Agronegócio | 23/12/2009 | 17h57min
Setor de máquinas agrícolas vai encerrar 2009 no vermelho
Nem mesmo programas de incentivo do governo conseguiram reverter os efeitos da criseNúria Saldanha | Mogi das Cruzes (SP)
O setor de máquinas agrícolas vai encerrar o ano no vermelho. A indústria registrou queda nas vendas e no faturamento. Nem mesmo programas de incentivo do governo conseguiram reverter os efeitos da crise.
Com a ajuda do filho, a agricultora Lourdes Célia Orth sustenta a família com a produção de frutas. É um pomar de oito hectares, em São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul. Durante muito tempo, o trabalho foi feito com um velho trator. Porém, este ano, com incentivo do governo, Lourdes conseguiu comprar uma nova máquina. Aproveitou a linha do chamado mais alimentos, com juros reduzidos e prazo de 10 anos para pagar. Desde que chegou no sítio, o trator de 50 cavalos tem ajudado a preparar novas áreas de Citrus.
— O grande tem mais força. A gente pode entrar numa roça e dá um serviço, não é? Tem mais força e rende mais — diz a agricultora.
O mesmo programa que ajudou o produtor a renovar a frota, salvou o ano da indústria de máquinas e equipamentos agrícolas.
— Não houve nenhum grande investimento em máquinas agrícolas. A maior parte de vendas de máquinas foi suportada por programas sociais fronteira — explica o analista de mercado André Pessoa.
No início do ano, as vendas despencaram no setor de máquinas. Com a incerteza sobre o desempenho da agricultura, o produtor adiou as compras. Isso porque para adquirir um trator ou uma colheitadeira que pode custar de R$ 50 mil a R$ 1 milhão é preciso buscar empréstimo no banco. Com a crise, o crédito durante boa parte deste ano sumiu do mercado.
Fabricantes de tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas tiveram que se reorganizar. Um grande número de funcionários foi dispensado. Em uma unidade de plantadeiras e colheitadeiras, localizada na região noroeste do Rio Grande do Sul, mais de 740 trabalhadores perderam o emprego. O cancelamento de uma venda de 300 máquinas para a Argentina e a falta de novas encomendas no começo do ano foram apontados como motivos para as demissões. Outras indústrias até mudaram o perfil das fábricas para máquinas menores, contempladas pelos programas oficiais.
— Com o programa nos dedicamos a nacionalizar o produto. Introduzimos no nosso programa dois produtos de 57 e 65 cavalos. Essa nacionalização nos possibilita no programa mais alimentos e outras linhas de financiamento como o Finame — comenta o gerente de vendas da John Deere, João Pontes.
Os três primeiros meses do ano foram sombrios para o setor de máquinas agrícolas, mas a partir de abril, com programas de incentivo, as vendas foram retomadas aos poucos e o setor iniciou um processo de recuperação.
Em uma fábrica aqui no interior de SP, antes da crise eram produzidos 60 tratores por dia, no período mais crítico do ano o volume caiu pela metade e atualmente a fábrica já voltou a produzir 48 máquinas diariamente. Dos 500 funcionários demitidos, 230 foram recontratados para atender aos pedidos que não param de chegar. E já tem até fila de espera. Quem quiser comprar uma máquina hoje, só vai receber na segunda quinzena de fevereiro.
— Atualmente, praticamente 60% das vendas são de tratores de baixa potência até 75 cavalos. Obviamente, as rentabilidades das fabricas estão bastante diminuídas em função dessa situação. Ainda assim, é positivo, porque não fossem esses programas talvez o mercado tivesse sofrido muito mais — diz o vice-presidente para vendas da América do Sul da AGCO, Orlando Capelossa Silva.
A partir de agosto entrou no mercado o Finame PSI, uma linha de crédito subsidiada pelo governo com juros de 4,5% ao ano e prazo de 10 anos para o pagamento. As vendas reagiram, mas não o suficiente para reverter os prejuízos acumulados ao longo de 2009.
— Esse Finame Especial PSI chamado pelo BNDES foi uma medida bastante importante. Eu não diria que foi tardia, mas se tivesse acontecido na época do Agrishow, em maio, teria contribuído muito para as vendas do setor. É uma pena não ter acontecido antes. Nós devemos fechar 2009 com uma queda de 25% a 30% até o final de dezembro em termos de faturamento em relação a 2008 — avalia o presidente da Câmara Setorial de Máquinas Agrícolas da Abimaq, Celso Casale.
De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, até novembro foram vendidos 41,383 mil tratores, 863 a mais do que no mesmo período do ano passado. Já no setor de colheitadeiras de grãos, o resultado foi negativo. As vendas alcançaram 3,026 mil unidades, cerca de mil a menos do que no período anterior, uma queda de 25%.
O setor perdeu 3,24 mil postos de emprego este ano. O segmento de máquinas e implementos, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), chegou a apresentar queda de 51% no faturamento. Apesar dos incentivos do governo com o programa Mais Alimentos e o Finame PSI, o setor vai encerrar 2009 com queda de 30% nas vendas. Para a indústria, 2010 deve ser mais um ano difícil, mas um pouco melhor do que o período que chega ao fim.
— O câmbio afeta o nosso setor de várias formas. Primeiro, porque não conseguimos exportar; segundo porque nós perdemos a competitividade mesmo que internamente para máquinas importadas, com preços inferiores; e terceiro, em relação à própria commodity. Se o produtor não tiver sua produção valorizada, se não tiver ganhos, ele não tem como fazer investimento, isso preocupa mesmo — explica Casale.
— Nós trabalhamos com uma expectativa muito boa. A AGCO faz planos de recontratação de pessoas, faz planos de um mercado no mínimo semelhante a 2009. O fundamental para nós é que essas linhas de financiamento não sequem — completa Orlando Capelossa Silva.
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