Protecionismo infamante
Opinião [27/05/2007]
Hélio Duque
No passado, o café foi a riqueza instrumentalizadora da industrialização brasileira. Por mais de um século respondeu por dois terços do total das exportações nacionais. De meados do século XIX até a década de 60 do século XX a economia cafeeira foi o pólo dinâmico responsável por um crescimento integrador de vastas áreas do território brasileiro. O despertar econômico de São Paulo teve no café a sua principal base de sustentação. No Paraná não foi diferente. A colonização do norte paranaense, baseada na pequena e média propriedade e tendo o café como produto gerador de riqueza a partir de 1930, é responsável em grande parte pelo Paraná moderno dos dias atuais.
No presente, o Brasil continua na condição de maior produtor do mundo. O parque cafeeiro nacional tem Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Espírito Santo e Paraná como núcleos principais. A cadeia gerada pela cafeicultura, que se expressa na lavoura, na moagem e torrefação e na indústria do solúvel, é responsável por uma demanda de mão-de-obra direta e indireta de mais de 7 milhões de trabalhadores.
Agregue-se o fato de indiscutível responsabilidade social ao fixar o agricultor no seu habitat rural. Sendo uma atividade não mecanizada, fixa o lavrador na terra, impedindo o êxodo rural e a ampliação das desigualdades sociais nos “guetos” urbanos que vêm se multiplicando com alta incidência de violência e insegurança pública.
O grande desafio nesse tempo contemporâneo é buscar a conquista de novos mercados, agregando valor pela via da industrialização às exportações. Os mercados tradicionais do café “in natura” já estão integralmente abastecidos e sem perspectivas de ampliação. A Ásia tem há três anos o Vietnã ocupando a segunda posição mundial na produção de café, superando a tradicional Colômbia, que sempre manteve a segunda posição do longo de décadas.
Não obstante ser o maior produtor de café verde mundial, o Brasil tem na industrialização dessa matéria-prima a grande arma para ampliar as suas fronteiras comerciais. Lamentavelmente, a indústria nacional de café solúvel tem se defrontado com barreiras impeditivas à sua expansão pela pressão e práticas protecionistas retratadas há décadas no meu livro A Guerra do Café Solúvel. A origem está no fato de que o café industrializado vale 20 vezes mais do que o produto em grão. O diagnóstico do empresário Ruy Barreto Filho, diretor da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel, é perfeito: “Na essência, a barreira tarifária constitui uma discriminação inadmissível, uma forma de manter em estado colonial, de fornecedora de matéria-prima e não de produtos manufaturados, uma nação que luta para alcançar o pleno desenvolvimento industrial”.
A União Européia criou em janeiro de 2006 uma sobretaxa de 9% sobre o solúvel brasileiro, objetivando proteger as indústrias dos países europeus que não produzem café verde. No ano passado, as exportações do solúvel brasileiro tiveram uma redução de 10%. Enquanto a União Européia se amplia, com o ingresso de novos países, essa sobretaxa determina a redução da presença nacional naquele mercado. A qualidade do solúvel brasileiro aliada a uma forte competitividade é a causa determinante para essa discriminação odiosa.
A diplomacia econômica nativa não pode se omitir ante essa realidade. É o interesse de um importante setor da economia nacional que está em jogo, exigindo tratativas oficiais. O empresário Ruy Barreto Filho com objetividade coloca a questão nos seus devidos termos: “O governo federal, preocupado com o nosso desenvolvimento e a geração de empregos, não pode se omitir nesta questão. Por agregar valor ao café verde, beneficiando as exportações, e representar uma demanda certa para a produção das nossas lavouras, que empregam milhões de brasileiros, a indústria do solúvel merece o apoio decisivo de nossos dirigentes e de toda a sociedade na luta contra este infame imposto europeu”.
No mundo globalizado o protecionismo e a geração de barreiras tarifárias vem sendo uma prática comum utilizada pelos países desenvolvidos. Agora é um bloco econômico com mais de duas dezenas de nações que impõe essa prática nociva contra os países em desenvolvimento. Aceitar sem luta essa prática é deixar o caminho aberto para a sua ampliação, em detrimento dos interesses e do desenvolvimento nacional.
Hélio Duque é doutor em ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi deputado federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.