Sem prevenção, a abundância pode tornar-se escassez

Por: Valor Economico

SUPLEMENTO
28/10/2008
 
Sem prevenção, a abundância pode tornar-se escassez
 
 
Rosangela Capozoli, para o Valor, de São Paulo
Os anos de fartura de grãos brasileiros serão seriamente comprometidos pelo aquecimento global num futuro não muito distante. Isto se nada for feito para reduzir a velocidade das mudanças climáticas e se não aumentarem os investimentos em pesquisas para minimizar os efeitos sobre a agricultura.


As perdas na produção de alimentos, por exemplo, deverão beirar R$ 7,4 bilhões em 2020, subindo para R$ 10,7 bilhões em 2050 e atingindo R$ 14 bilhões em 2070. No cenário mais pessimista, esses prejuízos chegarão a R$ 10,2 bilhões. A soja, que colocou o país em 2º lugar no ranking mundial, perdendo apenas para os EUA, deverá ser a primeira da lista entre as culturas mais afetadas. No pior cenário, as perdas poderão atingir 40% dentro de 62 anos, contabilizando prejuízos de até R$ 7,6 bilhões. Os dados constam do estudo intitulado “Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira”, realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com a Universidade de Campinas (Unicamp).


As duas únicas culturas que terão ganhos com um cenário mais aquecido é a da cana-de-açúcar, cuja safra renderá R$ 27 bilhões a mais que a de 2006, ano tomado como base pelo estudo. A outra cultura é a da mandioca, cuja safra, em 2070, será R$ 1 bilhão superior à atual.


As previsões são de longo prazo e os especialistas lembram que esse é o pior cenário. O que de fato acontecerá depende de uma série de fatores climáticos e do sucesso das pesquisas. A própria Embrapa está iniciando dois grandes projetos em rede que contemplam o “impacto das mudanças climáticas”, um deles estuda as doenças e plantas daninhas, o outro traça modelos futuros para o comportamento das plantações e melhoria das espécies. A intenção é subsidiar políticas públicas que possam reduzir o impacto do clima sobre o agronegócio brasileiro.


Até agora, as colheitas vêm aumentando. A previsão para a safra 2008/09 está entre 142,03 milhões de toneladas e 144,5 milhões de toneladas – ou seja, estima de uma queda de 1,2% a aumento de 0,5% sobre a safra anterior, de 143,8 milhões de toneladas, até então a maior da história. Os dados foram divulgados no último dia 8 pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).


O cenário de abundância, no entanto, poderá mudar para escassez se governo e sociedade civil não dobrarem esforços imediatamente, prevêem os especialistas que elaboraram o relatório. Entre as culturas analisadas está a do café arábica, que também se destaca dentro do cenário de perdas. Mesmo nas áreas de baixo risco para esse tipo de grão, que se estendem por São Paulo e Minas Gerais, a safra poderá minguar 9,48% no ano de 2020, apesar de um possível aumento de produção no Sul do país.


O feijão e o arroz, alimentos básicos do brasileiro, contabilizariam prejuízos acentuados. O primeiro, cujo cultivo é voltado principalmente para o abastecimento interno – 67% da produção vem da agricultura familiar – , teria uma perda calculada da ordem de R$ 155 milhões em 2020, podendo alcançar R$ 473 milhões no ano de 2070. O feijão é produzido em quase todo o Brasil, sendo Paraná, Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Goiás e Santa Catarina os principais Estados produtores. Já o arroz, considerado uma cultura de alto risco devido à extrema sensibilidade às variações climáticas, em 2020, totalizaria perdas de R$ 417 milhões e uma redução em sua área apta para o plantio de quase 10% nas áreas produtoras. Em 2070, as perdas atingiriam R$ 610 milhões. Hoje a maior lavoura do arroz encontra-se em regiões com níveis de chuva mais propícios, em especial no centro-norte do Mato Grosso. “É difícil mensurar os danos que o aquecimento global causaria na agricultura, mas os estudos mostram os riscos que todos nós corremos a partir de agora e no médio prazo”, afirma o ambientalista Walter Lazzarini, presidente da Walter Lazzarini Consultoria Ambiental.


Para Lazzarini, por mais que a Embrapa tenha se aprofundado no trabalho, “é difícil quantificar os prejuízos que advêm da elevação da temperatura. “Até 2100 é previsto um aumento de até 5 C na temperatura num cenário mais pessimista. Nós suportaremos, mas como se comportarão os inimigos naturais e as pragas?”, questiona. Para os insetos predadores da lavoura – aqueles que atacam as pragas -, a elevação de 1º C ou 2º C poderá ser fatal. “As pragas poderão ter um desenvolvimento muito maior com prejuízos significativos, difíceis de serem avaliados. Mas o fato é que temos que evitar que isso aconteça”, conclui.


“Estamos mostrando o pior cenário para evitar que o pior venha a ocorrer”, justifica Eduardo Assad, chefe geral da Embrapa Informática e Agropecuária e coordenador da pesquisa. O pesquisador faz questão de realçar que “esse cenário sombrio só ocorrerá se nada for feito em termos de mitigação, adaptação e investimentos em pesquisas”. “Está nas mãos do agronegócio adotar formas de manejar melhor o solo e reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, afirma o coordenador. Ele ressalta que “as pesquisas voltadas para o setor permitiram que nas últimas décadas o país aumentasse significativamente a produtividade agrícola, colocando o Brasil em uma posição de liderança mundial”. “A continuação dessas pesquisas também pode evitar esse futuro negro.”


Entre as lavouras analisadas, a cana-de-açúcar seria a maior beneficiada. O estudo demonstra que dentro de 12 anos, a área cultivada com a cana deverá passar dos atuais 6 milhões para 17 milhões de hectares. 

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