alta de chuva faz produtores de hortaliças aumentarem irrigação para salvar lavouras e adiar plantação para diminuir perdas. Preços disparam com alta de custos e baixa oferta
Francelle Marzano e Pedro Rocha Franco
Plantação de alface em Mário Campos sofre com o excesso de sol: caixa que era vendida por R$ 13 ultrapassou R$ 25
Janeiro e fevereiro são meses marcados por temporais que devastam as lavouras. As fortes chuvas assolam pés de alface e hortaliças e é preciso cuidado extra com as pragas. Não fosse ruim o bastante o drama de todo início de ano, em 2014 produtores rurais mineiros sofrem com situação atípica do período, ainda mais crítica com a seca que afeta as plantações. Sem chuva, as hortaliças não vingam o suficiente, é preciso aumentar a irrigação, elevando consideravelmente o custo para tentar salvar as plantações. Nem sempre é possível. E pior: há casos mais graves em que cisternas e poços d”água secaram, resultando na perda total das lavouras. A elevação de preços já pode ser sentida em algumas culturas (veja quadro), mas o repasse maior dos custos deve ser percebido nas próximas semanas.
No Cinturão Verde, principal região fornecedora de hortaliças para o entreposto de Contagem das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CeasaMinas), a falta de chuvas interfere diretamente na qualidade e no custo de produção. O excesso de sol das últimas semanas tem obrigado os produtores a aumentar a irrigação, mas nem assim as plantações conseguem se manter. “A água tem ficado ligada quatro horas. É o dobro de antes. Planta, molha, mas tudo murcha”, afirma Ediones Domingos de Oliveira, produtor de Mário Campos.
Nem um terço da área disponível está cultivada. Isso porque com as dificuldades de colher a decisão foi por plantar menos para diminuir as perdas. No lugar das hortaliças, o que cresce é o mato. Acostumado em janeiro a sofrer com as chuvas de verão, desta vez o castigo é o inverso. E ele reclama: “Chuva demais dificulta a colheita, mas sol demais é ainda pior”. Oferta reduzida é igual a aumento de preços. A caixa da alface crespa, que antes custava menos que R$ 13, por exemplo, ultrapassou R$ 25 nesta semana.
Mas a situação de Oliveira é bem mais tranquila do que a de produtores vizinhos do Bairro Tangará, também em Mario Campos. Lá, a falta de chuvas resultou na seca da cisterna de uma das plantações de Joaquim Pedro Campos. “Com 22 metros de profundidade, não é possível ver nem sinal de água e, sem ela, não tem nada que vence”, diz ele. A última colheita foi há 20 dias.
Perto dali, a produtora Wanda Campos Sales tenta salvar o pouco da lavoura que não se perdeu. A alface, além de ter crescido pouco, amarelou. A cebolinha está com as pontas queimadas. A rúcula e a acelga não cresceram o suficiente e os problemas se repetem com o almeirão, a mostarda e o rabanete. Há três semanas, ela instalou um sistema de irrigação mais econômico, ao custo de R$ 2 mil, mas sem água não há nem o que economizar. “Para a gente é uma tragédia. Deixei de lucrar cerca de R$ 10 mil com os produtos perdidos em janeiro e na primeira semana de fevereiro”, calcula.
PECUÁRIA E GRÃOS A expectativa é de que ocorram chuvas mais brandas nos próximos dias para tentar mudar o cenário. Caso contrário, a seca que atinge o estado pode causar ainda mais prejuízos, com perdas de produção para as lavouras de grãos como soja, milho e café, além da pecuária e hortigranjeiro. O volume da produção perdida até agora com o veranico ainda não pode ser calculado, mas especialistas apostam em números de até 60%. No Norte de Minas, por exemplo, os prejuízos podem ultrapassar os 70% nas culturas de milho, feijão, mandioca, cana e de sorgo, também chamado milho-zaburro, de acordo com gerente regional da Emater de Montes Claros, Ricardo Demicheli. Segundo ele, outra preocupação dos produtores da região é com a bovinocultura, que ainda não foi afetada por conta das chuvas registradas no início de dezembro. “Não registramos mortes nem preço mais caro da arroba do boi, mas não temos reserva de alimento para os próximos meses”, explica.
Escassez deve pesar a inflação
Segundo o coordenador de informações da CeasaMinas, Ricardo Fernandes Martins, a oferta dos produtos é a mesma registrada no ano passado e os preços seguem no mesmo patamar. Entretanto, ele afirma que pode ocorrer queda na oferta, o que vai se traduzir em inflação mais alta nos próximos meses. “É um veranico longo, os produtores esperam chuvas nos próximos dias, mas se não acontecer, o impacto na produção será grande”, afirma. Em Janeiro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país e calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), avançou 0,55%. O grupo alimentação e bebidas subiu 0,84% e pesou na alta do indicador.
De acordo com Martins, os itens que apresentaram maior variação de preço para o consumidor entre dezembro e janeiro foram o chuchu, que passou de R$ 0,68 o quilo para R$ 1,46, alta de 125%. Em seguida aparece a beterraba (64%), de R$ 0,85 para R$ 1,39. As hortaliças folhosas, mais sensíveis ao forte calor, também devem pesar a inflação no próximo mês. A alface, que em dezembro era vendida a R$ 2,58 o quilo no Ceasa Minas, já passou para R$ 3,95, alta de 53%. “A incidência do sol compromete a qualidade dos produtos, principalmente das folhosas que registram tempo de prateleira menor nessa época do que em temperaturas amenas”, afirma a coordenadora da assessoria técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Aline Veloso.
No varejo, a alta de preços já é realidade. No Sacolão ABC de Minas, chuchu, laranja e banana prata tiveram aumento de preço nos últimos dias, segundo a gerente Williane Marley. O quilo do chuchu pulou de R$ 0,99 para R$ 3,99. Além da alta, a psicóloga Maria Souza Carvalho e o marido Saulo Almeida percebem alterações na qualidade dos alimentos. “Estão ficando feias e não dá para aproveitar tudo, além de durar muito menos”, diz ela em relação às folhas.
BATATA De acordo com a Faemg, o déficit hídrico é ainda mais alarmante para a cultura do café, já que a falta de água pode comprometer toda a planta, quebrando seu ciclo de crescimento, atingindo também as próximas safras. Outra preocupação é a batata. As previsões do clima são de chuvas em março, o que pode atrapalhar o escoamento de produção e comprometer a qualidade do produto que foi um dos vilões da inflação no ano passado, com a saca de 50 quilos sendo vendida a R$ 85,71 em março. “Se as chuvas previstas para o próximo mês forem intensas, a batata pode chegar com preço bem mais caros para o consumidor, puxando novamente o índice de inflação”, explica Aline. (FM/PRF)