Rua XV de Novembro guarda histórias de uma época áurea

Por: 25/03/2007 16:03:42 - A Tribuna - Baixada Santista

EVANDRO SIQUEIRA


Santos, 1886. O espanhol José Caballero é dono de uma casa de banhos, na Rua 25 de Março, atual XV de Novembro. Benedicto Calixto, um ‘‘retratista a óleo’’, atua na Rua Amador Bueno. Os dois já investem em publicidade. Divulgam seus negócios na revista Indicadores Santistas, organizada por ninguém menos que o poeta Vicente de Carvalho.

Hoje, mais de um século depois, quem anda pelas ruas do Centro não se dá conta das histórias que estão escondidas no bairro mais comercial de Santos. As tradições, perdidas no tempo, se misturam à evolução da Cidade. Remetem aos anos de ouro do café. E podem ser contadas justamente a partir do comércio, uma espécie de espelho das demandas sociais.

A casa de banhos de Caballero, por exemplo, funcionou numa época em que pouquíssimas residências tinham água encanada. Os moradores pagavam até 20 contos de réis por 30 banhos num mês.

O corretor de café Oscar Bezerra, de 87 anos, ainda não era nascido naquela época. Mas acompanhou todas as transformações do Centro a partir da década de 30, quando começou a trabalhar num escritório da Rua XV. Ele lembra que, já modernizada pelas riquezas cafeeiras, Santos tinha um comércio diferenciado.

‘‘Os fazendeiros do interior que vinham trazer amostras de café aproveitavam para comprar em lojas tradicionais, como a Casa Allemã (na Rua XV) e a Casa Lemcke (na Rua João Pessoa), que vendiam roupas e enxovais requintados’’, relembra Bezerra.


RELÍQUIAS

Na primeira metade do século passado, Santos era porta de entrada para as novidades vindas da Europa. Graças ao porto, o Centro oferecia o que havia de melhor no mercado.
O ex-corretor de café Álvaro Vieira da Cunha guarda até hoje relíquias daqueles tempos, como um jogo de louças inglesas, comprado na Casa Pedro dos Santos, uma conceituada loja de importados, que ficava na esquina das ruas XV e do Comércio.

Mas ele realmente se orgulha da coleção de 24 volumes da obra de Eça de Queiroz, lançada em 1948, em comemoração ao centenário do escritor português. Os livros foram importados pelo Bazar Paris, maior referência literária para os intelectuais da época. Até o ex-presidente da República Washington Luís chegou a circular entre as prateleiras da livraria da Rua XV.

‘‘Os lançamentos chegavam primeiro ao Bazar Paris’’, recorda-se Cunha. ‘‘Eu tinha um primo que descia todo sábado de São Paulo só para comprar livros lá. Realmente, era um comércio de ponta’’.


ANTES E DEPOIS

O historiador José Dionísio de Almeida divide o comércio do Centro em duas fases: antes e depois do café. Até a crise da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, o bairro chegou ao auge.
‘‘Naquela época, o Centro era o Gonzaga dos anos 80’’, compara. ‘‘Havia fortunas circulando diariamente pelo bairro. E a Rua XV era o coração do comércio’’.

Depois da crise mundial, lembra Dionísio, as exportações de café minguaram paulatinamente. A população migrou em direção às praias. E o Gonzaga virou o Centro dos anos 20.


Destaques


Casa das Novidades

Localizado na esquina das ruas Itororó e General Câmara, o estabelecimento fazia jus ao nome ao disponibilizar aos santistas o que havia de mais novo no mercado, desde os anos 40. A identificação da loja existe até hoje, no topo da fachada do imóvel.


Linguagem de época

No século 19, o Salão Germania, ‘‘o primeiro em aceio e perfeição de trabalho’’, publicava anúncios com uma linguagem engraçada para os dias de hoje. Ao divulgar serviços de limpeza de pele, usava o chamariz ‘‘aplicam-se bichas e ventosas’’.


Sorte grande

Quando não havia restrições aos jogos de azar, na primeira metade do século 20, era comum encontrar propagandas de agências lotéricas.


Cronologia


1765
A Lista de Ordenanças da Capitania aponta 8 varejistas e 12 atacadistas em Santos, para uma população de 2 mil pessoas.


1900
Com quase 50 mil habitantes, Santos abriga 53 lojas de fazendas, 23 charutarias, 7 lojas de móveis, 5 casas de louças, 4 chapelarias, 3 confeitarias e 2 joalherias.


1913
A corretagem de café emprega 3.281 pessoas, segundo recenseamento municipal.


1940
Recenseamento indica existência de 1.374 varejistas e 316 atacadistas, que empregam 8.252 pessoas.


1970
Novo censo revela crescimento do comércio, que já emprega mais de 16 mil pessoas em mais de 3 mil estabelecimentos.


Fonte: Livro ‘‘Caminhos do Mar: memórias do comércio da Baixada Santista’’,
editado pelo Sesc São Paulo em 2002.

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