Sua fazenda está preparada para o futuro?

Por: Globo Rural

21/05/2013 
 

Estudo inédito traz caminhos para tornar a propriedade lucrativa e sustentável, na visão de 50 produtores de 18 países do mundo
 
por Luciana Franco

Em junho de 2012, 50 agricultores de 18 países se reuniram em uma fazenda da Holanda para discutir o futuro do agronegócio mundial. Em uma semana de intensas reuniões, eles trataram dos grandes temas que afetam o dia a dia das fazendas e identificaram os desafios comuns que terão de enfrentar nas próximas décadas para melhorar sua performance como empresários rurais e garantir a continuidade de seus negócios.


Os resultados desse encontro, promovido pelo Rabobank (banco de investimentos holandês com forte atuação na área rural), foram publicados no livro O futuro do campo – Ascensão do empresário rural, que Globo Rural apresenta com exclusividade.


O encontro teve como ponto de partida a seguinte questão: como a agricultura dará conta de alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050?


As respostas foram tão diversas quanto os participantes do encontro – agricultores de diferentes idades, culturas e origens –, mas foi consenso no grupo que o agronegócio global terá de ampliar entre 70% e 100% a produção de alimentos até 2050. “Mais alimentos precisarão ser produzidos nas próximas décadas do que o total cultivado nos últimos 10.000 anos”, diz Berry Marttin, diretor internacional do Rabobank.


Para atingir esse objetivo, são grandes os desafios a ser superados, uma vez que agricultores de diversas partes do planeta terão de administrar a escassez de recursos naturais como terra e água.


Alguns temas ganharam relevância, entre os quais a sucessão familiar, a sustentabilidade, a responsabilidade social, a integração na cadeia produtiva e a comunicação.


“A ascensão do empresário rural dependerá da resposta que ele dará a essas questões ”, avalia Marttin. Os agricultores que participaram do encontro na Holanda apontaram caminhos para enfrentar esses cinco desafios (confira ao longo das próximas páginas).


A sucessão familiar é o tema mais discutido, pois afeta propriedades agrícolas do mundo inteiro. Uma tendência de longo prazo observada nos países desenvolvidos é o envelhecimento dos produtores rurais. A cada 20 anos o número de pessoas que dependem de um agricultor dobra. Nos Estados Unidos, para cada sete agricultores com mais de 75 anos, há apenas um agricultor com menos de 25 anos.


“A sucessão é um problema muito sério para a continuidade do negócio. Os agricultores terão de investir na profissionalização para se preparar para mitigar os riscos futuros”, avalia Marcelo Balerini, agricultor brasileiro que atua na produção de batatas, grãos e sementes de milho e soja em Serra do Salitre (MG). Ele foi um dos quatro brasileiros que participaram do evento na Holanda.


É comum que os filhos dos agricultores não queiram atuar numa atividade cada vez mais complexa, que requer trabalho pesado e de alto risco, para depois partilhar os dividendos da propriedade com os irmãos que trabalham na cidade.


“E há ainda outro problema: em geral, a fazenda é uma paixão, e o fundador do negócio resiste em passar o bastão adiante”, diz Kees Schoenmaker, presidente do Grupo Terra Viva, de Holambra (SP), empresa que cultiva flores, batatas, citros e grãos e é fornecedora de batata para a PepsiCo. Schoenmaker também esteve na Holanda. Na avaliação do economista Claudio Gonçalves, da Escola de Negócios Trevisan, a preocupação permeia tanto as pequenas quanto as grandes empresas rurais. “Quanto mais cedo esse tema for trabalhado, melhor. Em geral, há uma opção por abrir o capital da empresa, mas, não sendo esse o caso, o ideal é que o empresário adote uma política de governança, criando uma estrutura interna, com um conselho de administração, contratação de executivos e realização de auditoria externa. É preciso dar transparência à gestão”, diz Gonçalves. Para o economista, a empresa deve ser preparada para receber um sucessor.


MAIS COM MENOS
Já o tema sustentabilidade pode ser rapidamente definido pelos agricultores como “produzir mais com menos”, o que na prática significa ser mais produtivo e eficiente com menos insumos. A agricultura mundial explora atualmente 1,5 bilhão de hectares de terra arável no mundo. “O espaço para expansão é de apenas 15%”, diz Marttin. Assim, a maior parte dos alimentos terá de vir do aumento da produtividade das lavouras, e não do aumento da área.


Mas, devido à falta de investimento generalizada, o ganho médio da produtividade agrícola das principais commodities recuou para 1,4% ao ano. “O aumento da produtividade deve ser de, pelo menos, 1,75% ao ano para alimentarmos um mundo de 9 bilhões de pessoas em 2050”, diz Tom Van Nimwenger, diretor do Rabobank no Brasil.


A melhoria da renda nos países emergentes está promovendo aumento do consumo de proteínas, o que deve acelerar a demanda por recursos naturais como terra e água. “Satisfazer as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas é um papel que caberá ao Brasil ensinar para o resto do mundo, pois percebemos que estamos mais avançados nesse quesito”, diz Diogo Tudela, cafeicultor de Monte Carmelo (MG) que também participou do encontro.


Existem grandes variações na produtividade das fazendas quando se fala em uso de terra e de água. As estimativas são de que, em média, em todo o mundo, a produtividade da pecuária esteja entre 30% e 40% abaixo do seu potencial genético, enquanto a maioria das culturas produz 50% do potencial. O grande esforço nas próximas décadas será para ampliar esses indicadores. “O tema sustentabilidade está cada vez mais presente no cotidiano das empresas, seja ela do segmento de alimentos, financeiro ou de beleza. É um assunto irreversível”, avalia o economista Claudio Gonçalves.


A PepsiCo, por exemplo, está implementando uma política global de sustentabilidade agro, por meio da qual difunde as boas práticas para o uso da água, solo e energia, buscando otimizar a utilização dos recursos naturais, bem como atender a vários indicadores sociais e econômicos. O programa é destinado aos 18 parceiros produtores de batata, 13 de aveia, nove de girassol e 17 de milho que a companhia mantém no campo. “Nosso intuito é ampliar a sobrevivência da parceria no longo prazo”, diz Newton Yorinori, diretor de agronegócios da PepsiCo.


Uma questão que poucos agricultores se dão conta é que os problemas sociais do entorno de suas fazendas são relevantes para o seu negócio, à medida que interferem na produtividade de suas lavouras. De acordo com Marttin, o índice de desenvolvimento de um país está mais correlacionado com produtividade agrícola do que com solo e clima.


“A infraestrutura, o acesso a financiamento e à educação, a vitalidade das pequenas cidades, as leis do país e até o índice de corrupção são mais importantes que o clima e o solo”, diz o executivo. Segundo ele, a Holanda reflete bem essa situação. O país é excelente em matéria de educação, inovação e acesso à tecnologia. E sua agricultura é altamente produtiva, apesar de ter terras que não são consideradas tão boas.


Estudos mostram que, em geral, nem sempre os lugares com melhor qualidade de solo e clima têm as melhores safras. Na maior parte das vezes, a produtividade agrícola está vinculada a outros fatores, como condições de estabilidade social e econômica, infraestrutura, políticas governamentais, acesso a mercados, créditos financeiros, cuidados de saúde e de educação, conhecimento e investimentos em pesquisa e desenvolvimento.


Foi o que percebeu a Cooperativa de Cafeicultores de Guaxupé (Cooxupé) em 2005, quando contratou a Fundação Getulio Vargas para realizar uma pesquisa com seus 12 mil cooperados. “Uns produtores cresciam mais e outros menos. Queríamos entender o que motivava tanta diferença”, diz Carlos Paulino, presidente da Cooxupé, maior cooperativa de café do mundo.


Com base na pesquisa, a cooperativa criou uma cartilha de boas práticas que todos os agricultores devem seguir. Uma delas incentiva os agricultores que viajam para outras regiões a compartilhar suas experiências com a vizinhaça. Outra recomenda que a estrutura da propriedade deva ser a mais enxuta possível e os custos de produção anotados mensalmente. “Os agricultores também têm a obrigação de seguir as orientações recebidas dos técnicos agrícolas, e todos devem preservar o meio ambiente”, diz Paulino.


A Cooxupé realiza ciclos de palestras para a família do agricultor nas 16 filiais que mantém. Nesses encontros, as esposas dos produtores aprendem noções básicas de contabilidade. É que os diretores da cooperativa descobriram que elas é que colocam as contas da fazenda em ordem. E os agricultores são instruídos para melhorar a qualidade de sua produção. “Desde então, percebemos melhoria constante na qualidade e padronização do café”, avalia Paulino.


CADEIA PRODUTIVA
Outro ponto importante para os produtores rurais é a participação na cadeia produtiva. Agricultores que estão mais inseridos na cadeia têm margens de lucro maiores. Além disso, há mais segurança alimentar nos setores em que os elos estão mais integrados. As empresas que têm parceiros no campo são mais seguras e mais competitivas, pois garantem o fornecimento de matéria-prima a preços e padrões de qualidade predefinidos. Para o agricultor, a parceria promove melhoria da qualidade e lhe rende preços diferenciados. ”Os cafeicultores que fornecem para a empresa italiana Illycaffè, por exemplo, além de receberem valores superiores aos preços praticados no mercado, são constantemente estimulados a participar de concursos que premiam a qualidade do café”, afirma Paulino.


Já o Carrefour, que fornece tilápia certificada desde 2007, tem uma equipe de veterinários para atestar a qualidade de cada remessa enviada ao centro de distribuição da empresa, a fim de garantir a segurança desse alimento. E todos os produtos que recebem o selo Garantia de Origem do Carrefour podem ser rastreados pela internet no site do programa (garantiadeorigem.com.br).


Por fim, foi apontada a necessidade de o produtor se adequar à nova realidade da web, na qual o poder da comunicação é com os usuários da rede, e não mais com as grandes corporações. Agricultores reconhecem que sua voz global será mais poderosa se cooperarem entre si e organizarem comunidades on-line.


Se bem executada, a mídia social tem o poder de reinventar ou, pelo menos, de equilibrar melhor o interesse dos agricultores na cadeia de produção. “Esse ponto foi o que mais me chamou a atenção, pois não deixamos a desejar em nada quando somos comparados aos agricultores de diversas regiões do mundo. Percebi que temos até mais jogo de cintura, devido às pressões internas que temos de driblar, como a tributação, a inflação e as taxas de juros altas, mas não fazemos quase nada na internet e nas redes sociais. Temos de aprender a usar a web”, diz Diogo Tudela.


Sucessão



• É o jovem que traz inovação à fazenda. É preciso definir um plano de educação para preparar a nova geração.


• Estudos constataram que as fazendas com melhor desempenho nas cadeias produtivas têm, em 70% dos casos, um potencial sucessor. É que as fazendas mais inseridas no mercado têm lucro maior e são, portanto, mais atrativas aos olhos dos herdeiros.


• Preparar a fazenda para a sucessão, em vez de preparar um sucessor na fazenda. Agricultores defendem que é necessário formalizar o processo sucessório, garantir uma comunicação transparente, repensar a estrutura de governança e contratar um especialista para facilitar o processo.


• Criar uma nova imagem da agricultura para torná-la uma ocupação mais desejável.


Sustentabilidade


• Agricultor precisa entender que será necessário produzir mais com menos. Nesse cenário, eficiência e alta produtividade são a chave.


• Fique atento às novas tecnologias, uma vez que há muitas inovações promissoras, como a agricultura de precisão, a genômica, técnicas inteligentes de refrigeração, armazenamento e embalagem.


• As novas exigências de sustentabilidade, como o Código Florestal, não precisam ser um fardo. Há oportunidades que, se bem aproveitadas, podem propiciar mais lucros ao produtor, como reflorestar as Reservas Legais.


• Agricultores acreditam que inserir o conceito “comida, agricultura, ambiente e saúde” no currículo escolar ajudará a ensinar as crianças. Também defendem que o consumo e a produção sejam reconectados. Para isso, é preciso aproximar os consumidores e cidadãos da agricultura moderna.


• Formar parcerias público-privadas envolvendo agricultores, empresas, ciência, governos e ONGs.


Práticas sociais


• Sem dinheiro, não há colheita. Globalmente, 4 bilhões de pessoas não têm acesso a serviços financeiros. Microfinanciamentos como os oferecidos pela kiva.org (organização que capta empréstimos para regiões subdesenvolvidas) são uma maneira direta de conectar os países desenvolvidos aos em desenvolvimento.


• As boas práticas sociais devem ser compartilhadas entre agricultores locais e estrangeiros e também com governos municipais, estaduais e federais.


• Criar um centro de conhecimento ou uma fazenda virtual para a troca de informações, investir em educação financeira, olhar além da fronteira, aprender com seus pares.


• Infraestrutura é vital para o negócio. Começar na fazenda com silos, para reduzir o desperdício e melhorar a renda do agricultor devido à oscilação de preços. Conservar estradas, investir no pós-colheita, no acesso aos mercados domésticos e, em caso de excesso de oferta, no acesso aos mercados externos para os produtos.


Cadeia Produtiva


• Agricultores podem, juntamente com os varejistas, aprofundar o conhecimento sobre os hábitos e as necessidades dos consumidores para descobrir e planejar novos produtos e serviços. Exemplos: uva sem semente, salada pré-lavada, tomate longa vida.


• Os agricultores que uniram forças, por exemplo, por meio de uma cooperativa podem aumentar o poder de compra de insumos, bem como o poder de negociação para reforçar a sua posição na cadeia produtiva.


• Sempre dá para melhorar. Cooperativas, redes de fast-food e supermercados oferecem assistência técnica gratuita aos seus parceiros, que inclui visita de veterinários, zootecnistas e agrônomos às propriedades.


Comunicação


• A internet abre muitas novidades de distribuição e possibilidades para os agricultores divulgarem suas marcas e fortalecerem o relacionamento com os consumidores.


• Há ferramentas on-line simples que não necessitam de consultores caros, mas apenas de um agricultor inovador. No Brasil, alguns sites comercializam itens produzidos em seis fazendas orgânicas diretamente ao consumidor (organicosvita.com.br).


• As mídias sociais como kiva.org podem facilitar o financiamento de pequenos agricultores.


• Compartilhar inovação, gente e pesquisa e conectá-las aos agricultores é claramente um benefício à fazenda virtual.


• Mantenha contato com o consumidor pela internet. Compartilhe sua história, demonstre suas habilidades, mostre a sua paixão pelo campo. O consumidor, com certeza, será receptivo e poderá ser fiel ao seu produto.


Há escassez de produtores rurais
Para Berry Marttin, diretor do Rabobank, atrair jovens inovadores para o campo é a saída para aumentar a produtividade


Globo Rural > A área plantada no mundo ainda cresce?
Berry Marttin > A área total começou a decair devido à urbanização, erosão e salinização da terra, bem como pela falta de pessoas para trabalhar no campo. Na Austrália, por exemplo, a queda na área cultivada reflete particularmente isso: o desinteresse das pessoas de irem para o campo. E a quantidade de hectares plantados por pessoa no mundo vem caindo. Na década de 1960, era cultivado 1,4 hectare para cada habitante. Em 2009, esse número caiu para 0,7. A tendência é que em 2050, quando atingiremos 9 bilhões de pessoas no mundo, teremos apenas 0,4 hectare de terra plantado por habitante no mundo.


GR > É possível reverter esse quadro?
Marttin > A única solução é a busca por maior produtividade. Estimativas indicam que, dos 15% de áreas aráveis ainda disponíveis no mundo, 7,5% estão na África, o que reforça o potencial agrícola desse continente. Mas, por outro lado, todo ano perdemos 1% de terra para urbanização. A economia atual mostra que o produtor rural está entrando numa fase de escassez dos meios de produção. A solução é incentivar jovens inovadores a ir para o campo. Nós precisamos ampliar o uso da tecnologia para aumentar a produtividade no campo em 2% ao ano. Quem fará isso são as pessoas que querem inovar.


GR > Como atrair pessoas inovadoras para o campo?
Marttin > O jovem tem de descobrir que administrar uma empresa rural é tão interessante quanto administrar uma companhia de qualquer outra área. Os agricultores é que devem passar essa informação para a sociedade, mas antes terão de transformar a fazenda em um bem-sucedido empreendimento rural. A empresa rural está ficando mais complexa, com mais riscos e necessitando de mais investimentos. Essa empresa também deverá ter uma visão internacional, pois o que acontece na China já provoca reflexo direto na vida dos fazendeiros brasileiros. O campo tem de se mostrar mais atrativo aos jovens.


GR > O agricultor já é um elo forte na cadeia produtiva?
Marttin > Ainda não, no entanto, a participação do agricultor na cadeia tende a melhorar, porque as empresas vão entender que o produtor vai ser a escassez. Hoje em dia, a escassez, principalmente no Brasil, é de infraestrutura, mas isso pode ser resolvido com dinheiro. Agora, a terra é limitada, não se resolve só com dinheiro. Há, por exemplo, um enorme interesse por parte das grandes empresas em descobrir como terão acesso à porteira da fazenda, uma vez que hoje elas se preocupam muito em garantir a originação de seus produtos. 

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