Seul, quem diria, vira a capital das cafeterias

25 de novembro de 2014 | Sem comentários Cafeteria Consumo

Valor Econômico – 25/11/14


“Koppii”, que significa café em coreano, é a palavra do momento em Seul. Quem percorre as principais ruas e avenidas da capital da Coreia do Sul, onde vivem mais de 10 milhões de habitantes, logo perde a conta do impressionante número de cafeterias. Estão por todos os cantos e já são tão marcantes quanto os engarrafamentos. Estima-se que sejam entre 12 mil e 15 mil e que o total poderá se aproximar de 20 mil nos próximos meses, uma concentração sem paralelo em nenhum outro lugar do planeta.


Mais do que apenas mais um evidente sinal de que o café caiu de vez no gosto dos sul-coreanos, tradicionais apreciadores de chá, a proliferação de cafeterias acompanha as mudanças de comportamento em curso na sociedade local, sobretudo entre os jovens. As cafeterias se tornaram os pontos de encontro da moda. Não é barato frequentá-las, mas nada que as tornem inviáveis. Nesses pontos, uma xícara sai por entre US$ 4 e US$ 5, bem menos do que em um hotel de luxo, por exemplo, onde o valor pode chegar a US$ 30. O fato é que Seul é uma cidade cara, e é preciso abrir o bolso para estar na moda.


Mas a moda cobra seu preço também de outras formas. Como a concorrência é acirrada, muitas cafeterias não conseguem sobreviver por muito tempo. Sunny Yoon, diretora financeira e de treinamento da empresa sul-coreana CBSC, calcula que 50% das lojas que abrem as portas são obrigadas a fechá-las pouco tempo depois ou são incorporadas por outros empresários. Ela diz que a implantação de um pequena cafeteria custa pelo menos US$ 80 mil.


A “densidade” em Seul é tamanha que, há cerca de três meses, o governo local estabeleceu que uma nova cafeteria, para ser inaugurada, precisa estar a uma distância de entre três e seis metros das demais existentes no entorno. Mas a expansão prossegue e gera negócios paralelos que também chamam a atenção. Há no país, por exemplo, cerca de 200 academias que atuam como consultorias voltadas ao segmento, com cursos e treinamentos que ensinam milhares de interessados como a bebida tem de ser preparada para atender aos paladares mais exigentes. O governo subsidia 50% desses cursos, e os baristas estão em alta em Seul.


A CBSC, onde Sunny Yoon trabalha, foi fundada por um barista sul-coreano e oferece orientação para a abertura de cafeterias no país e em outros mercados. Mas a empresa é mais sofisticada que a média. Conta também com uma pequena torrefação e, como não poderia deixar de ser, mantém duas cafeterias.


Josefina Jang, tradutora brasileira com origens na Coreia, explica que, em Seul, essas lojas são um dos poucos lugares de lazer onde é possível permanecer por mais tempo. Ela mora no país há mais de dez anos e observa que os sul-coreanos, que gostam de uma boa conversa, não podem permanecer em restaurantes, por exemplo, o tempo que gostariam para papear com familiares e amigos, como no Brasil. Se está calor, as pessoas vão para as cafeterias mesmo sozinhas em busca de um ambiente climatizado. E se está frio, adivinhe onde elas vão?


Josefina contou ao Valor que, quando fazia faculdade em Seul, chegou a ficar noites inteiras em cafeterias para estudar e concluir os trabalhos do curso, um hábito cada vez mais comum entre os universitários do país. Conforme estatísticas da Organização Internacional do Café (OIC), em 2011 (último dado disponível) o consumo per capita de café na Coreia do Sul chegou a 2,1 quilos por ano. É crescente, mas ainda há muito espaço para a média subir. No Japão, que lidera esse ranking na Ásia, são 3,4; no Brasil, a média supera 6 quilos (café verde).


Park Joo Hee, barista que trabalha em uma loja da rede local Sedona, diz que vende de 150 a 200 xícaras de café por dia. Os clientes preferem o produto misturado com leite ou no estilo “americano” (espresso diluído com água). Ela confirma que, ali, dentro de um shopping, prevalecem clientes com entre 20 a 30 anos. A cadeia é formada por cinco cafeterias em Seul. Funcionária da rede Coffine Gurunaru, You Euijung expõe outra faceta da febre que se espalha pela capital sul-coreana: ser barista, para ela, é a “segunda profissão” que sustenta seu plano prioritário, que é se firmar como atriz de musicais.


Entre os consumidores, o hábito também começa a ganhar alguma sofisticação. Se o estudante Hong Yepyo, de 24 anos, não sabe praticamente nada sobre café, o professor Jim Won Kim, aos 44, já sabe que em Seul ele consome muito café produzido na África e que o do Brasil também é “muito bom”. Animado, esteve no Café Show – maior evento do segmento na Ásia, que terminou no domingo na capital sul-coreana – em busca de informações sobre máquinas de café.


Kim afirma que bebe muito mais café atualmente do que quando tinha 20 anos. Naquela época, lembra, consumia a bebida instantânea, até que aprendeu a preparar, em casa, o produto torrado e moído. “O gosto ficou melhor”. Em boa parte dos países asiáticos, nos quais as xícaras normalmente preferem o chá, a porta de entrada do café foi mesmo o solúvel, normalmente mais baratos e feito com grãos menos nobres.


Tanto o estudante quanto o professor colaboram para uma expansão que, além de ter mais do que duplicado o consumo e o número de cafeterias na Coreia do Sul desde 2005, também motiva grupos locais a se expandirem em outras fronteiras. A CaffeBene, uma das maiores cadeias do país, onde conta com mais de 900 lojas, já fincou raízes nos Estados Unidos. Um bom contraponto à americana Starbucks, que tem mais de 600 lojas na Coreia do Sul, conforme dados da Terarosa, outra sul-coreana que tem sua rede de cafeterias, concentrada em Seul.


Apesar da presença de grandes redes, estima-se que três quartos das cafeterias instaladas na Coreia do Sul sejam administradas por empresários de pequeno porte, que muitas vezes tocam sozinhos lojas menores, com vendas mais restritas. Se não conseguem se diferenciar, engordam a elevada “taxa de mortalidade” que marca o segmento. Não muito diferente da situação dos pequenos torrefadores, que atualmente elevam a aposta em grãos especiais, de maior qualidade, para seguir adiante.


Em 2013, o mercado de café como um todo movimentou US$ 6,165 bilhões na Coreia do Sul, ante US$ 4,13 bilhões em 2012 – um crescimento de quase 50%, conforme as estatísticas do “The Korea Economic Daily News” compilados pela Terarosa. Em 2007, o mercado era avaliado em US$ 1,558 bilhão. No ano passado, o café torrado e moído tinha uma participação de 40,6% na receita total do segmento, enquanto a fatia do solúvel já era de apenas 5,1%. No mercado de bebidas prontas para beber, sua fatia já foi de 22,7%.


Sem produção própria, a Coreia do Sul tem de recorrer a importações para atender ao seu novo pujante segmento. Do total importado pelo país – de 120 mil toneladas, ou 2 milhões de sacas de 60 quilos -, a maior parte é originária do Vietnã, cujo foco está na espécie robusta, que domina os cafés solúveis. Em seguida aparece o Brasil, cujos exportadores nunca torceram tanto pelo sucesso do país asiático.


A jornalista viajou a convite da Apex

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