Correio Braziliense
Paloma Oliveto
Há 10 anos, a Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária (Embrapa) anunciou o sequenciamento funcional (estudo da função biológica dos genes) do café, planta que dá origem à bebida mais consumida, depois da água, em todo o mundo – são 2,25 bilhões de xícaras ingeridas diariamente no planeta. Agora, um grupo internacional de pesquisadores, incluindo brasileiros, decifrou totalmente o genoma da planta (além da função biológica dos genes, sua estrutura física), trabalho que deverá contribuir muito para o melhoramento do produto. O estudo foi publicado na revista Science.
Uma das principais commodities brasileiras, o café também é o carro-chefe da economia de países como Colômbia e Vietnã e, no ano passado, movimentou US$ 15,4 bilhões em exportações, empregando cerca de 26 milhões de pessoas de 52 nações em 2010. Não à toa, o melhoramento é uma estratégia perseguida pela indústria – principalmente em tempos de extremos climáticos que podem colocar a safra em risco. Há uma semana, por exemplo, o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP (Cepea) divulgou que, devido à forte seca que atinge o Brasil, haverá até 65% de perda na safra 2014/2015.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Alan Andrade, um dos autores do estudo, os resultados divulgados agora trazem dois impactos: o científico e o de aplicação prática. No primeiro caso, o sequenciamento revelou que, no café, a evolução da biossíntese da cafeína ocorreu de forma diferente da verificada em outras plantas que também sintetizam a substância, como o chá e o cacau. O café, portanto, não herdou os genes associados à cafeína de um ancestral comum, mas os desenvolveu por conta própria.
Aplicações — “Acho que o mais importante é a parte aplicada”, destaca Andrade, que coordenou o sequenciamento funcional do café em 2004. “Há três anos, a Embrapa está usando esse genoma visando o melhoramento do café”, conta. Ele explica que, por ser uma espécie perene – a mesma árvore vai produzir os frutos por muitos anos -, o programa de melhoramento é demorado. São necessários cerca de quatro anos do plantio da muda até a primeira produção para que os pesquisadores possam avaliar se os experimentos para aperfeiçoar o aroma, o sabor ou a resistência climática, por exemplo, deram certo.
Agora, com o genoma do café completamente decifrado, será possível fazer essa análise em apenas seis meses, bastando investigar o DNA da folhinha de uma muda. “Assim, saberemos como ela vai se comportar quando for para o campo”, diz o cientista. O sequenciamento também vai ajudar a integrar o trabalho dos pesquisadores porque, com um único exame genético, eles poderão prever tanto a qualidade da planta quanto características como a resistência a pragas.
“O trabalho será integrado. Por exemplo, uma planta é promissora para o sabor e o aroma, mas é sensível à seca. Então, você procura, pelo DNA, uma outra muda que tenha a combinação das duas características”, explica o especialista. A Embrapa tem um catálogo de mais de mil plantas genotipadas para que os cientistas da instituição possam fazer esse tipo de pesquisa. “Já sabemos quem são os candidatos para ir ao campo”, diz Alan Andrade. “Em vez de esperar 30 anos, em cinco já teremos os resultados validados”, comemora.
Ele explica que há várias outras aplicações práticas. “Hoje, o produtor vai ao viveiro e compra uma muda. O viveirista fala que é catuaí-vermelho. Ele leva para o campo, mas não tem garantia nenhuma de que a muda é daquela variedade de fato. A partir de agora, ele terá 100% de certeza”, exemplifica. O pesquisador da Embrapa esclarece que, embora, com a publicação do estudo, produtores do mundo inteiro passem a ter acesso a dados importantes sobre o melhoramento da planta, o Brasil já está pelo menos seis anos à frente. “Temos essa vantagem competitiva”, avisa.
Palavra do especialista
Produtividade e qualidade — “O Brasil foi um dos pioneiros nos estudos genômicos do café, criando o maior banco mundial de sequências expressas do cafeeiro. Trata-se do Projeto Brasileiro do Genoma Funcional do Café, que beneficiará tanto produtores quanto consumidores porque esses conhecimentos científicos permitem a geração de ferramentas biotecnológicas que auxiliam os programas de melhoramento. Como resultado, teremos menores custos de produção, maior proteção ambiental e produtividade das lavouras, tudo isso contribuindo para maior competitividade e qualidade. Além disso, o sequenciamento do genoma pode permitir o desenvolvimento seguro e mais rápido de variedades com características especiais, tais como a resistência à seca, que já ocasionou quebra na safra e prejuízos. Também será possível obter cafés com maior intensidade de aromas e sabores ou plantas com menor teor de cafeína. O conhecimento genômico do café pode permitir avanços na produtividade, com melhoria da qualidade e valorização do produto brasileiro.” – Américo Takamitsu Sato, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).