Quando o termômetro marcou 43ºC

Por: 29/10 10:29 - Jornal A Cidade - Ribeirão Preto

Hitória do café –


Estamos numa tarde ensolarada de setembro de 2030. O termômetro no cruzamento das avenidas 9 de Julho e Presidente Vargas está marcando 43ºC. É a mais alta temperatura registrada na primavera, em Ribeirão. O recorde é conseqüência da forte onda de calor, fenômeno cada vez mais freqüente.

A antiga capital do café não tem mais nenhum cafezal. A planta não resistiu à mudança climática e simplesmente se tornou inviável no nordeste paulista. Os canaviais resistem, mas precisam ser fartamente irrigados na estiagem.


O nível do aqüífero Guarani já baixou mais de cem metros, por isso os poços artesianos precisam ser cada vez mais profundos. Como não é o suficiente, a cidade tem de apelar para a água de superfície, que está poluída.


Faz mais de três meses que não chove na região. O ribeirão-pretano aprendeu, na marra, a economizar água, já que as contas a pagar não dão margem ao desperdício. Por lei, casas não podem mais ter piscina.


No último verão, um tufão deixou dezenas de famílias desabrigadas na zona norte da cidade. Calor e baixa umidade estão cada vez mais severos, causando doenças respiratórias em bebês e a morte de idosos, que não resistem às altas temperaturas.



Amanhã incerto


O cenário acima, claro, por enquanto é só um exercício de imaginação. Se poucas dúvidas restam sobre a existência do aquecimento global, o amanhã ainda é incerto. Mas nada do que foi aqui descrito é fruto de delírio. Esses problemas são citados como possibilidade pelos cientistas que tentam entender o que acontecerá com o planeta, o país e as cidades brasileiras.


“O aquecimento global é um fato e o aumento da temperatura é irreversível. Para Ribeirão, que já é quente e seca, o cenário é de diminuição das chuvas”, afirma ngelo Augusto dos Santos, da ONG Funbio, o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade.


De acordo com o cientista, “existe uma grande possibilidade” de a temperatura da Terra subir pelo menos 2ºC até 2050. “Nunca houve temperaturas médias tão altas nos últimos 150 mil anos”, diz Santos. Segundo ele, é possível ocorrer um pico de 43ºC em Ribeirão nas próximas décadas.


O meteorologista do Cptec (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) Gilvan Sampaio também acredita que enfrentaremos picos de temperatura acima de 40ºC como resultado de dias seguidos com calor muito intenso. “Os desastres naturais serão cada vez mais freqüentes”, prevê. Sampaio cita, além das ondas de calor, tempestades, inundações, vendavais e secas prolongadas como conseqüências do aquecimento.



Fim do café


Hilton Silveira Pinto é diretor do Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, da Unicamp). De acordo com seus estudos, o café deve desaparecer da região de Ribeirão Preto por causa do calor. As culturas de soja, feijão e arroz também seriam prejudicadas.


Com a pecuária, a história se repete. “Três ou quatro dias de temperaturas acima de 34ºC é suficiente para matar metade das galinhas em uma granja. Com esse calor, a produção de leite também cai pela metade”, calcula o especialista.


A escassez de água já é uma dura realidade no planeta. Nada menos do que um terço dos humanos vivem em áreas em que o recurso é escasso. A região de Ribeirão Preto é privilegiada por se localizar sobre o aqüífero Guarani, mas isso nos leva ao desperdício. Como conseqüência, o nível do manancial subterrâneo baixou 60 metros em média na região central de Ribeirão.


“Se o nível baixar demais, os poços serão cada vez mais profundos, mas isso diminui sua eficiência”, avalia Maurício Moreira dos Santos, facilitador do Projeto Piloto de Ribeirão Preto, da Organização dos Estados Americanos (OEA). “Teremos talvez de recorrer à água de superfície, que precisa ser tratada, e a conta de água será cada vez mais alta”, diz o especialista no aqüífero.


Não é fácil encontrar vozes que destoem desse coro, mas existem poucos e veementes céticos em relação ao aquecimento global. Francisco Vecchia, pesquisador da USP de São Carlos, é uma dessas vozes.


“Há total exagero e um uso político nessas previsões catastróficas”, afirma o cientista. Apesar de dizer que não vê “nada de alarmante” no cenário climático, Vecchia se diz também ambientalista e defende, como todos, o uso racional dos recursos planetários.



Daqui para frente


Para Eneas Salati, diretor da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, as alterações no clima são inequívocas e, com certeza, “decorrentes da atividade humana”. Da mesma forma, a gravidade das conseqüências, segundo o cientista, dependerá do que faremos a partir de agora.


Salati acredita que os homens saberão reagir a tempo e aposta em novas tecnologias para diminuir nossa dependência do petróleo, sendo o hidrogênio combustível uma das alternativas para o futuro.


“Sou otimista. Acredito que a humanidade vai começar a se mexer quando se vir diante do perigo real que se aproxima”.



IPCC culpa a humanidade


O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi formado em 1988 pela Organização das Nações Unidas (ONU). O IPCC ganhou o Nobel da Paz de 2007 por seus estudos sobre o aquecimento global, que originaram um relatório de três partes divulgados este ano.


Dividiu o prêmio o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, pelo filme Uma Verdade Inconveniente, que trata do mesmo tema e também levou o Oscar de melhor documentário.


O relatório do IPCC diz que o aquecimento global é inequívoco e que ele é provocado muito provavelmente (90% de certeza) pela emissão de gases-estufa produzidos pela ação humana.


Segundo o Painel, a elevação das temperaturas e do nível do mar vão continuar por séculos mesmo que as emissões sejam controladas. A temperatura média da Terra vai subir de 1,1 ºC a 6,4ºC até o final deste século.


Como conseqüências, o IPCC prevê ondas de calor, fortes tempestades, secas, ciclones tropicais e picos extremos de temperatura. Para frear o aquecimento, o Painel sugere o corte de emissões de gases, o seqüestro de carbono (com o plantio de árvores) e o uso de tecnologias não poluentes.



 

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