15 de Outubro de 2008 – A crise financeira mundial pode mudar o panorama de negociações do Brasil com seus principais parceiros internacionais. Em um cenário de queda nas trocas bilaterais, a corrente comercial terá de fluir em um ambiente no qual a tendência de fechamento de mercados e exacerbação do protecionismo terá de conviver com as dificuldades que diversos países enfrentarão para sustentar barreiras não-alfandegárias como subsídios agrícolas e cotas.
Os Estados Unidos e países europeus terão de gastar um volume significativo de recursos para socorrer os bancos e recuperar a confiança no sistema financeiro. Estas medidas devem comprometer os orçamentos dos países que terão de absorver o maior impacto da crise e afetar a capacidade de sustentarem o nível atual de subsídios agrícolas.
O Brasil, neste cenário, ganha competitividade nas exportações e condição de viabilizar acordos comerciais amplos sem a necessidade de discutir em fóruns internacionais como Doha. Esta oportunidade poderá ser a saída para o Brasil buscar minimizar os efeitos da recessão mundial na corrente de comércio, na avaliação do economista Celso Grisi, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
“As negociações bilaterais envolvendo as commodities podem ser favoráveis ao Brasil”, afirma Grisi. Com menos subsídios, haverá espaço para expandir as cotas de exportação de produtos agrícolas brasileiros e compensar parte da queda em volume e preço que deve se acentuar no mercado internacional.
Na sua avaliação, a desaceleração da economia norte-americana será seguida por crescimento menor da China que arrastará com ela o Japão, que é dependente dos investimentos chineses em infra-estrutura. “Os Estados Unidos terão um grande déficit em conta corrente e uma dívida de US$ 11,365 trilhões em 2008. É um número de arrebentar”, afirma Grisi.
“Os déficit gêmeos vão trazer um problema sério para a economia norte-americana com custos sociais graves”, comenta. Os cortes em despesas com programas sociais e assistenciais devem alcançar a previdência, a área da saúde e política de subsídios, avalia.
Já Fernando Blumenschein, da FGV Projetos, prevê uma competição mais intensa entre os países para a conquista de mercados. Para ele, a tendência, em momentos de crise, é que os países criem mais barreiras para proteger os seus mercados. “E isso já está acontecendo”, diz citando o caso da China, que impôs barreiras para exportação de produtos agrícolas para garantir a oferta no mercado interno. Nesse sentido, com o aprofundamento da crise, os países da União Européia também devem se proteger. “As chances das negociações da Rodada de Doha são bem menores agora”, comenta o coordenador de projetos da consultoria.
“Em todo momento de crise, há um movimento protecionista dos países. Não é um risco remoto”, concorda Olavo Henrique Furtado, consultor do núcleo de negócios internacionais da Trevisan Consultoria.
O mercado espera uma retração importante, com impactos diretos no Brasil. O crescimento econômico dos Estados Unidos e Europa deve ser próximo de zero. Dois grandes compradores de produtos brasileiros como a China, que deve reduzir sua expansão a taxas de mais de 10% ao ano para 8% ou 9%, e a Índia, que ficará na faixa de 4% a 5%, também devem diminuir o ritmo e importar menos do País. “Há um cenário de recessão mundial com menores fluxos comerciais e queda nas cotações das commodities.
E isso vai atingir o Brasil de forma acentuada. Também haverá menor fluxo financeiro, diminuindo investimentos de empresas que usam o País como plataforma de exportação. Todas as varáveis indicam para uma desaceleração do crescimento ou até diminuição das exportações”, diz Blumenschein.
Para compensar a perda de vendas nos EUA, avalia Grisi, os chineses devem se voltar para a Rússia, África do Sul e países da América Latina como o Brasil, Peru, Argentina, México, Colômbia, Chile e Venezuela. “Há uma redução forte nas quantidades e os esforços comerciais serão de colocar os produtos nos países emergentes. Todos tentarão”, diz Grisi.
Para Furtado, a China pode intensificar suas vendas para mercado emergentes, mas o Brasil também pode procurar novos parceiros. “O que impede o País de buscar novos mercados. Existem mercados até certo ponto insipientes, como a África, que podem ser opção. O Brasil pode, por exemplo, fortalecer o bloco latino”, diz.
O País, no entanto, se ressentirá da falta de diversificação , diz Grisi. Nos seis primeiros meses do ano 56% das exportações ficaram concentradas em cinco setores. Esta predominância de embarques de petróleo, derivados de petróleo, produtos agrícolas, pecuária, minérios e coque. “Não existe difusão. Se pegar 80 empresas brasileiras teremos 50% das exportações.”
As importações estão apoiadas nos segmentos de máquinas e equipamentos, produtos eletroeletrônicos e de comunicação, automóveis e derivados de petróleo. “O que temos que fazer é diversificar os produtos”, completa Grisi.
Para o economista, após anos de moeda defasada, “acabamos destruindo uma parte significativa da competência que tínhamos para exportar manufaturados”. A inserção de produtos com maior valor agregado na pauta de exportações seria um fator positivo em razão do comprometimento dos resultados das commodities. Esta recuperação seria possível somente no período de um a dois anos.
Furtado diz que uma das maiores preocupações é a infra-estrutura brasileira. “É algo que não se resolve da noite para o dia. Com a crise, isto se agrava devido a restrições para investimentos”, afirma.