A cafeicultura hoje passa por problemas bem distintos. Propriedades rurais que dependem praticamente de trabalho manual, com o mínimo de mecanização, sofrem os efeitos da falta de mão de obra, principalmente por conta do Bolsa-Família. Quando conseguem contratar, produtores de regiões montanhosas, tem seus custos de produção aumentados violentamente em decorrência dos altos custos de mão de obra.
Aproximadamente, 72% do segmento utiliza trabalhadores tanto para colheita quanto serviços gerais. Calculamos a R$15,00/medida de 60 litros, que foi um valor praticamente corrente na colheita da última safra e que eleva tremendamente os custos da produção de café.
Vivemos um enorme contra-senso: O Programa Bolsa Família, para 11.000.000 de pessoas, impende o registro de trabalhador. A consequência é que, infelizmente, muitos beneficiados preferem não trabalhar e continuar no Programa.
Apagão de mão de obra não especializada
Conforme a lei do Bolsa Família, a partir do momento que o beneficiado for registrado, cessa-se imediatamente o vínculo com o projeto. Por outro lado, o empregador prefere registrar os funcionários porque é exigência legal, além de ser mais seguro para ambos os lados. Como resolver esse impasse? Há hoje um reposicionamento na pirâmide social do país. Representantes das classes C,D e E estão conquistando novas oportunidades de trabalho. No lugar dessas pessoas, trabalhadores de rendas mais baixas ocupam naturalmente esse espaço. Essa é a dinâmica de mercado. A evolução ocorre para todos. Entretanto, para estas famílias que recebem o benefício, o correto seria uma outra sistemática visando continuar com o apoio do programa, mas possibilitando o trabalho remunerado. Não é o que ocorre. Fica um abismo entre essas duas classes impactando muitos empregadores, em especial produtores rurais, que utilizam trabalhadores não especializados.
Qual a consequência do apagão da mão de obra? A invasão de estrangeiros vindos de países onde as leis trabalhistas são amadoras, quando não nulas. Haitianos, paraguaios, bolivianos e outros trabalhadores vindos voluntariamente, ou não, para preencher esse vácuo. Enquanto isso o Brasil cria um contingente de “bolsistas”, dos quais muitos perfeitamente aptos ao trabalho, porque a conjuntura econômica permite sua inclusão profissional.
As 11 milhões de bolsas- família, correspondem aproximadamente a 40 milhões de brasileiros vivendo na ociosidade. E para o empregador falta mão de obra. É urgente rever os critérios do Programa. Corremos o risco de termos no futuro um sem número de estrangeiros se profissionalizando no país, enquanto os brasileiros permanecem estagnados. Réplica do que vive a Europa hoje.
A falta de mão de obra mata a cafeicultura e outras atividades. E isso é oposto ao desenvolvimento. O programa Bolsa-Família deve continuar, mas com regras alinhadas ao crescimento não só de consumo, e sim de empregos. Uma ideia viável é suspender a proibição do registro e/ou do benefício em épocas de safra. O empregado tem um aumento da remuneração em 6 meses, e depois, não tendo a intenção de continuar trabalhando, tem seu benefício de volta assim que rescindido o contrato.
Salário Máximo, Lucro Mínimo
A crescente valorização da mão de obra na cafeicultura, impacta em até 60% no custo de produção. A economia brasileira em franco crescimento, alavanca esses valores, inviabilizando diversos segmentos, entre os quais, o café. A cafeicultura é importante geradora de divisas e agente uma social. O país responde por cerca de 50% do mercado de café arábica mundial. É, o mundo não fica sem o nosso café.
Portanto, traders e torrefadores internacionais precisam enxergar a nova economia nacional. O café brasileiro vale mais, porque tem qualidade e segue leis rígidas trabalhistas e ambientais. Nossos custos aumentaram e precisamos do retorno desse investimento. O preço da matéria prima é irrisório em comparação com o preço do produto preparado e industrializado.
A tabela abaixo apresenta o cálculo de uma produtividade de 22 sacas/ha que é aproximadamente o que produzimos. Se produzíssemos 40 a 50 sacas/ha, como alguns veículos divulgam, teríamos uma produção de 100.000.000 de sacas em média, o que não reflete a realidade.
Tabela: Custo de Produção da cafeicultura de montanha.
Características da Lavoura: Espaçamentos de
3,8 x 0,5m. Produtividade = 22 sacas/ha.
Itens de Despesa | Necessidade | Custo Total |
1) Controle de mato | ||
2 roçadas, 2 aplicações de herbicidas pós | 6 h.d | R$ 210,00 |
Limpeza Manual, repasse | 5 h.d | R$ 175,00 |
Herbicidas | 4 l | R$ 30,00 |
2)Adubação | ||
Aplicação Mecanizada (3) | 6 h.t | R$ 210,00 |
Adubo 20.05.20 | 1500 kg | R$ 1.900,00 |
Ac. Bórico | 15 kg | R$ 75,00 |
Calcáreo aplicado | 500 kg | R$ 70,00 |
3)Pulverizações | ||
3 aplicações, sendo 2 com fungicidas | R$ 250,00 | |
Micronutrientes foliares | R$ 50,00 | |
fungicida triazol | R$ 80,00 | |
fungicida cúprico | 6 kg | R$ 90,00 |
Inseticida | 2 l | R$ 40,00 |
4)Arruação, Limpeza para colheita | 6 hd | R$ 280,00 |
5)Colheita | 15,00/medida | R$ 2.640,00 |
6)Preparo (seca/beneficiamento) | 25,00 / saca | R$ 550,00 |
7)Utensílios | R$ 100,00 | |
8)Outros (Adm,transp.,impostos,retiradas para o produtor, custos sociais) | 25% | R$ 1.687,00 |
TOTAL | R$ 8.437,00 | |
Custo direto / saca = R$ 8437,00 / 22 = R$ 383,50 Depreciação de Instalações = 150,00/ha/ano Despesas Indiretas / saca = R$ 59,14 Custo Total por saca (direta + indireta) = R$442,67 |
*HD = 35,00/Dia
*Nesses custos não levamos em consideração:
Remuneração do Capital Empatado, depreciação de veículos e semoventes e despesas ambientais.
AM/NL-03/2012
Referência: Cultura do Café no Brasil. Matiello, Santinato, Garcia, Almeida e Fernandes. Páginas 430 e 431. MAPA/PROCAFÉ.
Fonte: SINCAL
Possíveis Soluções
É crítico que toda a cadeia cafeeira, como comerciantes, cooperativas, exportadores e importadores, além do Ministério da Agricultura,enquanto gestor, precisam repensar essas práticas de mercado. Com um custo da saca de café apresentado acima de R$ 442, isso inviabiliza a cafeicultura nacional nos atuais patamares de preço. O produtor vendeu o café em mais de dez anos na faixa de R$ 250/saca. O discreto aumento para R$ 400 ou R$ 500/saca, não cobre as perdas desse período, sequer investimentos futuros.
Para “afundar” ainda mais o setor, o produtor não familiarizado com cálculos, aceita esse preço que está muito aquém do necessário para manter uma propriedade. O empregado precisa de uma política que estimule o trabalho, não a ociosidade. O empregador, estratégias de crescimento sólidas, não frágeis. O país, um planejamento de longo prazo sério e comprometido. Estamos dispostos ao diálogo.
Armando Matielli – Presidente Executivo da SINCAL
Cafeicultor em Guapé – MG
Eng. Agrônomo com MBA em Marketing na FGV.
Actualizado em (Quinta, 22 Março 2012 21:23)