11/11/2006 08:11:23 –
POR SELMA VASCONCELOS FIGUEIROA
A história da modernidade nos traz à luz dilemas morais das personalidades que mudaram o destino do homem a partir de suas invenções. Entre essas personalidades estão os cientistas envolvidos no projeto Manhattan (desenvolvimento da bomba atômica), Einstein e Robert Oppenheimer. É atribuída a este último a expressão de temor face ao poder destruidor da bomba atômica comprovado ainda em estágio experimental. “Faço minhas as palavras do deus Vishnu (escrituras hindus): agora tornei-me a morte, destruidora de mundos.” Outra exclamação de horror foi registrada na história diante da cena decorrente do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima.
Atribui-se ao co-piloto Robert Lewis a frase: “Meu Deus, o que foi que fizemos ” Um dos maiores inventores dos séculos 18 e 20 foi o brasileiro Alberto Santos Dumont, o pai da aviação, nascido no sítio Cabungu, Minas Gerais, em 20 de julho de 1873. Seu pai era engenheiro diplomado por escola francesa e riquíssimo fazendeiro de café. Trabalhava na construção de estradas de ferro e aconselhou o filho a dedicar-se ao estudo da mecânica através de contatos com grandes especialistas, em vez de realizar um curso superior.
O jovem Santos Dumont dedicou-se inicialmente ao balonismo, esporte das elites francesas. Por seu caráter engenhoso, resolveu projetar seu próprio balão, a que deu o nome de Brasil, e teve desempenho de sucesso. Em 1898 projetou o primeiro de uma série de dirigíveis, chegando a ganhar o premio Deutch, com o dirigível de nº 6, ao contornar a torre Eiffel (1901). A cada nova concepção de dirigível, o inventor incorporava avanços técnicos, havendo inclusive especulações de que o aeronauta fazia seu próprio marketing com relação à segurança, embarcando crianças e mulheres ou aterrisando próximo aos cafés parisienses.
No entanto, Santos Dumont não escapou do drama moral com relação à destinação dada a seu invento. Inicialmente chegou a realizar contatos com o governo francês, aceitando o emprego de seus dirigíveis nas guerras, contanto que fosse poupado seu uso belicoso contra o continente americano. Durante a Primeira Guerra Mundial, eles foram utilizados pela França e Inglaterra, o que marcou a aplicação militar das aeronaves.
O Demoiselle foi o primeiro modelo mais pesado que o ar, e hoje seria chamado de ultraleve pela semelhança das formas. Consultado por industriais do ramo acerca da possibilidade de produção em escala industrial, ele não fez qualquer objeção, o que resultou em cópias do Demoiselle no mercado europeu. Em 1917, consultou o governo brasileiro acerca de seu interesse na utilização das aeronaves. Àquela altura, a aviação já era reconhecida como arma de guerra inclusive no continente americano (EUA, Argentina e Chile).
O Brasil não demonstrou interesse, o que lhe provocou uma grande decepção. Em 1928, já acometido de esclerose múltipla e crises de depressão, ao voltar ao Brasil, um hidroavião com passageiros sobrevoava a Baía de Guanabara dando boas-vindas ao ilustre patrício quando caiu no mar, não deixando sobreviventes e marcando de dor a trajetória brilhante do Santos Dumont. Quatro anos depois, em 23 de julho de 1932, em plena Revolução Constitucionalista, despede-se voluntariamente da vida aos 59 anos de idade.
Uma das grandes lições de ética deixadas por ele foi a de negar-se a patentear seu invento porque, na sua opinião, a propriedade da invenção retardaria o desenvolvimento das pesquisas em aeronáutica. Imaginem como nosso ilustre patrício encararia os propostos patenteadores dos genes humanos que pretendem apropiar-se do patrimônio da humanidade e da invenção do Criador
Selma Vasconcelos Figueiroa é médica, membro da Sociedade Brasileira de Bioética (PE), da Sociedade de Escritores Médicos e da UBE.