Ademar Possebom
Elaine Vieira
Beleza e descuido . Apesar da cor avermelhada da terra que recebe, o Rio Santa Maria ainda proporciona belas imagens, como o céu refletido em suas águas (foto maior). Na região de Santa Leopoldina, o esgoto é despejado diretamente nas águas (à esquerda). Em Santa Maria de Jetibá, o banco de areia é conseqüência do descuido com o rio.
A água que chega às torneiras da região Norte de Vitória e de parte da Serra nem de longe lembra a que corre na maior parte do Rio Santa Maria da Vitória. Apesar de ser a mesma, ela depende de tratamentos químicos cada vez mais intensos para ficar não só pura e sem gosto, mas também transparente. Às vésperas do Dia Internacional da Água, comemorado no próximo dia 22, as previsões não são nada animadoras, já os impactos sobre o rio, um dos mais importantes do Estado, ainda podem piorar.
A estimativa da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) é de que, a partir de 2019, o abastecimento da região tenha que receber o reforço do Rio Reis Magos, que desemboca na divisa entre os bairros Nova almeida, na Serra, e Praia Grande, em Fundão.
O rio Santa Maria é responsável pelo abastecimento de todo o município da Serra e de Cariacica, além da parte continental de Vitória e da região de Praia Grande, em Fundão. Por segundo, 2,7 mil litros de água são captados no rio pela Cesan. Hoje, por ano, cerca de R$ 6 milhões são gastos apenas com produtos químicos.
A reportagem de A GAZETA percorreu os municípios por onde ele passa e encontrou, desde as nascentes, graves danos ambientais. Todos eles provocados por décadas de ação do homem. Quase todos os 122 quilômetros do rio recebem, por exemplo, a terra que antes era retida pelas matas das margens do Santa Maria. Essa mata, chamada ciliar, foi quase toda substituída por pastagens e plantações.
É tanta terra que, ainda em Santa Maria de Jetibá, município onde nasce o rio, ele já tem uma cor avermelhada. Com a terra vêm agrotóxicos e esgoto, não só residencial. Os desmatamentos também prejudicam a cadeia alimentar da bacia hidrográfica.
Beleza e problemas . Na chegada a Santa Maria de Jetibá, a beleza da área da represa de Rio Bonito é um destaque. Há muita mata atlântica, com ipês coloridos, alguns eucaliptos e uma água esverdeada que chama a atenção. A cor normalmente não é relacionada à sujeira, mas denuncia a superpopulação de algas no rio, que se reproduziram devido à grande quantidade de esgoto jogada ali. A cidade já tem Estação de Tratamento de Esgoto, mas a adesão ainda é pequena.
Da represa até a sede da cidade, há muita mata. Mas as árvores estão principalmente nas encostas, que são íngremes e pouco apropriadas para a agricultura. Da sede até o distrito de Garrafão, onde nasce o rio, a situação é outra. Há muitas plantações, principalmente de hortaliças e morango.
As pequenas propriedades usam até a beira do rio, inclusive com intensa aplicação de agrotóxicos. Essa prática, que nem sempre segue as normas, já foi muito maior. Há experiências de êxito de agricultura orgânica que, no entanto, depende de mais incentivos para ser aplicada em larga escala.
Para o engenheiro agrônomo Mario Cesar Ewald, do Incaper, também faltam incentivos para a preservação das matas ciliares. “Quem derruba a mata e planta café, ganha dinheiro. Quem não derruba, não ganha nada”, diz.
Sem preservar a mata, mais terra corre para o rio, formando bancos de areia. Em Santa Maria eles são mais comuns. O município também é o segundo maior produtor nacional de ovos. Mas, segundo pesquisadores da bacia hidrográfica, as granjas quase não afetam o rio porque já investem pesado em automatização da produção.
Pasto no lugar da mata. Descendo o rio, já em Santa Leopoldina, a agricultura vai cedendo espaço a extensas áreas de pastagens, que conseguem reter ainda menos da terra que é levada pelas chuvas. E a recuperação de estradas – inclusive as construídas pelo poder público – libera grande quantidade de terra no rio.
Na sede do município, a bela paisagem dos prédios preservados desde o século XIX perde uma parte do encanto quando se observa que, mais de 100 anos depois, todo o esgoto dessa região continua indo direto para o rio. Os canos estão visíveis da principal ponte da sede. Um projeto para tratar o esgoto ainda não foi concluído.
Indústrias . O despejo de terra segue pela Grande Vitória. Dividindo os municípios da Serra e de Cariacica pela zona rural, o Santa Maria da Vitória percorre fazendas, também sem mata ciliar, até chegar ao manguezal que fica aos fundos da Ilha de Vitória.
Na Serra e em Cariacica, no entanto, o rio ainda deve enfrentar um forte impacto num futuro breve: a construção de pólos industriais sobre áreas de preservação permanente, apesar de haver proibição legal para edificar nessas áreas.
Um exemplo é o Pólo Industrial de Jacuí, que vai ficar no cruzamento do rio com a Rodovia do Contorno, na altura da ponte que separa Cariacica da Serra. Segundo o Iema, o estudo e o relatório de impacto ambiental do pólo ainda estão em análise. Mas uma grande placa, instalada dentro da área de alagadiço natural do rio, mostra que, ali, a instalação de um indústria de exportação deve continuar a devastação.
Sociedade se mobiliza para preservar manancial
Ademar Possebom
O combate aos problemas que impactam negativamente o Rio Santa Maria da Vitória começou há algumas décadas e se espalhou de diferentes formas. Nos últimos anos, no entanto, tem se tornado mais organizado. Articulações entre prefeituras, usuários e organizações da sociedade civil têm sido fortalecidas, em paralelo à contratação e à execução de estudos e atividades primárias de preservação.
A redução do uso de agrotóxicos na lavoura foi uma das atividades pioneiras. Surgiu de uma demanda dos próprios agricultores, descendentes de imigrantes que, em pequenas famílias, sentiram o mal que esses produtos provocam sobre a saúde humana. Aí começou um sistema de agricultura orgânica que, apesar de ser um modelo para o país, ainda é considerado inviável por muitos.
Em 1991, foi criado o Consórcio para Recuperação dos Rios Santa Maria da Vitória e Jucu, com dez prefeituras e empresas usuárias desses rios que são os principais para o abastecimento da Grande Vitória.
O consórcio teve atividades importantes, como a reconstituição da mata na região da Barra do Mangaraí. Mas, devido a mudanças na legislação, foi liquidado para dar origem aos comitês específicos para cada bacia hidrográfica.
Em andamento . Dos dez comitês de bacia do Estado, quatro ainda se estruturam. Entre eles, o do Santa Maria. Nenhum comitê tem plano de execução da política de recursos hídricos. A expectativa é de que planos diretores de cada bacia fiquem prontos em dois anos, segundo o subgerente de Planejamento do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Cláudio de Almeida.
“Tem sido cada vez mais fácil falar de preservação”, comenta o subgerente, atribuindo o fato à crescente preocupação mundial com o meio ambiente.
Tanto o subgerente, quanto o prefeito de Santa Leopoldina, Fernando Rocha (PPS), que é presidente do Pró-Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitóra, afirmam que estruturar o comitê é uma prioridade. Outros projetos, no entanto, já estão sendo executados. Confira na tabela.
Ações para recuperar o Rio Santa Maria da Vitória
Terminar de implantar o comitê da bacia hidrográfica
Fortalecer o projeto Corredores Ecológicos para ligar os pedaços de mata remanescentes com novas faixas de floresta ou áreas de agricultura orgânica
Fortalecer o combate aos desmatamentos da Mata Atlântica, ainda abundante
Ampliar a cobertura da rede de saneamento básico. Em Santa Leopoldina, por exemplo, a prefeitura vai retomar um contrato de 2001 para construir uma Estação de Tratamento de Esgoto, além de concluir a rede que pode cobrir 100% da sede
Ampliar os sistemas de coleta lixo
Fortalecer os projetos de educação ambiental, como os que acontecem nas escolas, e criar novos
Realizar o curso (previsto para este ano) de capacitação dos operadores das máquinas que fazem a recuperação das estradas de terra batida, para evitar que ela seja carreada para os córregos da região
Elaborar o plano de recursos hídricos específico da bacia hidrográfica. A elaboração dos planos diretores desses documentos está contratada pelo governo do Estado. Os planos gerais vão ter o diagnóstico dos problemas de cada bacia, além das diretrizes de execução da política estadual de recursos hídricos, que foi aprovada em 1998
Mobilizar os atores sociais da bacia para que se mobilizem em torno do comitê. O governo do Estado prepara a contratação de empresas para a mobilização nas bacias
Executar o cadastro dos usuários dos recursos hídricos, contratado no mês passado pelo governo do Estado, e contratar o estudo de viabilidade de cobrança por uso da água (previsto para os grandes usuários, como as maiores indústrias e plantações do Estado)
Avaliar o potencial dos aqüíferos subterrâneos, extraídos irregularmente por meio de poços artesianos. Estudo está sendo feito por meio de parceria entre a Petrobras, o Incaper, a Cesan. A empresa CPRM vai ser contratada para cadastrar os usuários
Buscar formas de tornar a agricultura orgânica cada vez mais interessante – mas principalmente viável – para os agricultores
Estimular a recuperação das matas de beira do rio, as chamadas matas ciliares. O governo do Estado pleiteia R$ 8 milhões, de recursos de fundo perdido do Banco Mundial, para um projeto chamado Florestas pela Vida
Fonte: Pró-Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória, Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técncia e Extensão Rural (Incaper)