O setor exportador agrícola do Brasil, em grande parte responsável pelo número recorde do superávit comercial do país, acredita que o crescimento em 2006 será limitado se o real continuar valorizado frente ao dólar.
SÃO PAULO (Reuters) – O setor exportador agrícola do Brasil, em grande parte responsável pelo número recorde do superávit comercial do país, acredita que o crescimento em 2006 será limitado se o real continuar valorizado frente ao dólar. A moeda brasileira subiu 33% em relação ao dólar nos últimos 12 meses. Essa forte valorização tem reduzido consideravelmente o potencial de ganhos em reais das exportações e dificultado o pagamento de dívidas, o investimento em tecnologia e a expansão da área de produção por parte dos produtores. Todos os principais setores de exportação foram afetados, mas algumas áreas estão piores do que outras. A indústria de soja, produto agrícola que mais traz receitas de exportação ao Brasil, está em crise. “A taxa de câmbio está se tornando nossa ruína. Estamos muito preocupados com nossa indústria”, afirmou Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Grandes multinacionais como Bunge Ltd. e Archer Daniels Midland Co. interromperam as atividades em algumas unidades de processamento de soja no Brasil por tempo indeterminado devido a margens de lucro negativas. A área de plantio de soja também deve recuar nesta temporada, pela primeira vez desde 1998. O Brasil, segundo maior produtor e exportador mundial de soja, ficando atrás dos Estados Unidos, exporta de 60% a 65% do produto anualmente. As exportações da commodity arrecadaram US$ 10 bilhões em 2004 e foram responsáveis por 10% da receita total das exportações brasileiras. Agora os produtores estão enfrentando uma redução no financiamento para as lavouras e perdendo a competitividade contra rivais como Argentina, terceiro maior produtor de soja, devido ao câmbio. “As coisas na Argentina ainda estão bem. O câmbio deles está (cerca de) 3 por 1 dólar”, afirmou Sérgio Barroso, presidente da Cargill Agrícola S.A., subsidiária brasileira da gigante norte-americana do setor agropecuário. “O Brasil não é mais o lugar mais barato para produzir (soja) e deixou de ser o mais competitivo”, afirmou. Questionado se a taxa de câmbio iria atrasar investimentos da Cargill no país, Barroso afirmou que a empresa não define os planos baseada apenas no câmbio, mas acrescentou: “a situação atual irá dificultar os investimentos no ano que vem”. Recorde ilusório As exportações do setor agrícola brasileiro ainda são as maiores da história. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) informou que as exportações agrícolas atingiram o recorde de US$ 33 bilhões até outubro, crescimento de 9,6% em relação ao mesmo período de 2004. “Uma análise mais profunda dos resultados mostra uma crise enfrentada pelo setor rural brasileiro”, disse a CNA em um comunicado, acrescentando que em comparação com o período de 2003 para 2004, as exportações haviam aumentado 29,5%, indicando uma grande diminuição no ritmo de expansão do setor em 2005. Outros setores importantes, como açúcar e café, não estão enfrentando tantas dificuldades como a indústria de grãos. Fontes da indústria esperam que os preços locais e internacionais subam ou permaneçam firmes, compensando parte das perdas causadas pela valorização do real. Mesmo o setor de açúcar e álcool, que passa por uma grande expansão com nova demanda no país e no exterior, está sentindo os efeitos do real valorizado. “A taxa de câmbio está causando um efeito dramático nas nossas receitas com exportação”, afirmou Pedro Isamu Mizutani, superintendente do grupo Cosan, maior produtor sucroalcooleiro do Brasil. O setor de carnes, que nos últimos anos tem gerado grande receita, está repassando adiante os custos do real mais forte para seus consumidores na Europa, Ásia e Oriente Médio. Algumas das principais empresas do setor, como o Friboi, líder no processamento de carne bovina, e a Sadia, principal exportadora de aves e suínos, informaram ter recorrido à elevação dos preços em moeda forte para compensar eventuais perdas nas margens de lucro devido a um real mais robusto. “O sucesso no repasse de reajuste de preços em moeda forte praticamente compensou a queda do dólar no período”, informou a Sadia ao anunciar os resultados do terceiro trimestre neste mês. Somente nas aves, os preços em dólar praticados pela Sadia foram elevados em 17% no período de um ano entre os terceiros trimestres de 2004 e 2005. Segundo a Abef, entidade que reúne os exportadores de aves brasileiros, o preço médio do produto exportado subiu 33% em dólar em outubro, na comparação com outubro de 2004 (de US$ 1.018 por tonelada para US$ 1.354). O preço médio da carne suína subiu menos, 7,5%, mesmo patamar de elevação registrado para a carne bovina “in natura” na comparação ano a ano. (Reportagem adicional de Peter Blackburn, Inaê Riveras e Marcelo Teixeira)