Suíça Nestlé e holandesa Jacobs Douwe Egberts, que controlam 40% das vendas mundiais do produto, estão envolvidas
publicado originalmente em 07/03/2016 17:44
Repórter Brasil – A existência de graves problemas trabalhistas na produção
do café brasileiro é o foco de um relatório que acaba de ser lançado pela ONG
dinamarquesa Danwatch. Além de casos de trabalho análogo ao de escravo no setor,
a investigação chama a atenção para flagrantes de trabalho infantil e para o uso
de agrotóxicos proibidos na Europa em lavouras do país. O Brasil é o maior
produtor e exportador mundial do grão.
Segundo a Danwatch, as más condições trabalhistas afetam a cadeia de
fornecedores das duas maiores empresas globais de café – a Nestlé, sediada na
Suíça, e a multinacional holandesa Jacobs Douwe Egberts. Juntas, elas controlam
aproximadamente 40% das vendas mundiais do produto.
Procuradas pela Danwatch, ambas as empresas admitem, de acordo com o
relatório, que grãos de café oriundos de plantações onde foram identificadas
condições análogas à escravidão podem ter terminado em seus produtos. A Nestlé
também admitiu ter comprado café de duas plantações onde as autoridades
brasileiras resgataram trabalhadores da escravidão. Os flagrantes de trabalho
escravo ocorreram em julho de 2015.
“Estamos determinados a enfrentar este complexo problema em estreita
colaboração com os nossos fornecedores, com os quais entramos em contato”, disse
a multinacional suíça em uma declaração por escrito à organização dinamarquesa.
Já a Jacobs Douwe Egberts afirmou ter procurado todos os seus fornecedores para
pedir-lhes explicações sobre as medidas tomadas visando garantir que eles não
compram café de plantações que empregam esse tipo de mão de obra.
Trabalho
infantil e agrotóxicos
O relatório também cita que o emprego de mão de obra com menos de 16 anos na
colheita do café ainda é uma realidade no Brasil. Numa fiscalização trabalhista
acompanhada pela Danwatch no estado de Minas Gerais, em julho de 2015, auditores
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagraram dois jovens, de 14 e 15
anos, exercendo a atividade. Tinham migrado da Bahia para a colheita e estavam
alojados em condições precárias. Por conta do trabalho, um deles relatou ter
perdido um mês de aulas.
Outro problema abordado é o uso de agrotóxicos perigosos nas fazendas
brasileiras de café, incluindo substâncias consideradas extremamente tóxicas e
que já foram banidas pela União Europeia. A investigação da Danwatch traz
entrevistas com trabalhadores que rotineiramente aplicaram tais produtos em
cafezais. Eles relataram problemas de saúde e sintomas que, segundo
pesquisadores ouvidos, podem estar relacionados com a exposição tais
produtos.
RBA trabalhadoragro.jpg
Francisco Paulo Pereira
aplicava agrotóxicos sem equipamento de proteção
Segundo a organização dinamarquesa, alguns dos produtos usados em lavoras de
café brasileiras são tão tóxicos que o mero contato com a pele pode levar ao
óbito. “Mesmo assim, muitos trabalhadores pulverizam os pés de café com
agrotóxicos sem usar os equipamentos de proteção exigidos pela lei”, diz o
relatório.
O alto índice de informalidade na colheita do café, relatado por organizações
ligadas aos direitos dos trabalhadores, é outro problema destacado pela
investigação.
Repercussão
Em nota encaminhada à Repórter Brasil, a Articulação dos Empregados Rurais do
Estado de Minas Gerais (Adere-MG) afirmou que o relatório da Danwatch “mostra as
vergonhosas e precárias relações de trabalho na cafeicultura mineira,
cafeicultura que não respeita os direitos de seus empregados, a legislação
trabalhista e que tem ainda as suas senzalas ‘modernas’, mascaradas de
alojamento”. Ainda de acordo com a articulação, se todas as denúncias fossem
fiscalizadas corretamente e em tempo hábil, a quantidade de trabalhadores
resgatados em fazendas da região seria muito maior.
Leia a íntegra da nota da articulação
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais
(Fetaemg) também se manifestou sobre o relatório. A entidade afirma que os
trabalhadores enfrentam grandes problemas como informalidade, más condições de
trabalho, transporte irregular e aliciamento por “gatos” – intermediadores na
contratação de mão de obra que iludem os trabalhadores com a promessa de bons
salários e boas condições de trabalho. “Temos avançado bastante na melhoria das
condições de trabalho no campo, mas ainda encontramos trabalho análogo à
escravidão. O problema é que o Ministério do Trabalho tem uma deficiência de
profissionais para fiscalizar as propriedades”, ressalta Vilson Luiz da Silva,
presidente da Fetemg.
Organizações ligadas aos produtores rurais e às cooperativas de café, por sua
vez, divulgaram comunicado conjunto repudiando o estudo da Danwatch, que foi
qualificado como sensacionalista pelo Conselho Nacional do Café (CNC) e pela
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “O relatório “Café
Amargo” possui forte viés ideológico e demonstra grande ignorância sobre a
realidade produtiva do Brasil, bem como do aparato institucional do setor café e
do arcabouço legal que rege as relações trabalhistas e o registro, a produção, o
comércio e o uso de defensivos agrícola”, diz o comunicado.
Sobre os flagrantes de mão de obra escrava na cafeicultura brasileira, CNC e
CNA alegam que o critério de trabalho escravo no Brasil é muito subjetivo. “O
prejulgamento por parte da ONG [Danwatch] é uma grande injustiça, até porque a
fiscalização não é imparcial ao enquadrar o labor como análogo ao de escravo.
Pelo contrário, possui forte viés ideológico e muitas vezes se equivoca”,
defendem as entidades.
A UTZ, uma das principais certificadoras globais de fazendas de café, também
se manifestou por meio de nota, afirmando que o relatório da organização
dinamarquesa chama a atenção para os graves problemas encontrados no café
brasileiro em relação às condições de trabalho, problemas estes que precisam de
ser resolvidos a fim de criar uma cadeia de fornecimento sustentável.
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/03/cafe-amargo-4963.html