31/07/2009 19:07:16 – Horizonte Geográfico
Municípios paranaenses como Guaraqueçaba não podem crescer para não alterar áreas verdes do entorno. Em compensação, recebem dinheiro de imposto ecológico para a sua manutenção.
Texto: Dimas Marques
Município abriga pequenas comunidades de pescadores que moram nas dezenas de ilhas do entorno
Guaraqueçaba está situada a apenas 176 quilômetros de Curitiba, mas a distância engana. É preciso percorrer estradas precárias ou navegar pela bela Baía de Paranaguá para conhecer a pequena cidade encravada em um dos trechos mais bem preservados da Mata Atlântica do litoral brasileiro. O centro, de pouco mais de 2.500 moradores, guarda ares de uma pacata vila de pescadores. O movimento se restringe ao incessante atracar de canoas vindas das 50 comunidades das ilhas vizinhas nos seus 100 metros de praia. E à animação de algumas dezenas de ecoturistas que frequentam as poucas pousadas e restaurantes da praça principal.
Guaraqueçaba seria apenas mais um município, entre tantos que compõem a paisagem da costa paranaense, se não fosse por uma particularidade: a administração municipal recebe o segundo maior repasse de recursos do ICMS Ecológico do estado para conservação da biodiversidade – atrás apenas de São Jorge do Patrocínio, onde fica o Parque Nacional de Ilha Grande. A vizinhança da cidade é uma explicação dos motivos dessa preferência. Guaraqueçaba está cercada pelo Parque Nacional de Superagui, os preservados mangues da Estação Ecológica de Guaraqueçaba e três Reservas Particulares do Patrimônio Natural – as RPPNs Salto Morato, da Fundação O Boticário; Itaqui, da organização não-governamental SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental); e Quedas do Sebuí, de dois moradores locais.
A versão ecológica do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), que para o restante do país constitui uma iniciativa ainda engatinhando, no Paraná completa 18 anos. O repasse do imposto é uma forma de compensação fiscal para localidades que não podem crescer por causa das restrições ambientais. No caso de Guaraqueçaba, as unidades de conservação que preservam a biodiversidade da Mata Atlântica, cujo símbolo na região é o papagaio-de-cara-roxa – endêmico e ameaçado de extinção –, também são responsáveis pelos limites ao desenvolvimento econômico da cidade.
Manutenção do verde
Fomos até a cidade para ver na prática o resultado da aplicação desse recurso. Antes, em Curitiba, falamos com Wilson Loureiro, coordenador do Programa Estadual do ICMS Ecológico por Biodiversidade do Instituto Ambiental do Paraná (IAP). “Como Guaraqueçaba e outros municípios não podem implementar muitas atividades econômicas, a alternativa foi motivar a conservação da natureza e a melhoria da qualidade de vida dessas comunidades”, explica. A ideia surgiu na década de 1980, quando o Paraná vivia uma rápida e agressiva expansão agrícola, liderada pelas lavouras de soja e café. “Naquela época, estávamos sob pressão dos prefeitos que desejavam aumentar as áreas agricultáveis para melhorar sua arrecadação”, recorda o pesquisador. “Não tínhamos nenhuma forma de prevenir o desmatamento, por isso criamos o ICMS Ecológico. A ideia era não atuar somente quando a mata já estivesse no chão.”
O ICMS é recolhido pelos governos estaduais em qualquer etapa da comercialização de produtos e serviços. De acordo com a legislação paranaense, 75% do total arrecadado fica com o estado e 25% retorna aos municípios. Parte dessa porcentagem deve então ser investida na conservação da biodiversidade e na manutenção da qualidade de áreas de manancial.
No caso de Guaraqueçaba, dos R$ 5,3 milhões do ICMS repassados pelo governo do estado em 2008, R$ 3,6 milhões têm origem na versão ecológica (67,9%). Para esse cálculo, o IAP leva em conta a porcentagem de área ocupada pelas reservas no município, o grau de restrição de uso dessas unidades de conservação e outras 67 variantes qualitativas. “Quanto mais as prefeituras ajudam na conservação e manutenção das unidades, mais pontos ganham nos cálculos e mais dinheiro recebem”, resume Loureiro.
O trabalho de conservação ambiental não precisa envolver diretamente as reservas naturais existentes no município. Segundo Ivair Barbosa Colombes, secretário municipal de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca de Guaraqueçaba, o IAP fez uma série de sugestões de projetos que poderiam ser desenvolvidos pela prefeitura que, além de auxiliar na preservação e manutenção das áreas, também agrega melhorias para a população.
Um desses projetos – o aterro sanitário – já começou a ser colocado em prática. Colombes nos levou para conhecer a obra. Orçada em R$ 241 mil, ela deve receber 2 toneladas de lixo diário, quando for inaugurada. Atualmente, os resíduos são jogados em um aterro controlado, cobertos com terra, mas sem uma destinação adequada para o chorume que contamina o solo. Um plano de implantação de coleta seletiva de lixo também deve começar a funcionar após a inauguração do aterro.
Formas de auxílio
“O dinheiro não vai diretamente para as reservas, mas as melhorias para a comunidade causam um impacto positivo indireto nessas unidades de conservação”, afirma Colombes. Por lei, a verba repassada pelo governo do estado não precisa, obrigatoriamente, ser investida em projetos ambientais e acaba misturada aos outros recursos da receita municipal, que em Guaraqueçaba foi de R$ 13 milhões em 2008. Dessa forma, além da construção do aterro sanitário e das instalações para o projeto de coleta seletiva, o capital do ICMS Ecológico é gasto na manutenção das 33 escolas da prefeitura, em 12 unidades básicas de saúde, no hospital municipal com 16 leitos, folha de pagamento de 449 funcionários públicos e demais despesas.
Há quem prefira que a administração municipal auxilie mais diretamente. “A minha reserva é responsável por quase R$ 3 mil por mês no ICMS Ecológico que a prefeitura recebe”, afirma João Amadeu Alves, um dos proprietários da RPPN Quedas do Sebuí. “É justo que uma parte desse dinheiro ajudasse a conservá-la.” Alves e o sócio Enzo Sebastiani procuram, por meio da Associação Paranaense de Proprietários de RPPNs, sensibilizar esta e outras prefeituras a participar com algum tipo de apoio na manutenção de suas propriedades. “A lei deveria estipular que 50% do que cada unidade de conservação gera em ICMS Ecológico para a prefeitura retorne de alguma forma para essa unidade”, sugere.
Para haver o repasse de verbas da prefeitura para proprietários de terras com fragmentos de floresta conservados e em unidades de conservação, a lei estipula ser necessário convênios com as associações ou entidades formadas para representá-los. Foi esse o motivo da criação, em 1998, da associação dos proprietários de RPPNs do Paraná. Por intermédio da entidade, prefeituras como a de Luanda e de Marilena repassam 45% e 50%, respectivamente, para as reservas particulares existentes em seus territórios.
“Esses valores e o tipo de apoio variam de acordo com a política do governo local”, afirma Anderson Tosetto, coordenador do Programa de Manejo em Reservas Privadas da associação. “Os prefeitos têm de perceber que, quanto melhor estiver a reserva, melhor será a avaliação e mais dinheiro o município receberá do governo estadual.” O gerente de Economia de Conservação da ONG Conservação Internacional (CI-Brasil), Alexandre Almeida Prado, é mais incisivo e considera que as leis de ICMS Ecológico dos estados deveriam obrigar os prefeitos a investir na área ambiental. “Pelo menos uma porcentagem desse dinheiro tem de contribuir para a conservação. Contar só com a boa vontade dos prefeitos é difícil.”
Além das avaliações com base em unidades de conservação, o cálculo do ICMS Ecológico paranaense leva em conta análises em áreas produtoras de água para abastecimento público. É o caso de Piraquara, responsável por 70% do fornecimento de água para a região metropolitana de Curitiba. Com suas três represas e mais de mil nascentes (entre elas a que dá origem ao rio Iguaçu), a cidade recebeu R$ 8,6 milhões de ICMS Ecológico em 2008, sendo R$ 8,3 milhões por conta dos mananciais.
Exemplo se multiplica
A iniciativa paranaense se estende para outros estados. Atualmente, 12 já aplicam o ICMS Ecológico – São Paulo, Minas Gerais, Rondônia, Amapá, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Tocantins, Rio de Janeiro e Ceará, além do Paraná. No restante do país, com exceção de Roraima e Maranhão, existem iniciativas em andamento para a sua implantação. A forma de aplicação e cálculo do imposto varia, uma vez que os estados podem legislar sobre os 25% da arrecadação do ICMS que retorna aos municípios.
“O importante é que esse tipo de compensação e estímulo fiscal à manutenção do meio ambiente está ganhando adeptos”, diz o entusiasmado Loureiro. “É um caminho sem volta.” Um dos responsáveis pelo pioneirismo paranaense, Loureiro hoje percorre o país difundindo a ideia e auxiliando os estados na criação do imposto verde.