Starbucks, a maior rede de lojas de café do mundo, se firma como gravadora e distribuidora, chacoalhando o mercado fonográfico em crise com suas ambições expansionistas. Bob Dylan, Ray Charles, Herbie Hancock e Alanis Morrisette são alguns dos seus artist
A indústria fonográfica mundial está em crise. Com vendas caindo (13% desde 2000, nos EUA, por exemplo) e a margem de lucro diminuindo, as gravadoras tradicionais buscam nas fusões uma forma de sobrevivência –não sem muitas demissões e enxugamento de custos.
Apesar desse quadro sombrio, a maior rede de cafeterias do mundo, a norte-americana Starbucks, vem aos poucos colocando o pé no mercado fonográfico. Não é um pezinho qualquer, não. Segundo o Wall Street Journal a expectativa de faturamento da empresa é de US$ 4,5 bilhões este ano, apenas nos EUA.
A primeira experiência do gênero foi em 1995, com uma compilação de jazz. O salto maior foi dado com a aquisição em 1999 da Hear Music, o braço fonográfico da Starbucks. Prudentemente, a empresa começou aos poucos, criando compilações em que os artistas escolhiam do material de outros. A oferta foi de Norah Jones, Johhny Cash, Elvis Costello, Yo-Yo Ma, Willie Nelson, Rolling Stones, Ray Charles, Tony Bennett, Diana Krall. Pela escalação dá para perceber que Starbucks não joga para perder.
Até 2003 as coisas foram devagar, testando o terreno com algumas compilações distribuídas em suas lojas. Desde então a rede resolveu dar um grande passo à frente e trabalhar com material original: co-produziu “Genius Loves Company”, em que Ray Charles fazia duetos com estrelas como Norah Jones, Elton John, B.B.King e Diana Krall.
Quis o destino que o CD fosse a última gravação de Ray Charles, o que impulsionou as vendas. O álbum teve 3 milhões de compradores, só na Starbucks foram quase 800 mil –a maior vendagem do cantor nos últimos 40 anos. E “Genius Loves Company” ainda abocanhou oito Grammys (a mais importante premiação do gênero).
Enquanto as grandes gravadoras baixam seus preços lá fora –por aqui esse movimento não foi sentido, mesmo com o dólar baixo— a Starbucks oferece seus CDs a preço cheio. E vende como água. Ou melhor, como xícaras de um bom expresso. Não é à toa. Apenas no EUA a rede tem 6.900 filiais que atende a 35 milhões de consumidores por semana. Na linha do “se você não pode derrotá-lo é melhor unir-se a ele”, algumas gravadoras brigam para terem seus artistas expostos entre canecas de café, muffins e brownies. Coldplay, Carole King, Zucchero e Paul McCartney foram alguns dos eleitos recentes.
Agora a Hear Music resolveu fazer seu primeiro lançamento mundial: o novo disco do pianista Herbie Hancock. É uma coleção de duetos com estrelas facilmente palatáveis, como Sting, John Mayer, Annie Lennox, Paul Simon, Santana, Joss Stone e Damien Rice. Nada de jazz mais aventureiro. A receita aqui é mais açucarada para não desagradar paladares menos experimentados. Eles também criaram uma série para músicos estreantes. O primeiro lançamento é uma banda de rock feminina desconhecida, Antígone Rising, que já vendeu 70 mil cópias nas lojas de café em menos de dois meses.
Essa estratégia é amparada por outras ações. Aonde mais seus tentáculos irão? Há um ano foi criada uma estação de rádio via satélite que oferece 130 canais digitais diferentes. A Hear Music também mantém um canal de entretenimento nos aviões da United Airlines. Aos poucos a Starbucks vai criando “media bars”, em que funde suas cafeterias com lojas de disco. Em algumas lojas, ainda experimentais, a música é o principal produto. O café é secundário. Nelas o cliente pode criar sua compilação personalizada e levar para casa um CD feito na hora, enquanto bebe o seu “latte”, um café com leite turbinado –sucesso de vendas que levou a “The Economist” a propor a adoção de um índice comparativo de preços (como existe com o Big Mac). O preço costuma ser um pouco acima de algo similar feito em outros lugares, mas esse é o padrão Starbucks (o último de Beck, “Guero”, era vendido US$ 2 acima do preço recomendado).
Um dos últimos lances da empresa foi com Bob Dylan, justamente no momento em que o interesse pelo artista aumenta, com o lançamento de sua biografia e do aclamado documentário de Martin Scorcese. O contrato prevê que a Starbucks tenha a exclusividade na venda por 18 meses de “Live at the Gaslight 1962”, que apresenta versões remasterizadas de dez músicas, até então disponíveis apenas em bootlegs. O preço é de US$ 13.95. Valor cheio para um lançamento.
Não deixa de haver uma certa ironia nesses acordos. Baseada em Seattle, nos EUA, a gigante Starbucks foi um dos alvos preferidos dos militantes anti-globalização nos protestos mundo afora. Provavelmente, só o McDonald’s teve mais lojas quebradas. Dylan, em compensação, já foi visto como um símbolo anti-establishment. Pelo visto equivocadamente. Mas não chega a ser uma surpresa, já que no ano passado o cantor permitiu que uma compilação exclusiva fosse vendida pela grife de lingerie Victoria’s Secret.
Mas esse apetite da Starbucks não é visto com bons olhos pela concorrência. No Canadá, por exemplo, a HMV, uma das principais lojas de venda de discos no país –e uma das maiores redes do mundo— recolheu todos os discos de Dylan de suas prateleiras. Foi uma retaliação contra o contrato de exclusividade com a Starbucks na distribuição do último disco do cantor, “Live at the Gaslight 1962”.
A HMV já tinha boicotado CDs de Alanis Morissette e dos Rolling Stones para mostrar sua insatisfação com contratos de exclusividade. Há poucos meses a Starbucks fechou um contrato de exclusividade com Alanis para vender sozinha nos EUA e no Canadá, durante seis semanas, a recém produzida versão acústica do disco de maior sucesso da cantora, “Jagged Little Pill” (de 1995).
Ainda não é possível saber como essa disputa evoluirá quando essa estratégia da Starbucks, hoje restrita à América do Norte, se espalhar para o resto do mundo. De todo modo, é possível que chegue ao Brasil. A rede de cafeterias tem um projeto antigo de se instalar no Brasil. Recentemente os boatos a esse respeito ganharam força novamente.