– 07/05/2008
Uma das histórias mais repetidas em inúmeras entrevistas e palestras pelo americano Howard Schultz, presidente da maior rede de cafeterias do mundo, narra o dia em que ele entrou pela primeira vez numa loja da Starbucks, em Seattle. “Um inebriante aroma de café me atraiu”, afirmou no best-seller de sua autoria Dedique-Se de Coração, lançado em 1997 e traduzido para oito idiomas. “Entrei e vi um templo para a adoração do café.” O ano era 1981 e Schultz trabalhava como gerente de um fornecedor de máquinas de café para a Starbucks.
Ao comprar a rede, em 1987, com a ajuda de investidores, ele conseguiu transformar aquele encanto em dólares — milhões de dólares. A continuação desse conto de fadas corporativo deu origem a diversos livros de administração e é dissecada nas salas de aula das melhores escolas de negócios do mundo, como a americana Harvard e a suíça IMD. Sob o comando de Schultz, a Starbucks deixou de ser uma tímida cafeteria no interior do estado de Washington e se tornou uma potência, com vendas de 9,4 bilhões de dólares em 2007.
Quem hoje entra em uma de suas 15 000 lojas espalhadas por 44 países, no entanto, não encontra o mesmo ambiente — nem sente o mesmo aroma — que tanto impressionou o empresário nos anos 80. Criada como torrefação e loja de grãos de café, a Starbucks ganhou ao longo do tempo um amplo cardápio de refeições. O cheiro do café foi encoberto pelo de ovos e bacon, servidos em sanduíches no café da manhã. O próprio Schultz reconhece que o charme original se perdeu. Em fevereiro de 2007, ele escreveu num memorando para a diretoria: “Nossas lojas não têm mais a alma do passado. Refletem mais uma grande cadeia e menos a sensação confortável de uma loja de bairro”. A perda da identidade — que acabou transformando o antigo santuário do café numa ordinária lanchonete de fast food — não causa só nostalgia em Schultz. Trata-se de um problema que tem afugentado clientes e feito as ações da companhia cair.
Nos Estados Unidos, onde estão mais de dois terços de suas lojas, o número de consumidores diminuiu 1% entre julho e setembro de 2007. Foi o primeiro resultado negativo na história da rede — mas não o pior. Nos três meses seguintes, a clientela caiu outros 3%. Para agravar o quadro, a Starbucks recentemente reconheceu que não está imune aos dissabores da economia americana, como costumava declarar. Embora as vendas e o lucro tenham apresentado uma trajetória ascendente até agora (sobretudo graças à abertura de novas lojas), o crescimento desacelerou — de 2004 para 2007, passou de 10% para 5%. Esse encolhimento se reflete na bolsa. Os papéis da empresa acumulam queda de cerca de 50% nos últimos 12 meses — e chegaram a cair mais de 10% no dia 24 de abril, após a divulgação preliminar do resultado do primeiro trimestre de 2008.
Para tentar estancar as perdas, em janeiro Schultz destituiu o executivo Jim Donald da presidência e voltou para o cargo que abandonara oito anos atrás — medida clássica na hora do aperto, adotada recentemente também por Michael Dell, dono da fabricante de computadores que leva seu sobrenome, e por Jerry Yang, do Yahoo!. “Schultz tem o pulso da companhia e a capacidade de restaurar a admiração que a marca despertava antes”, diz o americano David Palmer, analista especializado no setor de alimentação, do banco de investimento UBS. Agora, o empresário tem pela frente a irônica missão de copiar a si mesmo e retomar conceitos que ajudou a disseminar mundo afora no passado — e que se perderam em meio ao crescimento vertiginoso.
Sua maior desvantagem é que desta vez a concorrência não será pega de surpresa, como nos anos 80. Enquanto a Starbucks se afastava do próprio modelo, redes como McDonald’s reforçavam a oferta de café e refaziam o visual de suas lojas — em janeiro, a cadeia de fast food começou a contratar baristas para suas 14 000 lojas espalhadas pelos Estados Unidos. “A fórmula da Starbucks já foi copiada por muitos concorrentes. Por isso, a empresa vai ter de inovar para reconquistar o interesse dos consumidores, seja em produto, serviço, seja em comunicação”, diz Dominique Turpin, professor de marketing da IMD. A primeira medida de Schultz foi decretar que, até setembro deste ano, a linha de sanduíches recheados com ovos e bacon, servidos no café da manhã em lojas da América do Norte, será extinta.
O resgate aos bons tempos incluiu a volta de outro veterano — Harry Roberts, vice-presidente de merchandising da rede nos anos 90. Aos 65 anos, Roberts retorna à Starbucks como principal executivo de criação, cargo criado em janeiro. Ele terá não só de recuperar o poder de atração do passado como também de criar novas maneiras de cativar o público.