Será sustentável o crescimento do agronegócio brasileiro? (I)

Publicação: 03/05/07

Por: VALOR ECONÔMICO

O Brasil está colhendo neste ano uma excelente safra. Depois de dois anos muito difíceis (três, em algumas regiões) a renda agrícola volta a subir, e com ela a venda de insumos e máquinas. Além disso, a questão do aquecimento global levou a um inusitado interesse nos biocombustíveis e a uma avalanche de dinheiro para novos projetos. É relevante, portanto perguntar se o crescimento antevisto será sustentável ou se corremos o risco de repetir o ocorrido com a soja, que após alguns anos de extraordinário crescimento se viu frente a uma crise financeira de grandes proporções.


Um ponto de partida útil é avaliar quais são nossas atuais vantagens e fraquezas, para depois acrescentar os pontos positivos e as limitações da nova demanda sobre o setor. Daí, uma avaliação final pode ser tentada. A força do agronegócio brasileiro vem de mais de 30 anos de construção de um sistema de produção de larga escala, eficiente e muito flexível. É um sistema único, que resultou em condições tropicais nos mesmos padrões de produtividade e eficiência das regiões temperadas.


A vantagem de terras abundantes, de pastos e cerrados, e barata e boa oferta de água foi alavancada pelo desenvolvimento do sistema de plantio direto, que substituiu a tecnologia do arado, fatal em terras tropicais. Com o apoio da pesquisa foi possível generalizar a prática de duas safras por ano, bem como uma crescente integração entre lavoura e pecuária (seja dentro do ano, seja entre anos); a rotação de culturas reduz as pragas e o custo de produção. A diversificação de produtos reduz riscos e atrai indústrias processadoras e de insumos. Ao mesmo tempo, a expansão do sistema de ensino forneceu os talentos necessários para a difusão da tecnologia. Finalmente, há muito tempo a agropecuária aprendeu que a inovação constante é a única forma de manter uma boa renda, num mercado onde os benefícios da alta da produtividade são, em larga parte, passados aos consumidores sob a forma de baixa de preços.


Por outro lado, o agronegócio enfrenta hoje pelo menos quatro grandes restrições que limitam e reduzem seu potencial de crescimento. Algumas destas restrições afetam também o resto do sistema produtivo. São elas:


1) Sistema tributário complexo que, em particular, gera um fluxo de créditos de ICMS interestadual de custosa e difícil recuperação, elevando os custos de comercialização e reduzindo a competitividade da indústria processadora.


2) Custo marginal de utilidades (energia elétrica, água, vapor etc) crescente. Em especial vale lembrar que os riscos no suprimento de energia elétrica são cada vez maiores e que as autoridades já decidiram que boa parte da conta será paga pela indústria.


3) Custos de transportes e nos portos cada vez mais elevados, dada a rapidez do desmanche de nossa infra-estrutura.


—————————————————————————— A agropecuária aprendeu que a inovação é a forma de manter a boa renda, pois os benefícios são passados aos consumidores sob a forma de baixa de preços ——————————————————————————–


4) Restrições ideológicas, quase religiosas, à pesquisa de organismos geneticamente modificados. Enquanto até a cautelosa Europa admite a expansão destes produtos, não conseguimos reduzir custos e melhorar a produtividade pelo bloqueio oficial à pesquisa. É a vitória da ignorância, tão bem ilustrada pela destruição do viveiro de mudas da Aracruz no ano passado.


Olhemos agora a nova agenda internacional derivada da questão do aquecimento global. É fácil reconhecer a grande vantagem para o Brasil: a demanda por etanol e biodiesel veio para ficar; além disso, o álcool de cana é o único produto eficiente na economia de petróleo e competitivo sem subsídio disponível hoje no mundo.


Entretanto, as restrições que vêm junto com esta agenda não foram, a meu juízo, completamente compreendidas por nós. São elas:


1) Amazônia: é imperioso restringir de forma drástica a queima da floresta e a extração ilegal de madeira, como questão de cidadania e de contribuição à redução do aquecimento global. O agronegócio tem um papel fundamental nisto, inclusive porque a questão da Amazônia é também uma boa desculpa para práticas protecionistas, como mostra a virulenta campanha da Irlanda contra a carne brasileira, produzida e exportada em larga escala no centro e sul do país.


2) A autonomia energética dá novo e poderoso argumento protecionista para os Estados Unidos e Europa.


3) É indispensável o completo atendimento da legislação trabalhista, especialmente no que diz respeito às condições de trabalho e trabalho infantil.


4) As regras de sanidade, rastreabilidade e certificações têm que ser completamente cumpridas. Não é mais possível colocar brincos no gado a ser abatido a um quilômetro do frigorífico.


As restrições domésticas mais as externas constituem uma agenda pesada a ser enfrentada. Embora seja difícil avaliar onde teremos mais sucesso, parece seguro que poderemos avançar, ainda que parcialmente. Entretanto, será também necessário deixar de olhar apenas para questões passadas, como rolagens de dívidas (uma questão cada vez mais localizada) e enfrentar o futuro. Quem não enfrentar a nova agenda (fazendeiros, regiões e empresas) será engolido em pouco tempo.


Que mudanças podem ser visualizadas a partir do descrito até aqui? Podemos pensar em, pelo menos, três diferentes dimensões: geografia, microeconomia e linha de produtos, das quais trataremos hoje apenas da primeira.


No que tange à geografia, acredito que está havendo uma mudança fundamental. De fato, no período recente a expansão da produção se pautou por busca de terras baratas, planas e com clima confiável, ou seja, do Centro-Oeste para o Norte do país. Ora, a deterioração das estradas e o fechamento da saída pelo norte do país, em função da questão amazônica, estão levando uma alteração das vantagens comparativas, em favor das regiões mais próximas dos portos. Por exemplo, São Paulo, Paraná e outros Estados do Sul têm ganhos óbvios em relação ao Mato Grosso, bastando ver os preços relativos de milho, e o resultado econômico desta safra de verão para os produtores, por exemplo, da região de Londrina. Exceções a este caso geral são: a expansão da produção avícola no Centro-Oeste, em função dos baixos preços de grãos, e as soluções localizadas, como a produção de biodiesel no Mato Grosso para consumo local.


José Roberto Mendonça de Barros é economista da MB Associados. Escreve mensalmente às quintas-feiras.
 

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