregos. O Brasil tem 4,8 milhões de km2 -metade do território- cobertos de matas, a maior parte delas na Amazônia. Dá mais de 10% das reservas florestais do planeta.


O curso do IFT, que já teve 3.500 alunos, funciona por demonstrações práticas. Primeiro, visitam-se áreas de exploração convencional: estradas, pátios de estocagem e trilhas de arraste de toras abertos sem método nem planejamento; mateiros e motosserristas que trabalham sem se comunicar; tratores de construção civil sem adaptação adequada.


Resultado: remoção de até 50% da cobertura vegetal. Com mais luz para secar o material vegetal que resta sobre o solo, engrossado pelos detritos da própria exploração, a floresta se torna mais propensa a incêndios. O passo seguinte costuma ser a derrubada completa, para formação de pastagens de baixa produtividade.


Os aprendizes de desmatador seguem depois para áreas de exploração de impacto reduzido da empresa Cikel, que dá apoio logístico ao IFT. A extração é precedida, até um ano antes, de inventário que identifica e localiza cada árvore de 90 espécies com potencial comercial e diâmetro acima de 35 centímetros.


Grotas e igarapés são levados em conta no planejamento de estradas e trilhas, para evitar becos sem saída e erosão. Seu traçado vai sinalizado com fitas de plástico. Os operários saem a campo com um mapa de quais árvores serão cortadas, sempre a no máximo 250 metros de uma estrada.


O arraste das toras se faz com um trator florestal articulado (“skidder”), com pneus em lugar de esteiras. Os estudantes têm o privilégio de pilotar a máquina de R$ 780 mil no labirinto de árvores. Depois, conferem o estrago.


Resultado: 5% da área danificada por tratores, contra 10% na extração convencional; área de solo exposta às intempéries reduzida a um décimo; queda de 75% na quantidade de toras abandonadas na mata por tratoristas incapazes de encontrá-las. Noves fora, uma atividade 19% mais rentável, mesmo levando em conta o alto custo inicial de fazer o inventário e investir em treinamento.


Isso para não falar do ganho principal -uma floresta em melhores condições de regenerar-se, para nova exploração dentro de 30-35 anos. Na Finlândia, um país de economia florestal, o ciclo de extração demora 120 anos. “No Brasil, ainda acham 30 anos muito”, resigna-se Zweede.


MARCELO LEITE é autor de “Darwin” (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e “Ciência – Use com Cuidado” (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br O colunista viajou para Paragominas (PA) a convite do Serviço Florestal Brasileiro 

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