Mauro Zanatta, de Brasília
Desgastado por sucessivas renegociações de dívidas e insatisfeito com o crescente risco da atividade rural, o governo negocia com representantes de produtores e bancos operadores de crédito uma ampla reformulação do atual modelo de política agrícola do país, em vigor desde 1941. Mais do que admitir a necessidade de reformar o sistema nacional de crédito, cujas regras vigoram há 44 anos, o governo busca sugestões de medidas práticas para mudar radicalmente sua forma de intervenção e apoio no setor até 2011.
A proposta, obtida pelo Valor, altera toda a estrutura da política agrícola nacional, além de aprimorar e criar instrumentos de ação mais efetiva no setor. O texto estabelece novas estruturas de financiamento com compromisso de controle do endividamento, cria mecanismos de alavancagem às carteiras de crédito, garante a sustentação de preços, eleva subsídios ao seguro de renda e reduz a subvenção ao crédito.
A renovação do velho modelo está dividida em medidas emergenciais para a próxima safra (2009/10), que começa oficialmente em julho, e na criação de um período de transição para o novo sistema até 2011. Até lá, somente quem aderisse às novas regras poderia repactuar dívidas rurais. Pelo texto, seriam enfrentados problemas de tributação indireta elevada sobre produtos agropecuários, do progressivo agravamento da sonegação fiscal no campo e da falta de estímulos à formalização contábil e à transparência patrimonial dos produtores.
O governo crê que as novas diretrizes devem melhorar a gestão do risco rural e elevar o volume de recursos públicos e privados para financiar produção e investimentos. Elas também precisam reforçar a atuação na comercialização da safra, garantindo renda estável ao produtor e evitando pressões nos preços ao consumidor.
Um grupo de trabalho composto por dirigentes dos ministérios da Agricultura e da Fazenda, além de Banco do Brasil, federação dos bancos (Febraban) e Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), elabora formas de incentivo à transformação dos produtores em pessoa jurídica e prevê a criação de um Imposto de Renda específico para essas empresas, com tributação reduzida e um estatuto exclusivo. O texto, em estudo desde meados de dezembro, propõe alíquotas menores de impostos indiretos, como ICMS e PIS-Cofins, em troca do aumento na transparência fiscal.
Os especialistas também veem a urgência em fixar o financiamento integrado das atividades de cada propriedade, sem a necessidade de limites para cada cultura. O novo sistema contaria, ainda, com uma central de registro de todas as operações rurais – uma espécie de Cetip Rural.
O produtor passaria a eleger um banco para manter cadastro único que seria aberto a todos os demais credores. Todas as operações seriam registradas nesse novo sistema. Novos créditos ao produtor seriam condicionados a uma adesão futura sistema centralizado.
Eventuais renegociações de dívidas rurais dentro do novo modelo seriam restritas a empresas que tivessem um completo balanço patrimonial (com ativos e passivos), no qual constariam todos os débitos e detalhes contábeis e financeiros. Estariam, dessa forma, resolvidos eventuais questões de precedência de direitos dos credores. Para conferir mais credibilidade ao sistema, um sistema de varredura checaria as informações e simplificaria as operações de crédito rural.
O novo modelo de política agrícola contempla mecanismos de alavancagem das carteiras de crédito. Um deles seria a formação de um fundo público para elevar os recursos aplicados por bancos e cooperativas de crédito no setor. A cada R$ 100 de recursos próprios dos agentes, esse fundo bancaria um adicional de 40%, por exemplo, para expandir a parcela de aplicação obrigatória dos bancos no setor (exigibilidades). O Tesouro deve participar na formação do fundo.
As alterações devem elevar os subsídios do governo ao seguro rural e instituir subvenções à proteção de preços (“hedge”) em bolsas e mercados futuros. Em troca, seriam reduzidos os subsídios oficiais ao crédito. Para garantir a sustentação dos preços rurais, haveria a unificação dos instrumentos de política agrícola tocado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que lastrearia operações de recebíveis, como Cédulas de Produtos Rurais (CPRs).
O novo modelo instituiria instrumentos diferenciados para cada cadeia produtiva por causa das diferentes estruturas de mercado e formação de preços. As opções privadas (Prop) são mais fortes para a indústria, mas menos favorável ao produtor. Por fim, a Lei dos Preços Mínimos, criada em 1941, seria revogada para assegurar garantias diferenciadas para cada perfil de produtor.